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novembro 14, 2007

Carta Chilena: Um Relato sobre o Festival Internacional de Performance “Ensemble of Women, por Hugo Fortes

Carta Chilena: Um Relato sobre o Festival Internacional de Performance "Ensemble of Women"

Texto e fotos por Hugo Fortes

A performance ocupa um papel de destaque na cena artística contemporânea chilena. Uma prova é o Festival Internacional de Performance "Ensemble of Women", organizado por PerfoPuerto e apresentado no Centro Cultural Matucana 100, em Santiago, de 30 de outubro a 3 de novembro deste ano. O festival apresentou performances de oito artistas mulheres de países da América Latina, Europa, Estados Unidos e Oriente Médio, além de promover mesas-redondas, palestras, workshops e lançamento de livro. A iniciativa partiu do performer e organizador Alexander del Re, que coordena a PerfoPuerto desde 2002. PerfoPuerto funciona como organização independente de arte de performance no Chile, e lançou durante o evento um livro que documenta suas atividades na promoção de eventos e atividades de ensino no campo da performance.

Um dos destaques do evento foi a presença da artista norte-americana Marilyn Arsem, que atua como performer desde 1975. Sua poética performance consistiu no ato da artista soprar pouco a pouco um grande monte de farinha, até que ele estivesse quase totalmente disperso. Trajando uma roupa toda branca e uma venda nos olhos, Marilyn Arsem permaneceu cerca de 3 horas no local, terminando por estar praticamente fundida ao monte. Uma sensação mágica de celebração da leveza efêmera se espalhou pelo ar.

marilynarsem.jpg
Marilyn Arsem

Ao contrário da leveza quase imóvel da performance de Arsem,
a performance da brasileira Síssi Fonseca impôs-se pela atuação enérgica e expressiva na manipulação de pedras e outros objetos. Ao entrar no espaço, o público encontrava uma mesa de seis metros de comprimento coberta com uma toalha branca e pedras de vários tamanhos e ladeada por baldes com água. Pouco a pouco podia-se ouvir o barulho estridente de talheres sendo derrubados, vindo de baixo da mesa, onde artista se encontrava. De repente, a artista surgiu em uma das pontas da longa mesa, onde se sentou solitária. Após movimentar delicadamente algumas destas pedras, a artista subiu sobre a mesa derrubando cada vez com maior violência quase todas as pedras no chão e dentro dos baldes com água, transformando completamente a situação inicial. Ao final, Síssi Fonseca desceu pelo outro lado da mesa, puxou a longa toalha que a cobria, derrubando todas as pedras restantes, caiu com a toalha sobre uma bacia com água e saiu arrastando-se pelo chão.

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Síssi Fonseca

O forte barulho produzido pelas pedras ao caírem no chão conferiu à cena grande intensidade e tensão emocional. Ao desafiar a formalidade imposta pela mesa de banquete, retirando com obstinação todas as pedras do caminho, Síssi Fonseca estabeleceu uma metáfora para a libertação das amarras sociais, quer sejam elas no campo individual, político ou das instituições artísticas.

Uma atitude provocadora pôde ser vista também no trabalho da inglesa Sarah-Jane Grimshaw, porém de forma mais escrachada. Vestindo branco, a artista comia languidamente beterrabas cozidas mergulhadas em vinagre, manchando-se de vermelho e encarando o público. Após mastigar um pouco as beterrabas, a artista dirigia-se para uma parede branca, escrevendo com a boca e os restos da beterraba as palavras "Come on". Posteriormente a artista prendia algumas beterrabas com ataduras em seu corpo, que escorriam enquanto ela se movimentava.
Ao final, Sarah-Jane despiu-se e pediu que uma pessoa do público jogasse todo o conteúdo do vidro com beterraba e vinagre sobre seu corpo. Sua performance lidava com os elementos do erotismo e da repulsão, ligados aos estereótipos do corpo feminino.

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Sarah-Jane Grimshaw

Feminilidade e erotismo também marcaram o trabalho da performer chilena Marla Freire. Marla iniciou sua performance colocando um longo aplique em seus cabelos, nas pontas do qual havia dúzias de pés de galinha amarrados. Nua e envolvida com uma fita adesiva que deformava seu corpo, a artista sentou-se na sala de exposições e começou a pintar com esmalte vermelho as unhas dos pés de galinha amarrados nas pontas de seu longo cabelo postiço, pedindo que o público a ajudasse. Posteriormente pendurou estes pés de galinha em um varal e besuntou-se com um líquido vermelho, com o qual deixou marcas de seu corpo em um tecido branco. Ao final a artista pediu que dois indivíduos do público a limpassem, retirando-se com eles do recinto. Sua performance apresentava um caráter quase ritualístico, embora em alguns momentos se aproximasse de imagens já conhecidas na história da performance.

