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novembro 19, 2008
O espaço dentro da cabeça por Wagner Malta Tavares
O espaço dentro da cabeça
Sobre Projeto Gabinete em exposição na Galeria Virgilio até 4 de dezembro de 2008.
WAGNER MALTA TAVARES
É como entrar na cabeça de alguém, as coisas são arranjadas obedecendo uma lógica outra que não detemos; trabalhos de diferentes artistas estão juntos no que poderíamos chamar de uma coletiva de autor, de autores melhor dizendo: Daniel Steegmann, Diogo Moraes Fabio Tremonte, Marcelo Comparini e Rafael Campos Rocha, que expõem suas obras junto às obras de outros agregados, convidados ou não.
A impressão é verdadeiramente, como não poderia deixar de ser, de um arranjo fruto da vontade; na verdade como grande parte do que está em exposição; esculturas feitas em massa de modelar são apresentadas sobre prateleiras – aquelas de mão francesa – com desenhos delas mesmas e textos explicativos meio literários, crônicas, emoldurados e pendurados na parede, uma delas “macho alfa assassinado por seus filhos” tem uma pegada Medardo Rosso com Giacometti, muito boa por sinal; desenhos de observação em pequenos pedaços de papel feitos por alguém que, muito provavelmente, caminha bastante pela cidade, têm como suporte envelopes plásticos com pequenos bolsos; uma mesa que começa a saltar do meio do nada acionada por uma furadeira instalada em seus pés; uma prateleira cheia de pequenos objetos criados como um par de pés de espuma calçados em chinelos de dedo; rolos de durex desenrolados de forma artística; um computador antigo serve de DVD player para uma seqüência de vídeos, desenhos pornôs com mulheres sendo penetradas por pênis isolados do corpo masculino, tudo isso e muito mais.
Gabinete é a visita a uma idéia, uma idéia que tem frescor, embora não seja necessariamente original. O frescor vem pela sinceridade da exposição que em poucos momentos pode ser questionada, uma das vezes em que isso ocorre é na falta de título e autoria de todas as obras, algo meio em voga e que, como todas as coisas em voga, são derrubadas no primeiro vento forte, mas que pode ser considerada se pensarmos que estamos realmente na cabeça de alguém – embora não acredite que dentro da cabeça de quem pensou nisso a imagem, o título e a autoria de cada trabalho estejam dissociadas.
Às obras em exposição se juntarão outras de outros artistas ou dos mesmos, a exposição é algo em movimento, tem memória, é como na mente de alguém vivo, coisas virão agregar-se e formarão inevitavelmente um conjunto coeso, já que o que os une é exclusivamente a vontade e nesse jogo a vontade pode tudo.
Essa mostra parece querer provar uma tese: o homem é o inventor dele mesmo, da sua cultura, do pensamento, do seu sexo, quem sabe até da sua condição sobre o planeta ou dos seus impulsos: não há atavismo que resista à luta pela igualdade. Enquanto há machesa, há viadice, há diferenças, há talento e há mediocridade há também o domínio da idéia sobre o mundo, que se dará inexoravelmente, já que esse último também é inventado e, como uma argila obediente e sem vontade, cederá e se deixará reinventar; mas enquanto isso não acontece quantos machos alfa terão que ser mortos?
Nossos curadores voluntários apresentam, talvez involuntariamente, uma exposição com a cara do nosso tempo, é uma exposição viva, é a institucionalização com organicidade; esse novo organismo crescerá e se desenvolverá se escapar do controle de seus idealizadores. Estarão eles dispostos a chegar no ponto do aperfeiçoamento total? A instituição viva que se alimenta de artistas? É para lá que caminhamos, afinal vivemos já há algum tempo a era da criação e da destruição do criado, e se isso for assim mesmo haverá uma escultura “artistas matam instituição alfa” e tudo estará resolvido. Conhecem um pequeno rato que vive no deserto que quando vence uma luta com um inimigo de seu porte, sobe no primeiro montículo de terra, bate no peito e ruge como um leão? Somos assim, lutamos nossa batalha cotidiana e depois a glorificamos em rituais como exposições, por exemplo.
Gabinete audaciosamente inverteu o jogo curatorial em seu favor, todo o poder de supressão e limitação dos quais as curadorias temáticas são acusadas, foram usados pelos autores para proteger seus trabalhos do embate direto com o público, põe-se tudo no mesmo caldo de radicalidade, novidade e liberdade: o que é uma pena para as boas obras apresentadas, e no fim sobram as obras, livres de qualquer argumento usado para justificar sua existência que precise ser lido mas não possa ser visto.
WMT - 15-11-2008
Projeto Gabinete na Galeria Virgilio até 4 de dezembro de 2008.
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