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DoisPontos



Registrado em: Segunda-Feira, 5 de Março de 2007
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MensagemEnviada: Ter Mar 06, 2007 3:27 pm    Assunto: Retomada deste fórum pelo Portal Dois Pontos Responder com Citação

Salão para quê? A discussão começa com Cristiana Tejo

Originalmente publicado no Portal Dois Pontos.

Finalizado o 46º Salão de Artes Plásticas de Pernambuco, o Portal Dois Pontos retoma a seção ”Para que servem os salões?” , do Canal Contemporâneo . Está lançado o convite para que seja discutida a função destes espaços, o que esperar deles, o que deve ser cobrado e, sobretudo, o que pode ser melhorado. Para abrir o debate, conversamos com a curadora desta última edição do Salão de Pernambuco, Cristiana Tejo, sobre a experiência.

[Esta série de textos inaugura uma política de compartilhamento de conteúdos entre Dois Pontos e Canal Contemporâneo. A partir de agora, você irá encontrar algumas publicações do Canal replicadas em nossa plataforma, bem como textos do Dois Pontos sendo acessados via Canal Contemporâneo.]

2Ptos- Primeiro, queríamos propor um balanço geral sobre o 46o Salão de Artes Plásticas de Pernambuco, uma longa edição que começou em 2004/2005 e que foi encerrada no final de 2006.

Cristiana Tejo - Eu acho que o balanço é positivo, é uma experiência muito inovadora. Foi uma grande ousadia de o Governo estadual modificar o formato do Salão. Esse desejo de modificação é compartilhado por todos os estados brasileiros, mas poucos têm realmente disposição para enfrentar o desafio de mexer numa instituição tradicional e antiga, como o Salão. É uma instituição centenária, reconhecida pela sociedade como um espaço de legitimação e excelência, ou de experimentação. Mas o entendimento principal da sociedade é de aquisição de obras, de formação de acervo. O Governo do Estado decidiu, ouvindo a demanda dos artistas de uma maneira muito pioneira e ousada, abarcar e acolher esse desejo do Salão se transformar num espaço de fomento e não somente de aquisição. Nesse sentido, acho que o governo ocupa o papel de estado e não de mercado. Ele acessa a parte da produção que normalmente o mercado não se interessa. O mercado quer algo pronto, um produto pra ser vendido e sem muitos riscos. Qual é o papel do estado nisso? O estado se compromete a fomentar uma produção. O que eu acho mais interessante nisso é que a idéia proposta pelo idealizador Paulo Bruscky, junto com José Carlos Vianna, foi a de, além do fomento, propor o risco de ser um espaço de pesquisa e pesquisa necessariamente envolve risco. É tentativa e erro.

O que me atraiu, então, no momento de assumir a curadoria do Salão, foi contribuir para a solidificação dessa proposta. Uma comissão de seleção, seja ela qual for, não é formada por futurólogos. Aposta-se dentro de critérios que são estabelecidos na dinâmica do que é apresentado e pelo conjunto de subjetividades do grupo. Cada um tem seu repertório, sua maneira de ver a arte e ver o mundo, e é essa química que vai gerar o resultado, que com certeza seria diferente se um desses membros fosse modificado. Então, lidamos com esse limiar entre sucesso e fracasso, que é um pressuposto de qualquer tipo de comissão e da própria noção de pesquisa. E o nosso Salão foi, ainda, se complexificando.

No primeiro ano foi só para artistas plásticos e prêmio de documentação, de publicação e vídeo já anteriormente prontos. Diante do relato da Fundarpe [Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco] de que se inscreveram duas ou três pessoas, percebemos que a demanda era de fomentar novos trabalhos, já que não dispomos no Recife de pós-graduações e outras maneiras de gerar pesquisas sistemáticas na área das artes. No ano seguinte, nessa edição que acabamos de fechar, optamos então por não mais premiar um trabalho, mas expandir esse risco para documentação, e a Fundarpe decidiu ampliar também para uma bolsa de webdesign, que faria um registro da cena cultural e artística pernambucana. Tivemos o acréscimo de mais uma categoria e a modificação do tipo de prêmio, que propunha não mais premiar o que já existia, mas gerar nova publicação.

