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novembro 1, 2006
Festa, confetes e quarta-feira de cinzas, por Juliana Moreira
Festa, confetes e quarta-feira de cinzas
JULIANA MOREIRA
Other Stories and Stories of Others é o nome da primeira exposição individual da artista mineira Rivane Neuenschwander em Nova York. O uso de confete como material criativo, alusivo em si a histórias de alegria e passagem, integra os trabalhos inéditos expostos: uma série de 38 colagens, um vídeo de 6 minutos feito em parceria com Cao Guimarães e uma instalação. Também faz parte da exposição 148 desenhos feitos por visitantes da última Bienal de Veneza, projeto que Rivane desenvolveu oferecendo ao público máquinas de escrever onde letras foram substituídas por pontos coloridos. A narrativa inferida pelo nome da exposição ("Outras estórias e estórias de outros") se consolida nos trabalhos de forma sutil e livre, bastante dissonante do atual contexto da arte contemporânea em vigor na cidade, saturada de discursos estridentes e literais demais (hipérboles de Neo Rauch e Alex Katz).
Apresentada pela galeria Tanya Bonakdar, uma das primeiras a se estabelecer no distrito de galerias Chelsea e que representa também os artistas brasileiros Ernesto Neto e Sandra Cinto, a exposição de Rivane tem sido bem recebida pela imprensa especializada. Principal crítica de arte do jornal New York Times, Roberta Smith comenta: "a estréia em uma galeria de Nova York dessa internacionalmente admirada artista brasileira combina traços que são variantes minimalistas, da Arte Op e Cinética, ecológica e Situacionista, em trabalhos que conseguem ser hipnóticos em experiência e na memória ao serem efêmeros e movidos pelo acaso".
A série de 38 colagens, chamada One Thousand and One Possible Nights, deriva de confetes feitos com as páginas do livro As Mil e Uma Noites que, sobrepostos a um fundo preto, formam constelações. Apropriando-se da mitologia árabe em que a cada noite a jovem Scheherazade sobrevive à tirania do rei distraindo-o com histórias, a artista faz menção aos 38 dias que durará sua exposição. Uma constelação para cada dia. As constelações de Rivane são plasticamente simples (confetes picotados de um livro) e concedem forma à simplicidade lúdica que é, por exemplo, olhar para o céu à noite. Esteja ou não sugerido o cenário que enfrentava Scheherazade, a quase perder sua castidade e a vida então logo em seguida, em seu calendário de constelações, instalado na entrada da galeria, pulsa uma sabedoria apurada, pois adota o tempo como desarme e, certamente, tem distraído muitos tiranos; Mercado pode ser o nome de um deles.
Sendo recorrentes em sua obra questões que envolvem controle, acaso e colaboração, a artista mais uma vez apodera-se de um elemento ordinário, aqui o confete, e deixa-se levar pelas possibilidades que lhe são oferecidas. Junto com Cao Guimarães, Rivane produz o vídeo Quarta-Feira de Cinzas/Epílogo, sobre formigas e confetes coloridos de papel espelhado. O vídeo captura em close o ir e vir das formigas, seu carnaval às voltas com os confetes reluzentes, e destaca com especial cuidado a textura ocre do microcosmo de terra batida e pedras. A trilha amplifica nuanças de sons do serrado como o gotejar metálico de uma nascente, que é uma bossa que se descompassa e cessa, e o repentino grito de alarde do quero-quero. Os confetes, por sua cor viva e pelo movimento que lhe imprimem as formigas, são animados de certa existência pós-papel espelhado e, de fato, reproduzem a hipnose de uma festa sempre a se renovar, agora em outra escala.
Com a instalação Secondary Stories, Rivane recria dentro da sala branca da galeria o eixo vertical teto e chão. A instalação ocupa todo o teto da sala principal que, sem mais, permanece vazia. Confetes coloridos do tamanho de pires, como discos de papel, soprados por ventiladores, flutuam sobre uma prancha branca translúcida de plástico adjacente ao teto. Brechas na prancha de plástico permitem que os discos eventualmente escapem para o chão da galeria. Nesse horizonte infinito de paredes brancas, a artista produz um ambiente onde os olhos somente encontram referência e repouso acima ou abaixo, e não mais à frente. O olhar desvia e com ele certas noções sutis mudam, como a do espaço que o corpo ocupa. Other Stories and Stories of Others é uma exposição que em si engendra a noção de desvio. Desvio como um caminho adjacente, outro, uma outra história.