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março 30, 2010
Sobre Desfazer o espaço por Fábio Tremonte
Sobre Desfazer o espaço
Fábio Tremonte
Especial para o Canal Contemporâneo
A exposição Desfazer o espaço, do norte-americano Gordon Matta-Clark, apresentada no MAM São Paulo até o dia 4 de abril é um convite a conhecer e refletir sobre a vigorosa produção desse artista morto prematuramente aos 35 em decorrência de um câncer, e que deixou um corpo de trabalhos que influencia muitos artistas até hoje.
Seus trabalhos mais conhecidos são os cortes em casas e prédios, intervenções na arquitetura. Matta-Clark estava, sim, discutindo o espaço, sem dúvida. Arquiteto por formação (formado pela Cornell University, no final dos anos 60), tinha na arquitetura e no espaço urbano sua atenção, preocupação e reflexão. Entretanto, dizer que suas intervenções nesse espaço são pura e simplesmente formais é um engano, assim como o é dizer a mesma coisa de Lúcio Fontana quando toma um estilete e corta a superfície de uma tela, mas isso pode ser assunto para um outro texto.
Quando Matta-Clark toma uma serra e parte a parede de uma casa ao meio (Splitting, 1974), ele está atacando um corpo, criado para abrigar outros corpos. A fenda criada não é apenas um corte, mas a criação de um outro espaço, a possibilidade de criar um "entre" entre exterior e interior. Há o risco de se machucar, pois pega a serra e parte para cima da construção sem o uso de equipamentos de segurança ou, talvez, um estudo da estrutura do edifício (aqui estou fazendo uma suposição, pois me agrada esse risco que corre).
Também cria esse espaço "entre" quando atira nas janelas do Edifício da sede do Instituto de Arquitetura e Estudos Urbanos de Nova York, em 1976, no trabalho intitulado Window blow out. A partir desses trabalhos e de outros em que o artista interfere na arquitetura, ao abrir uma fenda, ao quebrar uma janela, ao abrir um buraco na parede, permite que a luz natural invada o ambiente, o espaço, antes iluminado por luzes artificiais ou sem iluminação, no caso de edifícios sem uso, vejo que Matta-Clark está pensando na cidade e repensando e recriando seu uso, a sua apropriação.
Viveu isso intensamente em Nova York, quando as leis de zoneamento foram alteradas e permitiram que artistas ocupassem galpões abandonados em uma determinada região da cidade, conhecida posteriormente como SoHo. O deslocamento para uma região distante e a alteração no uso dos edifícios ali presentes e o contato com outros artistas e moradores dessa região estão intimamente ligados com essa atuação no espaço urbano.
Mas, não só de cisão na arquitetura é formado o trabalho de Matta-Clark. Estava interessado nos cantos, nos vão da escada, nos subterrâneos e também na vida coletiva. Participou de muitos trabalhos em parceria com outros artistas. Fundou, em 1971, um restaurante chamado Food, onde artistas se revezavam na cozinha, no serviço afim de juntar recursos para financiar seus projetos artísticos. Local que imediatamente se integrou a paisagem do SoHo, tornando-se ponto de referência entre os frequentadores da região.
Termino com dois trechos da entrevista feita com Matta-Clark e publicada na Arts Magazine, em maio de 1976 que foi traduzida para português no Guia da 27a. Bienal de São Paulo: "O mais importante é que escolhi não me isolar das condições sociais, mas lidar com elas, por uma implicação física, como ocorre com a maioria dos meus trabalhos com edifícios, ou por um envolvimento comunitário direto (...) O ato de cortar através de um espaço produz certa complexidade que envolve uma percepção em profundidade. Aspectos da estratificação provavelmente me interessam mais do que as inesperadas visões geradas pelas modificações - não a superfície, a camada fina, a superfície rompida que revela processo autobiográfico da sua feitura".