A Fundarpe também identificou uma necessidade local de bolsas para fotógrafos. A cena de fotografia da cidade é muito expressiva, havia inclusive uma demanda para um Salão só de fotografia. Em relação à comissão, eu não tenho muita intimidade com fotografia, apesar das discussões tentarem sempre fazer interface entre artes plásticas e fotografia. A Fundarpe convidou Gleide Selma, uma pessoa com atuação marcante no universo desta categoria, e ela se juntou à comissão. Por fim, éramos cinco pessoas, uma comissão grande que proporcionou trocas interessantes. Eu como curadora de artes plásticas, Gleide Selma como curadora de fotografia, Maria do Carmo Nino, que é professora, artista e crítica muito atuante no Recife, Bethânia Correia de Araújo, que na época estava na assessoria da Fundarpe, e Fernando Cocchiarale, como um membro externo, já que uma intenção também era a de nacionalizar a seleção. Recife não é um feudo, não é uma província. Pelo contrário, está muito bem localizado no mapa das artes plásticas nacionais. Os artistas de fora entendem que não podem mais se restringir ao Rio e a São Paulo, é importante estar no Recife. Além do que, Pernambuco hoje dispõe de vários mecanismos de fomento e produção que são raros no resto do Brasil. Alias, em minhas viagens de Rumos Visuais, não encontrei nenhuma outra cidade que conseguisse conciliar uma bolsa de pesquisa, como a que o Salão oferece, SPA das artes, que é um espaço de encontros, intercâmbios, que mobiliza a cidade, uma instituição como a Fundação Joaquim Nabuco, que tem uma inserção nacional na área de pesquisa, educação, cultura e artes plásticas, o MAMAM, que é um museu com reconhecimento nacional, um museu importante, propositivo, de qualidade excepcional. Além de galerias que estão se profissionalizando, sem falar em outros espaços que vão emergindo, como IAC [Instituto de Arte Contemporânea, da UFPE], Museu Murillo La Greca... Isso causa muita visibilidade para a cidade. A não ser que a gente queira retroceder e só dialogar entre a gente.

2Ptos- O que é o nosso Salão?

CT - Primeiro, é um Salão de risco, como eu disse. Ele atende a um desejo dos artistas de liberdade de experimentação. É um Salão que supre uma lacuna do mercado ou mesmo do meio artístico, que não dispõe de muitos mecanismos de amadurecimento de estratégias, de financiamento de obras. É um Salão que atende a uma demanda da política cultural do estado. É um Salão que, por se basear no projeto de pesquisa, em nenhum momento fala apenas de jovem produção. Nesse aspecto nos diferenciamos muito da Bolsa Pampulha, por exemplo, em Belo Horizonte. A Bolsa Pampulha é uma residência onde o artista passa um ano em Minas Gerais, e ele é selecionado pelo portifólio. O nosso Salão busca experimentação, independente do artista ser jovem, velho, de fora ou de Pernambuco.

No entanto, o que nós entendemos com a experiência do Salão? É que a cada ano ele é retificado, melhorado, ampliado. E aí vem o desfecho, que também aconteceu na última edição da Bolsa Pampulha: de repente houve uma mudança de direção do museu e os artistas ficaram muitos meses sem receber nada, sem saber, inclusive, se iam fazer as exposições. Aqui passamos por coisa parecida, já que o Salão acabou no final de um governo. No Brasil há essas surpresas, você inicia mas não sabe se vai terminar. Esse é um desafio brasileiro, não só pernambucano, de superar a falta de continuidade, a falta de entendimento sobre o que é aquela proposta. A meu ver, o Salão daqui é inacreditavelmente ousado para o ambiente burocrático, institucional. Eu trabalhei muito tempo em instituição pública e, nesses espaços, paga-se apenas quando se recebe uma mercadoria. Imagine então o que é o governo pagar uma pesquisa, pagar um trabalho que não está pronto. A Fundarpe, então, precisou fazer uma arquitetura burocrática, uma reestruturação para poder acolher o projeto de um salão de pesquisa. Uma das coisas que mais foi questionada por mim, como curadora, e por toda a comissão, foi a questão do sigilo, da necessidade do projeto ser apresentado de forma anônima. Essa é uma questão muito delicada, já que para especialistas não há anonimato, você trabalha com visualidade, então é bater o olho e reconhecer o artista. No entanto, essa é uma lógica de licitação. Numa esfera pública tudo que tem valor acima de oito mil reais – qualquer coisa, seja pagamento de consultoria até a compra de um equipamento – precisa de uma licitação. A saída encontrada pela Fundarpe, então, foi fazer um processo de licitação. Nesse caso, entretanto, não ganhava o menor preço, porque este já estava estabelecido. Essa organização, por isso, é estranha ao meio, quem lê o edital se pergunta para que anonimato, quando ela foi feita como uma gambiarra para tornar possível o sonho dos artistas. E este não é um problema pernambucano, eu repito, é a burocracia brasileira.

