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março 25, 2009
Arte nova, recente, jovem, contemporânea, por Ana Maria Maia
Sobre a exposição Nova arte Nova, com curadoria de Paulo Venancio Filho
ANA MARIA MAIA
especial para o Canal Contemporâneo
Qual a medida de juventude para a criação? O que a faria inédita no mundo, seu criador, suas próprias feições ou o uso que se fez dela até então? A exposição Nova Arte Nova, montada entre outubro de 2008 e janeiro de 2009 no CCBB do Rio de Janeiro e agora itinerante no mesmo Centro, só que de São Paulo, até o fim de abril, lança bases para estas procuras. Sob livre metodologia e referencial de nomes e percepções de seu curador, o carioca Paulo Venancio Filho, professor da UFRJ, a coletiva preenche os três andares do edifício de arquitetura nouveau e neoclássica da montagem paulistana com “heterogenia, instabilidade, fluidez”; atributos cabíveis a uma exposição de arte contemporânea em “tempo real”, segundo a versão de parede do texto curatorial de Venancio Filho.
O “tempo real” é posto como medida de localização, ponto de onde se pode fixar o olhar sobre obra/artista/arte em relação ao presente, aderindo, respondendo, sintomatizando. Seria este ponto, de um lado, a virtude do exercício continuado de encontrar, mapear, documentar, pautar arte, mesmo que se arriscando em adiantar-se a desdobramentos e entendimentos paulatinos. Seria também o privilégio da fruição de algo em aberto, processual e, portanto, aparentemente simultâneo à criação.
O efeito expositivo deste mapa in progress, no entanto, se antepõe a sua cautela em concluir-se textualmente. Submetida às camadas de fetichização e temporalidade contidas no ambiente museológico, a coletiva não poderia deixar de escrever, por si só, uma versão narrativa para aquilo que, desde já, se pode entender como documento para a história. Suas proporções, amplitude de técnicas, temáticas e origens reunidas exclusivamente em torno da busca pela sensação do novo a aproximam, inclusive, do clássico modelo de Salão, até hoje reproduzido, revisitado e reformulado, seguramente uma dos principais observatórios de “tempo real” que a historiografia oficial da arte nos legou.
Recheada de heranças, posturas e tramas espaciais -ora não ditas, ora não assumidas, mas sempre presentes-, Nova Arte Nova se põe a apresentar, portanto, o repertório de 63 nomes –seis a mais que na montagem do Rio- que julga merecerem atenção e atualizarem a produção artística, por qualquer dos motivos listados nas indagações do início deste texto.
Da faixa dos 30 anos, participam de estreantes como os pintores de camadas e sobras Bruno Dunley e Bruno Miguel, o desenhista e grafiteiro Carlos Contente e Maria Lynch, com suas esculturas cenográficas em tecido e espuma, a inseridos como Sara Ramo e Henrique Oliveira; ela representante do Brasil na próxima Bienal de Veneza, ele recentemente premiado no Marcantônio Vilaça, uma das maiores bolsas de pesquisa do país.
Sara Ramo e Henrique Oliveira, aliás, parecem adequar-se também a um outro critério para estarem ali; o de, mesmo ambientados no circuito profissional de arte, apresentarem, naquela ocasião, parciais de pesquisas novas, ou, ao menos, recentes, ou, no mínimo, intencionalmente, pouco vistas. Como eles, também Alexandre da Cunha (RJ-Inglaterra), Carlos Mélo (PE), Cinthia Marcelle (MG), Fabiano Gonper (PB), Felipe Barbosa (RJ), Marcelo Silveira (PE), Marcelo Solá (GO), Rosana Ricalde (RJ), Tatiana Ferraz (SP) e Lia Chaia (SP), uma das que entraram no casting apenas em São Paulo, com o site-specific Pelos Tubos, exposto anteriormente, embora não o mesmo, na Galeria Vermelho que a representa.