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Marla Freire

Mais contido, intimista e hermético foi o trabalho da artista Adina Bar-on. A veterana artista de Israel demonstrou bastante expressividade corporal e tensão interpretativa. Sua movimentação no chão, interagindo com legumes, tinta e outros materiais criou momentos delicados e ao mesmo tempo intensos. Embora sem uma narrativa clara, seu trabalho transmitiu sensações de perdas e dificuldades, podendo ser associado à problemática das guerras e dos conflitos políticos da atualidade, porém destacando o sentimento individual presente nestas situações, sem se ater a conteúdos específicos.

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Adina Bar-on

O trabalho da finlandesa Essi Kausalainen destacou-se dos demais por apresentar uma veia mais irônica. Vestindo roupas comuns e utilizando objetos bastante banais, como uma xícara com café, cubos de açúcar, tablete de chocolate, sacolinha plástica, uma barba postiça, uma mesa e duas cadeiras, a artista engendrou uma série de ações absurdas, que apresentavam uma busca singela de soluções plásticas para situações extraídas do cotidiano. No início da performance, Kausalainen sentava por longos períodos alternando-se em duas cadeiras colocadas em lados opostos de uma mesa. Aos poucos, ela acelerava seus movimentos e então se deixava escorrer pelas bordas da cadeira, como se seu corpo não se sustentasse nesta posição. Um dos pontos altos de sua performance foi quando a artista deu um grito muito alto no interior de um saquinho de supermercado, enchendo-o de ar e depois amarrando-o e brincando com ele. Seus procedimentos meio "amalucados" pareciam enfatizar a solidão e as dificuldades de comunicação através de uma ironia fria de forte teor poético.

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Essi Kausalainen

A performance da peruana Pilar Talavera também apresentava ironia, porém seu trabalho estava mais ligado aos estereótipos da mulher contemporânea. Durante três horas, a artista ficou resolvendo testes psicológicos, destes presentes em revistas femininas, enquanto ao seu lado um vídeo mostrava mãos colocando adoçante em xícaras de café, com uma trilha sonora que parecia oriunda de programas de aconselhamento sentimental. Uma câmera de vídeo captava em close os testes psicológicos, revelando ao público seu conteúdo através de um monitor de computador. De vez em quando, a artista se pesava em uma balança e comia maçãs e barrinhas de cereal, anotando em uma lousa seu peso e as calorias ingeridas. Pilar Talavera trajava também um interessante vestido feito com saquinhos de adoçante.

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Pilar Talavera

Já a performance da artista venezuelana Ana Alenso voltou-se mais para a exploração de elementos sonoros, produzidos por sua forte emissão vocal e por uma trilha sonora eletrônica. Após caminhar pelo espaço iluminado apenas por pequenas lâmpadas e lanternas, Ana extraía sons batendo em seu corpo ou gritando dentro de um vidro.

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Ana Alenso

Além das performances, o evento contou com uma palestra da curadora escocesa Nikki Millican, uma apresentação em vídeo sobre a história da performance enviada pela diretora da fundação Franklin Furnace, Martha Wilson, e mesas redondas e workshops com as artistas.

Paralelamente ao Festival Ensemble of Women, o Centro de Documentación de las Artes do Centro Cultural La Moneda apresentava uma interessante exposição de vídeos e documentos sobre a história da performance nos Estados Unidos. Eventos como estes dão vontade de assistir mais performances de qualidade também aqui no Brasil, onde estas iniciativas ainda estão apenas começando.

Posted by João Domingues at 12:27 PM | Comentários(2)
Comments

melhor que fossem levar esses alimentos aos famintos, roupas aos desnudos, energia aos desvalidos, isto sim seria mais ainda que uma performance estéril.

Posted by: partimer at novembro 30, 2007 3:58 PM

comentário bem infeliz e comum esse ai.

Biagio - PE

Posted by: biagio at fevereiro 20, 2010 11:57 PM
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