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setembro 5, 2015
Quarta-feira de Cinzas por Luisa Duarte
Quarta-feira de Cinzas
LUISA DUARTE
Em 1989, ano da queda do Muro de Berlim, Leonilson inscreveu em dois trabalhos: “Leo não consegue mudar o mundo” e “Leo can’t change the world”. Entre “conseguir” e “poder”, outra versão possível para “can’t”, a frase denuncia sua impotência política.
Leonilson não está presente nessa exposição, mas surge como inspiração para o processo conceitual da mostra “Quarta-feira de Cinzas”. Note-se que a despeito de um enunciado pessimista, o próprio gesto criativo do artista põe em questão sua consciência do fracasso, uma vez verificada hoje sua permanência enquanto artista fundamental para compreender a arte dos anos 1980-90.
“Quarta-feira de Cinzas” deseja tocar justamente no intervalo promissor entre a sensação de impotência (donde o ceticismo) e uma esperança de transvaloração possível. Não seria o que teria levado Nietzsche a postular um “niilismo ativo”?
Hoje, nossos gestos mais íntegros parecem se desmanchar, nossas palavras esperançosas têm, repetidamente, um contraponto cruel em uma época que faz o elogio incessante da “eficácia”, da “competência”, da “agilidade”, retirando de ambos – gestos e palavras – seu quociente de vida e poder próprios, autônomos. Tudo opera para que nos adequemos ao que está aí, querendo nos fazer crer que qualquer desejo de transformação estrutural seja visto como sinônimo de ingenuidade. Facilmente podemos nos somar a legião de zumbis ventríloquos.
Como pode a arte apontar para uma zona de maior liberdade e pensar por si? Como habitar o presente, criar um futuro mais palpável (sabendo que o futuro já não é mais o que era), e escapar do tempo fadado à repetição, que é o tempo dos corredores dos shoppings, das feiras – homogêneo, circular, serializado. O tempo das subjetividades botox é repetitivo na mesma medida em que os objetos que a cercam são eternos, porque infinitamente substituíveis – eternos porque infinitamente descartáveis. A eternidade promovida pelos ciclos brevíssimos de consumo é a suspensão do futuro; permanecemos na cíclica manutenção do presente, em um tempo que se pretende sem máculas nem rachaduras, pior ainda: sem passado. Imersos nos desdobramentos de uma época pós-utópica, vivemos constantemente absortos porém distraídos, correndo, atrasados sem saber ao certo o porquê ou a direção, vítimas de uma “frenética imobilidade”.
Estas são algumas das questões que deflagraram a organização das obras reunidas aqui em torno do título “Quarta-feira de Cinzas”, em uma tentativa de construir outras temporalidades. Ao longo da exposição, determinados trabalhos lidam com a incompletude, outras acolhem uma quebra na linearidade temporal, sugerem desacelerações, pausas, ou, ainda, caminham em direção a ruínas, sabendo que ali reside um solo fértil para outros mundos (im)possíveis.
Ir até as ruínas de um tempo não significa paralisia ou niilismo. Aprendemos com Walter Benjamin a potência que reside no que aparentemente é digno de esquecimento. Trata-se de narrar o presente a contrapelo, olhando uma outra vez para sua face às vezes bárbara, às vezes melancólica, mas quem sabe, ali mesmo, se encontre a dimensão crítica e subversiva, delicada e poética, do mundo em que vivemos.