2Ptos - Numa dada exposição alguns comentários surgiram, no Dois Pontos, sobre o resultado do trabalho de um dos artistas, e esta pergunta terminou retornando em vários momentos da discussão: o que deve ser esperado como resultado de um trabalho de pesquisa? Como avaliar o sucesso de uma proposta dessas?

CT - Eu acho que uma bolsa de pesquisa artística atende, principalmente, a uma demanda do artista. O que significou para o artista ter um ano de sossego para pensar um trabalho? Eu acho que, nesse sentido, o público pode se frustrar ao querer ver um resultado, mas o mais importante é entender o que significou essa bolsa para a carreira do artista e para seus encaminhamentos futuros. Esse trabalho pontual que está sendo mostrado é uma edição, é a ponta de um iceberg, que é o processo intenso e recompensador de deter-se numa pesquisa. Há pessoas que seguem mais estritamente o projeto, outros dependem do entorno, do momento, cada artista tem a sua maneira de lidar com esta situação. O que eu tenho observado nas últimas edições, porém, é que muitas vezes não é aquele trabalho que está mostrado que vai repercutir. É o tempo que o artista passou pensando no seu trabalho, é o amadurecimento e é a partir da bolsa do Salão que isso acontece. Muitos, por exemplo, tiveram dificuldade de editar o trabalho, porque não fizeram uma obra, fizeram muitas. A gente só vai entender a dimensão dessa bolsa daqui a algum tempo, quando vermos o que o Salão fez por aquele artista. E aí eu volto para o fato de que a questão do Salão não é mais o objeto, a aquisição da obra, mas proporcionar uma situação quase ideal de produção para o artista. Nesse sentido, acho que pode se chocar com a expectativa do público que está acostumado com o padrão do objeto.

2Ptos - Outra pergunta que vem sendo feita no Dois Pontos é em relação ao acompanhamento dos projetos. O curador vem sendo, em grande parte das falas, responsabilizado pela qualidade do que estava sendo mostrado. Em que medida o curador deve e pode atuar durante o processo de realização de um projeto?

CT - Primeiro, a gente precisa pensar que este é um projeto de Salão que incita uma experimentação e entra uma questão ética do trabalho do curador: até onde é possível interferir na finalização de um trabalho? O artista pode simplesmente não ouvir, porque a obra é dele. Até onde o braço forte do curador pode intervir? Por mais que você converse, dialogue, aponte, a palavra final é do artista. No meu caso, a conversa se deu muito em cima de questões. Eu propus uma pergunta para um, por exemplo, enquanto para outro fiz uma crítica ferrenha. No início do processo eu procurei juntar todos os bolsistas para que houvesse um momento coletivo de observação, para que um colocasse questões para o outro. Pensei muito na possibilidade de compartilhar essas observações com os demais bolsistas. Na divisão de bolsistas, Gleide Selma ficou com os quatro bolsistas de fotografia, eu fiquei com os dez de artes plásticas, mais Clarissa Diniz, que já tinha um outro acompanhamento. E aí veio outra limitação, já que eu não sou uma acadêmica: até que ponto eu poderia acompanhar Clarissa? Durante o período de discussão do Salão pensou-se quem iria acompanhar essas pessoas, mas não houve dinheiro para contratar mais gente.

Nesse Salão de pesquisa, uma das funções do curador, além de orientar a pesquisa, é fazer uma interface com a instituição. Estamos numa instituição burocrática, morosa, que não compreende a fala do artista. Então, o curador é um mediador. Eu achei a experiência rica, como curadora. Me vi em vários momentos com o dilema de até onde eu poderia intervir e o que foi possível ser mostrado diante das escolhas dos artistas e das limitações orçamentárias e de produção.

2Ptos - Sobre a questão do acompanhamento, ainda, talvez seja interessante fazer a pergunta inversa: como seria se estivéssemos diante de um trabalho fortemente manipulado pelo curador? Como reagiríamos se a pesquisa de um artista fosse vetada, pelo motivo que fosse?

