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agosto 5, 2009
Sobre um museu e uma exposição por Rafael Campos Rocha
O gabinete é uma exposição coletiva que se modifica de acordo com o lugar onde se apresenta, substituindo nomes de artistas que participaram de outras mostras por novos, dando ênfase a artistas locais que tenham travado contato com o núcleo de 4 artistas que organizam a mostra: Diogo de Moraes, Fábio Tremonte, Marcelo Comparini e esse pobre diabo. Recentemente, o nome de Roberto Freitas somou-se às nossas fileiras, mas falaremos disso mais adiante.
Os trabalhos que compõe a mostra costumam aparentar-se mais com processos de trabalho do que com a grande unidade estética que costumamos a chamar de Obra de Arte. São assim anotações, obras pouco representativas da produção de um artista (como o desenho de parede de Rubens Mano), mas que carregam em sua despretensão quase todas as ambições estéticas do autor, muitas vezes com mais clareza e complexidade do que as obras mais consideradas, pelo menos do ponto de vista institucional. O gabinete é, portanto, como um ambiente de trabalho. Um work in progress que procura ressaltar o próprio substrato institucional que sustêm o mundo da arte de forma crítica. Ou seja, pelo seu desvelamento e deslocamento contra sua naturalização.
Na primeira exposição, no museu Murilo la Greca em Recife, a idéia ainda maturava, mas mesmo assim - e graças a infinita boa-vontade e competência da instituição - além de nossos próprios nomes pudemos contar com a presença do próprio Murilo la Greca, com um belo desenho, exposto de forma anônima, como todo o resto da exposição, que nunca conta com legendas explicativas. Afinal, é um pouco contra o Nome que estamos lutando. Colocar um patriarca de museu, anônimo em meio a obras de artistas que ele provavelmente sequer se interessaria mostra a total compreensão por parte da instituição da proposta curatorial que abrigava. Mas o Paraíso tem vida breve e o inferno, como sabemos, é eterno.
A segunda exposição, na galeria Virgílio, foi ainda mais bem sucedida que a primeira, já que contávamos com muitos outros artistas, como Jac Lerner, Tatiana Ferraz e o já citado Rubens Mano, entre tantos mais, aos quais somos imensamente gratos. Como na primeira versão, todos os artistas colocaram suas obras anonimamente, criando um continuum, um devir de propostas estéticas que se transformam não em uma só, mas em um mosaico entrópico que acabou por gerar uma leveza à exposição que mais uma vez nos surpreendeu. Wagner Malta escreveu um artigo interessante sobre isso nesse mesmo Canal, ainda que não tenha apreciado a exposição como proposta, da mesma forma que a direção da galeria, que somente nos cedeu espaço ao saber do cancelamento de última hora de uma exposição anteriormente marcada. O resultado inverso entre má vontade institucional e nossa própria performance me fez pensar como esse atrito institucional é importante para a qualidade da exposição. Ela parece ter vindo para fazer coçar as costas da burocracia artística em lugares onde a mão firme de Lei da arte não alcança.
Isso se confirmou em nossa última mostra, no Museu Victor Meireles, em Florianópolis. Rapidamente, tivemos contato com a célebre aversão da diretoria do museu à arte contemporânea, que nos cerceou de tantas formas, com tantos impedimentos que acabamos por montar a exposição inteiramente no chão, o que foi, na verdade, ideal para o projeto, que se mostrou a melhor das três mostras do gabinete. Também nessa versão, a adesão entusiasmada de tantos artistas locais à proposta, ainda que nessas condições estapafúrdias, e que poderiam soar humilhantes para ânimos mais sensíveis, confirmou-nos serem os artistas a parte mais razoável, interessada e esclarecida no metier artístico.
Nessas condições, o que ficou quase provado é que, nas desvairadas linhas da má vontade burocrática, a prepotência da Lei acaba por criar brechas para proposição mais radicais do que a boa-vontade institucional, ainda que essa seja realmente bem-intencionada.
A vingança e o Real vêm a galope, entretanto. E como o real lacaniano pode ser caracterizado pelo silêncio lingüístico, a instituição achou por bem calar-se sobre a exposição que ela mesma abriga, e por dois meses, obrigando um dos participantes a escrever esse texto no tom desagradavelmente defensivo que todas as autopromoções adquirem. Mas não há de ser nada. Pela metade da exposição, os próprios artistas convidados, liderados por Roberto Freitas, agora parte integrante do gabinete, estão autorizados a reformular toda a mostra em nossa ausência e reabri-la como bem entenderem. O coquetel de abertura, é claro, foi alegremente negado pela direção do museu.