|
novembro 11, 2009
7ª Bienal do Mercosul: a minha escuta por Cecília Bedê
7ª Bienal do Mercosul: a minha escuta
Biografias Coletivas / Texto Público / Radiovisual
Especial para o Canal Contemporâneo
Continuo meu relato de visita à 7ª Bienal do Mercosul – Grito e Escuta pelo armazém A5 do Cais do Porto. Nele estão apresentadas as exposições Biografias Coletivas, Texto Público e a sala de transmissão da Radiovisual. A grandiosidade do armazém impossibilita a separação dessas três “exposições” e após longas horas caminhando lá dentro, percebo que essa dissolução está implícita já nos nomes dados a elas.
As propostas dessa Bienal e principalmente dessas duas exposições e da Radiovisual, me fazem lembrar de outras duas propostas: “Como Viver Junto” e “Em Vivo Contato”, temas da 27ª e 28ª Bienal de São Paulo, respectivamente. Falar sobre os problemas vividos na contemporaneidade diante de todos os aspectos, políticos, artísticos e cotidianos da “convivência com o outro” e refletir sobre o sistema da arte como um todo, estando dentro dele, parece ser a grande motivação, e a palavra de lei é: relação.
Biografias Coletivas
A exposição Biografias Coletivas foi organizada por um dos curadores gerais da Bienal, o artista chileno Camilo Yánez. Desta exposição fazem parte os artistas que defrontaram sua própria biografia, através de conceitos e produção com a biografia de outros. A idéia é transformar, através de formas poéticas, contextos pré-estabelecidos, sendo eles políticos, históricos, sociais, culturais ou cotidianos.
Cada armazém da Bienal oferece duas portas de entrada. A porta pela qual entrei no A5 me proporcionou o embate com o trabalho do francês Nicolas Floc’h, artista que participa dessa Bienal como residente. O projeto desenvolvido por Floc’h chama-se A grande troca – um projeto para desejos coletivos e foi realizado juntamente com três comunidades de Porto Alegre, a Comunidade Autônoma Utopia e Luta, Morro da Cruz e Lami.
O desejo se configura no momento em que algo está ausente, você deseja coisas que ainda não tem, seja a curto ou longo prazo. Ao entrar nessas comunidades, o artista buscou descobrir esses desejos e a partir daí teve seu ponto de partida. Um time de futebol, uma banda, a pintura nova de um prédio antigo, o transporte. Para tornar esses desejos reais, foram necessários processos de construção: do imaginário para a representação; da representação para o real.
O artista e a comunidade trabalharam primeiramente na construção desses objetos de desejo, como formas de representação, com materiais reciclados e reaproveitados e sob o viés de obra de arte, estão expostos na Bienal. No próximo momento de transformação, da representação para o real, é necessário a participação e o interesse do espectador. Os objetos produzidos podem ser adquiridos, porém, não existe pagamento em moeda, mas sim uma troca da peça pelo objeto real. Uma bola de madeira por uma bola de couro, por exemplo.
A grande troca – um projeto para desejos coletivos, ocupa um grande espaço do armazém e confunde. Não existe uma delimitação de espaço visível, os objetos se espalham e podem parecer sem conexão alguma. É esse desconectar e essa indefinição, que possibilita o contato e a convivência entre artistas, público, comunidades, obras e quando pensamos estar olhando para um simples objeto, estamos antes disso envolvidos em realidades outras.
Texto Público
A exposição Texto Público tem a curadoria do artista brasileiro Artur Lescher e ocupa, além do espaço do cais, a cidade. Dessa proposta fazem parte, artistas que trabalham o espaço urbano, re-significando e intervindo, transformando-o assim, em um texto público.
A curadoria traçou três propostas de investigação: Iluminação, onde os trabalhos devem dar visibilidade a pontos estratégicos da cidade; Transitório Ambulante, trabalhos que investiguem as dinâmicas do espaço urbano; Pontos no Mapa, trabalhos que articulam o espaço da Bienal em relação ao espaço da cidade e Irradiação, que reúne os trabalhos sonoros que serão transmitidos para toda a cidade através da Radiovisual.
No espaço do armazém é difícil descobrir o ponto de interseção entre as exposições, penso que na verdade não existe interseção, mas sim passagens. Durante todo meu percurso, percebi que um som era constante, alto e em alguns momentos incômodo e foi esse barulho que me trouxe a idéia da passagem ao me deparar com o seu ponto de partida. O som vinha de Microfônico I e II, do grupo Chelpa Ferro, instalação que indica a forte presença das intervenções sonoras na Bienal e na cidade.
Performances, intervenções e instalações públicas marcam a presença da Bienal em Porto Alegre. Um prédio antigo do centro transborda de formas orgânicas produzidas pelos tapumes do brasileiro Henrique Oliveira. A artista mexicana Marcela Armas, literalmente se transformou em um carro e transitou pelas ruas buzinando e seguindo as sinalizações e regras de trânsito. Através da Radiovisual, artistas transmitem idéias, provocam a imaginação e levam a Bienal aos ouvidos de todos que se encontram na cidade. Recomendo que escutem vocês mesmos.
Os espaços transbordam para além de suas convenções e se aqui existe um grito, ele é percebido não pelo estranhamento ou incômodo, mas sim pela relação. O grito da Bienal não chama para o novo ou para o espetacular, mas sim para a presença, do outro.
7ª Bienal do Mercosul: a minha escuta - Uma introdução / “A Árvore Magnética”, por Cecília Bedê