A reunião de 80 obras de artistas de 14 estados brasileiros também indica o caráter recenseatório e territorial da exposição. Um terceiro parâmetro para inclusão de nomes em seu escopo seria, portanto, o intuito de criar centros de convívio para trajetórias em vias de consolidação, mas até então regionalizadas, seja no ambiente institucional ou no de mercado. Sujeito a arbitrariedades e a um discurso unificado e não mais aplicável do que seria o lugar de criação, este critério revela uma ansiedade comum a tantas outras iniciativas contemporâneas –vide programas como o Rumos, do Itaú Cultural; a Temporada de Projetos, do Paço das Artes; o Projéteis, da Funarte-, a de responsabilizar-se pelo mapeamento e pelo lançamento de arte. Anseios por contenções geográficas que atendam às especificidades de uma sociologia e de economia constituídas para o setor.
Elevadas a um estatuto temático, as implicações contextuais da montagem de Nova Arte Nova somam-se a um feixe de traços que, mesmo não ditos, por recorrência, podem ser facilmente assumidos. O próprio nomadismo que justifica a atuação de uma figura como o curador em programas de mapeamento também aparece na conduta de artistas como Gaio, nas justaposições fotográficas Duplos (2008); Paulo Meira, na série de envelopes Querido amigo (2008) e Marilá Dardot, em Glossário para viver nas cidades (2008), painel de 72 subtrações de palavras de paisagens por onde foi viajante. Os remetimentos e o elogio à alteridade unem os três num nicho expográfico demarcado.
Outras conclusões a que se pode chegar têm a ver com meios de expressão adotados. Entre abundantes desenhos, pinturas, fotografias e esculturas, encontram-se o compartilhamento do projeto e da voz interior do autor (em Carlos Contente e Paulo Vivacqua), a tomada da escrita visual como esfera de atuação micro-política (em Cinthia Marcelle, principalmente), a contemplação do luxo como resposta a qualquer redução formalista (em Tatiana Blass, Henrique Oliveira e Maria Lynch).
Compondo a lista de tendências conceituais aqui elencadas, aparece a citação ao lugar, não mais como coordenada, mas como arquitetura, mobiliário doméstico, paisagem edificada. O tema toma maiores proporções na delicadamente hipnótica Seção Diagonal, de Marcius Galan, também já exposta em galeria, na Box 4, no Rio, em 2008 . Feita em cera, tinta, esquadrias e filtro de luz, a instalação forja a intransponibilidade de uma vitrine quando o que há, na verdade, é apenas o efeito de uma cena calculada. O vão aberto confunde não só o golpe de vista, mas também, simbolicamente, os limites entre privado e público, espetacular e real.
Galan acaba por nos oferecer uma alegoria cabível para uma exposição das proporções da Nova Arte Nova; para o modelo de difusão que representa, sempre entre a experiência e a mediação; para as ocupações e sensações de arte brasileira que promove nesta ressaca pós uma incômoda 28a Bienal, em que, para cada negativa institucional gradualmente acumulada, amarguramos apenas promessas de reproposições éticas e estéticas; para a continuidade de uma narrativa da criação do/no/sobre o tempo –e, porque não, geracional-, livre, nova, não-histórica, só até chegar ao mundo, às regras e reações dos comuns. Chegando, recomeça sua vida, continua, daí, sua memória.
Puxa, gostei do texto. Quem é Ana Maria Maia? (desculpem a ignorância)
Posted by: daniela labra at março 30, 2009 4:58 PMConcordo com a Daniela Labra. Parabéns, Ana Maria Maia pelo belo texto! (Mas, seria bom se logo abaixo do nome tivesse vindo alguma informação sobre a autora).
Posted by: Luiz Flávio at março 30, 2009 7:02 PMFaltou citar a ilustre participação de Ana Holck.
Esposa do curador.
Oi Dani Labra, linquei o nome da Ana Maria para o perfil dela e agora já dá para saber quem ela é...
Posted by: Patricia Canetti at março 31, 2009 1:47 PMBem, elogiei o texto da Maria e agora vou elogiar o trabalho da Ana, com quem trabalhei no ano passado numa curadoria em Florianópolis. É uma artista séria, com uma obra bem estruturada, pensada... Gosto muito e olha que nem somos casadas! rs
Obrigada pelo link, Patricia.
Posted by: dani labra at abril 1, 2009 6:52 PMEsta exposição está realmente fantástica. É uma pena que ela irá terminar, seria muito bom se a prorrogassem ou se el continuasse a itinerar pelo país.
BB - faça esta exposição itinerar por outras capitais, será um presente ao público Brasileiro.
Posted by: Carl at abril 3, 2009 1:50 PM