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outubro 29, 2009
O que esperar de um educador, por Leandro Ferre Caetano
O que esperar de um educador
Recentemente acompanhei a visita de um grupo de crianças a uma exposição de arte, conduzida por um educador. Observei que o esforço deste último por fazer daquele encontro um momento não só informativo, mas principalmente reflexivo, foi grande, embora o comportamento do grupo tenha frustrado suas expectativas. E esta é uma situação comum a muitos de nós geralmente denominados educadores, monitores, mediadores, ou também comunicadores, orientadores, guias...
Ocupamos a cena onde, a determinados objetos ou ações, são atribuídos valores estéticos e artísticos, como figuras detentoras de um saber a estes relacionado, quando há necessidade de esclarecimento ou (in)formação por parte de um público. Em parte, isto explicaria a confiança no que se espera de um educador, por exemplo, quando a este é requisitado "explicar'' o que significa uma obra. No entanto, tal lógica não dá conta de revelar todos os matizes dos processos de mediação educativa.
Penso que este sujeito que atua em exposições está, em sua rotina, demasiadamente instaurado no campo simbólico da fala, entre tensões geradas por várias instâncias de ordem político-institucional, sócio-cultural, artística ou afetiva. Mas o que mais me interessa, neste momento, é analisar de que modo o educador ocupa o espaço entre as tensões nascidas na relação entre público e objeto de arte.
Situado no campo da fala, é exatamente através deste elaborado mecanismo da comunicação humana - cuja eficácia deve sempre ser questionada, que o educador estabelece o diálogo entre o espectador e a obra a partir dos indícios apontados por ambas estas partes, sugerindo caminhos possíveis de interconexão.
Podemos, então, problematizar esta relação sob diferentes pontos de vista, se pensarmos nas sobredeterminações culturais que perpassam este espectador, o contexto em que a obra se apresenta e também o educador, que está inteiramente implicado neste processo comunicativo. Cada visitante, em sua singularidade, oferece condições delimitadoras para estar no jogo, assim como cada obra opera por forças afetivas distintas.
O educador, então, de dentro de sua raiz desejante, pode atuar, por um lado, através da fala vazia, ausente de sentido ou por outro, através da fala plena, consequente. Pois que o educador que está comprometido unicamente com o discurso institucional, tende simplesmente a reproduzir a perspectiva crítica ou curatorial e a conduzir seu público para o reconhecimento desta sobreposição de interpretações, correndo o risco de se distanciar da experiência do conhecimento, que nada tem haver com o acúmulo de informações.
O conhecimento é um movimento de aprender, ou seja, ele é alcançado quando este acúmulo de informações que constitui os paradigmas são questionados, problematizados, postos em xeque. Fala vazia, portanto, já que, alienado em seu discurso, este educador não pode perceber que está aprisionado na estrutura fechada de sua mediação, impossibilitado de lançar seus diálogos em direção às fissuras de seu discurso, onde as palavras não podem revelar a natureza íntima de uma obra de arte. Natureza esta capaz de reavivar realidades desconhecidas ao espectador, que ele não imaginava existir, mas que de alguma maneira ele percebe que jaziam latentes em seu íntimo. É o caso de uma visita na qual o educador lança perguntas aos visitantes, mas cujo percurso dialético é recortado e resignificado a sua maneira, de modo que ele detenha o controle sobre as direções que a conversa possa tomar.
Já o educador cuja fala está inscrita numa ética educativa, portanto consequente, estabelece seus vínculos não só com o discurso institucional, mas também com os desdobramentos que podem ser agenciados a partir das noções da entropia e de que a diferença, assim como a arte, inclina-se para o novo, permitindo que as intervenções do discurso do outro integrem de fato o seu discurso, mantendo-o aberto. Contra a simples ação de transmitir de informações pasteurizadas, interpõe o embate intencional entre as certezas presentes a fim de articulá-las com os afetos emergentes, para daí extrair as verdades parciais relativas não somente ao objeto artístico, mas principalmente a estes afetos pulsionados por eles, sejam gloriosos ou terrificantes. Para Lacan, suportar a angústia é talvez a única forma de aprendizado.
Como um bom contador de histórias, este educador permite em suas aventuras narrativas que lacunas sejam completadas por seus ouvintes, já que se trata, ele mesmo, de um bom ouvinte, que se coloca numa condição de escuta flutuante, atenta aos detalhes reveladores da fala do outro. Um verdadeiro "atleta afetivo". Modela assim, uma estrutura estética para sua fala de modo que suas intervenções pesem mais do que a ausência delas.
Embora sejam mais raras, as experiências vividas com este tipo de educador tem um grau de reverberação na vida dos envolvidos mais amplo, além de contribuir para a formação de um público um pouco mais ativo e crítico, do espaço de exposição de arte para o espaço de suas relações cotidianas. Mas há uma série de impasses que dificultam a sustentabilidade deste último tipo de ação educativa frente às exposições de arte e suas variações, algo que não pretendi abordar aqui.
Dependendo da expectativa, pode não haver nada de mais a esperar de um educador de exposições. De qualquer maneira, acredito não serem pequenas as chances de surpreender-se com uma visita educativa, quando se vai disposto, antes de mais nada, para uma boa conversa.
Leandro Ferre Caetano é Educador, graduado em Artes e aluno do curso de especialização em Semiótica Psicanalítica / Clínica da Cultura na PUC-SP.
Exposições/Instituições em que já atuou: 26ª, 27ª e 28ª Bienal de São Paulo; Pinacoteca do Estado de São Paulo em 2008; Rumos 2009, Itau Cultural; "Cuide de Você" de Sophie Calle, Sesc Pompéia, 2009; e atualmente trabalha na exposição d'Osgemeos, no MAB FAAP.
Leia também o texto: A mediação como compartilhamento por Diogo de Moraes
Muito bom colocar esse assunto em debate!
Posted by: Camila at outubro 30, 2009 4:28 PMÓtima abordagem do tema. Congratulações ao Canal Contemporâneo pela abertura reflexiva e ao educador.
Posted by: Adriana Aguiar at novembro 3, 2009 9:06 PM