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março 12, 2007
Razão e emoção para criar e inventar, por Rubens Pileggi Sá
Reprodução do trabalho, em folhas de jornal, da artista Leila Danziger: considerações éticas no fazer estético
Razão e emoção para criar e inventar
RUBENS PILEGGI SÁ
O xamã e a transcendência
O artista alemão (1921-1986) Joseph Beuys era considerado uma espécie de xamã por causa de suas atitudes. É dele o Conceito Ampliado de Arte, que via a sociedade como que sofrendo um trauma psíquico, social, político e ecológico, e que a arte poderia oferecer a cura plena e a redenção destes traumas.
O xamã é uma figura tribal capaz de entrar em contato com a transcendência. De criar uma ponte entre dois mundos distintos. Talvez seja impróprio pensar um outro mundo além do qual estamos. Mas é possível unir a esse mundo valores de permanência e não só de efemeridade e consumo de mercadorias. E transcender sem querer fugir de onde estamos, simplesmente alterando nossos estados mentais com o uso da consciência. Ou seja, ao mudar nossa visão de mundo, nossa percepção e sentimentos também se transformam, se ampliam.
Se, no entanto, para Beuys, o uso da criatividade e da imaginação era a chave para essa transcendência, por outro lado, o mau uso dessas capacidades piora ainda mais o estado das coisas.
Criando e inventando mais problemas
O sociólogo e diretor de cinema francês Guy Debord, autor do livro "A sociedade de Espetáculo", previu que os próprios criadores de problemas ambientais iriam vender, como solução, mega-projetos de combate à poluição. Nesse momento em que o caos ambiental parece irreversível diante das catástrofes que o planeta Terra está passando - resultante do aquecimento global - empresas e empresários que faturavam com o desperdício industrial e o desmatamento desenfreado, agora inventam projetos mirabolantes como esconder o CO2 debaixo da Terra, bombardear nuvens com substâncias químicas, ou tapar parte do sol com guarda-chuvas gigantescos, construídos no espaço. Ou seja, ao invés de apostarem em soluções simples como frear o consumo, preferem "criar e inventar" paliativos de redução de danos, que só aumentarão, em verdade, os problemas globais.
Uso das palavras
Palavras a que acostumamos valorizar positivamente nem sempre devem ser interpretadas com o mesmo sentido. Democracia e Progresso, por exemplo, podem esconder a defesa do abismo entre ricos e pobres em uma sociedade onde as oportunidades pertencem àqueles que possuem acesso aos bens de consumo. A professora e pesquisadora Vera Lins, em um ensaio publicado neste Canal, sobre o trabalho da artista Leila Danziger - feitos com folhas de jornal - coloca que "progresso e destruição caminham juntos. O estado de exceção, que 'atingiu hoje seu máximo desdobramento planetário' é o resultado de um crescimento ilimitado da atividade industrial".
União da emoção e da razão
Já no romantismo alemão os filósofos e poetas pregavam que as decisões da vida não poderiam ficar à mercê do racionalismo econômico. Que o caminho estético seria a solução em que pensamento e sensibilidade, emoção e razão deveriam andar juntos para a constituição de uma perfeita liberdade política. Onde a criatividade e inventividade estariam comprometidas com a manutenção da vida. Caminho esse trilhado por Beuys, o artista Xamã, que entendia a natureza como parte do humano e não a ser domesticada e transformada em mercadoria, depois descartada e jogada no lixo.