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fevereiro 8, 2007
A vida não é chata, por Rubens Pileggi Sá
Jackson Pollock em ação, fotografado por Hans Namuth, em 1950
A vida não é chata
RUBENS PILEGGI SÁ
Um dos debates mais relevantes da arte moderna deu-se no período em que o crítico de arte Clement Greenberg atuou, por volta dos anos de 1940 e 1950. Sua visão era de que a arte chegara finalmente em seu apogeu histórico, atingindo uma autonomia capaz de se separar do mundo à sua volta e apenas falar de suas próprias relações internas. Isto é, que a arte, particularmente a pintura, já não representava mais as coisas do mundo, mas era, ela própria, algo no mundo. Uma cor, na tela, não precisava ser explicada, em termos de semelhança, com absolutamente nada. Seu conceito de "expressionismo abstrato" para a pintura que se fazia nos EUA, levava a crer que a pintura era diferente do desenho e da escultura, porque a massa de cor não forma volumes e nem necessita de linhas para ser colocada na tela. Enfim, que sua relação com o espaço é a de se desenvolver lateralmente, já que suas relações são planares, portanto, bidimensionais.
Passado o poder de impacto que as palavras de Greenberg tiveram sobre a arte, logo começaram as revisões críticas de suas teses. A primeira era de que nem toda a arte do período era abstrata ou expressionista. A segunda, de que a arte possuía volume, sim. E ilusão de volume, também. Por mais rarefeita que seja a aplicação de uma camada de tinta sobre uma superfície, isso cria uma espessura.
A própria obra do artista Jackson Pollock - que foi sua grande referência - destruía a premissa do crítico. Além das grossas camadas de tinta, o artista deixava cair pontas de cigarros e outras coisas, que eram incorporadas à sua pintura, uma vez que as telas eram estendidas ao chão, dispensando o clássico cavalete.
Em todo caso, o que deve ser levado em consideração é a adição e a transformação da matéria sobre uma superfície e dentro de um espaço. Uma vez que o espaço é tridimensional e, mesmo uma pintura sobre vidro ou uma tela trançada ocupa um lugar dentro dele. No caso da arte, é responsabilidade do artista saber o que fazer com essas premissas, que não são apenas técnicas, mas, também, de conteúdo. Não apenas cobrir uma superfície, mas como e porque fazê-lo. Ou seja, a questão da arte também passa pela reflexão sobre o que ela está disposta a comunicar.
Pensando a vida como uma tela branca, ou uma página vazia, nossa trajetória é o que vai determinar se aquilo que fazemos tem algum valor para nós mesmos e para os outros. Um pintor pode dizer que pinta o que pinta porque gosta ou quer e não para comunicar o que sente e pensa. Pode. Mas um sistema que não comunica certamente não irá tocar as outras pessoas como cúmplices de um ato. É certo, também, que assim como a vida, a arte não é objetiva. Uma arte ensimesmada é o contrário do compartilhamento do que ela tem a oferecer. Daquilo que a torna mais rica e espiritual.
O crítico Greenberg acreditava em um mundo ideal onde a superfície fosse visível sem um suporte que a sustentasse. Onde a relação de figura e fundo fosse simplesmente abolida. Mas isso só pode existir mentalmente, em um espaço sem lugar.
Cabe-nos a responsabilidade sobre aquilo que adicionamos ao mundo. A esse nosso mundinho já superlotado de objetos descartáveis e inúteis. De poluição e destruição.
Somos livres para fazer o que quiser de nossas existências. Livres para pintar ou plantar. Mas devemos lembrar, sempre, que a liberdade exige responsabilidade para com os nossos atos e que a devemos usar para afirmar a vida e não para negá-la ou para impor aos outros o que achamos que a vida tem de ser.
Que bom Rubens, que voce pensa assim.
Liberdade exige responsabilidade mesmo,
e a pintura pode se transformar infinitamente
enquanto o artista quiser pintar.
Santana