CT - Parece que a gente confronta o discurso com a prática. No discurso, experimentação é lindo, risco é lindo. É muito bonito falar na liberdade do artista, na possibilidade dele passar um ano pensando em seu trabalho, amadurecendo. Tudo muito bonito no discurso, mas quando isso chega na prática é diferente. Outra coisa é com o curador. Todo mundo acha um absurdo a mão pesada do curador, todo mundo diz que a exposição não é do artista, mas do curador, diz que aquele trabalho foi feito pelo curador, não pelo artista. É muito interessante, então, quando a gente se depara com uma experiência onde risco é a lei e que o curador participa na forma de diálogo com o artista. Como o público recebe isto?

2Ptos - Queríamos que a gente falasse mais sobre a reformulação do projeto do Salão, sobre os cortes que ele sofreu durante sua execução.

CT - É importante que as pessoas entendam o que significa uma estrutura governamental. Ela lida com vontade política, orçamentos flutuantes, um vocabulário burocrático e jurídico. Quando houve a retomada do Salão para o ano de 2006 nós fizemos três propostas de Salão, até chegarmos na realidade. Antes faríamos publicações, um website, teríamos uma equipe editorial que produziria um catálogo para cada artista, que formaria uma caixa com todos os projetos, incluindo uma versão editada da bolsa de monografia e o vídeo produzido pelo bolsista de documentação videográfica seria encartado no catálogo final. Pensou-se em ações de interiorização, afinal este é um Salão estadual, pensou-se na possibilidade de descentralizar as atividades, acontecerem palestras, residências artísticas, intervenções no interior de Pernambuco. E o Salão aconteceria durante um ano todo. Este foi o primeiro esboço de um Salão mais denso, mais complexo. Pensou-se, inclusive em aumentar o número e o valor das bolsas. Mas efetivamente foi um ano político, que não é bom para nenhuma instituição cultural no Brasil. Fomos fazendo propostas cada vez menos custosas, até chegarmos ao orçamento mais básico, aquele que tem o mínimo necessário para expor o trabalho dos artistas. A proposta do Salão é super ousada, mas ela requer estabilidade. É muito delicado. E aí o meu sentimento em relação ao encaminhar das coisas foi de arrefecimento da sustentação do Salão, apoio financeiro, político. Ele foi sendo esvaziado porque mudou o governo. Ao longo das exposições as possibilidades foram sendo engessadas, por causa de leis eleitorais, vontades políticas.

O Salão da Pampulha, como outros Salões, existe por decreto, ele tem que acontecer. O daqui não, ele pode simplesmente desaparecer. O que eu acho mais importante de salientar é que comentários e sugestões têm que ser feitos de maneira a contribuir com a construção, para que ele continue, se solidifique. No Brasil, tudo é contra a arte, não tem dinheiro, a sociedade não legitima, e se você for também jogar contra a arte, aí complica.

2Ptos - Para finalizar, queríamos lembrar que o anúncio dos bolsistas selecionados foi acompanhado de uma série de protestos e reclamações por parte de artistas locais. Gostaríamos que você tentasse se desligar da função de curadora do Salão, se for possível, e respondesse como crítica e apreciadora de arte, se o resultado foi satisfatório para ti.

CT - Eu gosto sim. Acho que o conjunto foi bem heterogêneo, que atende à nossa condição contemporânea de pluralidade. Foi sendo depurada essa questão de risco, de ousadia, de transgressão, ao mesmo tempo em que eu noto, pela conversa com os artistas, que esta possibilidade foi fundamental para suas carreiras. Então, ele foi muito bem sucedido em sua proposta e finalidade. É claro que ele teve falhas, o edital precisa ser reformulado, o pagamento das bolsas deve ser atrelado ao desenvolvimento da pesquisa, o governo deve deixar claro quanto irá investir na exposição dos resultados, mas perfeição é praticamente impossível, principalmente na esfera pública. No tempo institucional tudo é muito lento. Quem sabe daqui a pouco a gente não chega no Salão ideal, que respeite as especificidades do meio, as complexidades da arte contemporânea. Mas olhando de lá pra cá, apesar de todos os baques financeiros e de estrutura, mesmo assim eu acho que o Salão se configurou como algo excepcional no meio brasileiro. Acho que a gente precisa tirar o chapéu para quem conseguiu driblar tantos percalços. Então, eu gosto do resultado, inclusive de projetos de que eu não fui uma defensora, durante a seleção. Tivemos um salão de calibre ousado, que pelo menos levantou questionamentos. Arte também é isso, é mexer com conceitos e preconceitos e nos fazer capazes de olhar além do nosso ciclo de amizades, além do nosso meio, além da nossa formação.
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