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Relato Rumos 5 - Diário de bordo: Brasília

 
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Guy A



Registrado em: Terça-Feira, 15 de Fevereiro de 2005
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MensagemEnviada: Seg Mar 31, 2008 12:25 pm    Assunto: Relato Rumos 5 - Diário de bordo: Brasília Responder com Citação

Relatos Rumos 5 – Diário de bordo: Centro-Oeste [Brasília e Cuiabá]


Dia 5 – Brasília [26/03]

A vantagem de se estar em Brasília – e por apenas um dia – é que não há muito a dizer: a cidade é de certa forma "auto-explicativa". Por ficar alojado num hotel razoavelmente isolado do centro [vizinho ao Palácio do Alvorada], não me disponho a incursões turístico-culturais, permanecendo recluso até horas antes do evento, quando vou me juntar ao resto da equipe [Paulo Sergio Duarte e Alexandre Sequeira, palestrantes, e Valeria Toloi, do ItauCultural, além das duas produtoras]. Neste relato, a ênfase será no evento.


Do evento

Casa lotada no surpreendentemente mal-cuidado auditório do departamento de artes visuais da UNB. Quase 200 pessoas, estudantes e professores da universidade em sua imensa maioria, se aboletam nas cadeiras, piso e imediações do espaço para acompanhar o evento.

Paulo Sergio Duarte inicia os trabalhos retomando a estrutura de sua fala já proferida em Belém, "Arquipélagos". Comenta as diferenças que há em se falar para uma audiência mais especializada, do "meio de arte". Emenda então nas questões que lhe interessam, como a da [não] identidade cultural na produção artística brasileira, ressaltando a singularidade desta em relação a países em que se percebe o esforço em se construir identidades culturais "exclusivas" [e excludentes] e à noção de local, especialmente na chave trabalhada por Moacir dos Anjos [curador]. Retoma então seu mote, o da "poética da reflexão", com o qual designa um nicho de produção brasileira que pode abarcar o dado conceitual mas ao mesmo tempo "plena de generosidade plástica". Desta vez, cita alguns trabalhos como exemplos desse raciocínio, como Babel e Blindhotland, de Cildo Meireles e Luz de dois mundos, de Tunga, e sugere aproximações, por esse viés, com alguns nomes da Arte Povera e da cena alemã [como Beuys, Baselitz, Kiefer]; não se trataria de simplesmente de "se levar a refletir", mas da reflexão "embutida mesmo no projeto poético". Contrapõe a estes, sem exemplificar, trabalhos com excesso de elementos narrativos ["ainda que densos, fortes"] mas com "déficit" de formalização no projeto poético. Assume a singularidade do caso brasileiro - a ausência de um projeto efetivo, a "relação não-edipiana" da produção contemporânea com seu passado moderno, a "adversidade", etc. - como potencializadora de seu interesse por essa produção; faz um breve exercício de genealogia da arte brasileira, desde o que considera a "primeira fase do modernismo" no país [Visconti, Castagneto], que teria transcorrido sob "o elogio da academia", até o advento do construtivismo, que transformaria a produção brasileira "de 'arquipélago' em 'continente'"; lembra ainda a não–institucionalização na cena artística brasileira como um dado marcante neste processo.

Alexandre Sequeira [artista, curador e professor universitário em Belém] apresenta suas questões sob o mote "Deslocamentos", adiantando que sua fala será uma espécie de relato de caso focado na cena paraense, sobretudo a de Belém. Nas entrelinhas, pode-se ler como um depoimento acerca de um contexto razoavelmente "periférico" - embora não um caso extremo, dada a vocação razoavelmente cosmopolita da capital paraense – e sobre que estratégias locais adotar para superar essa condição; Alexandre pontua sua fala com expressões como "deslocamentos podem ser situações de enfrentamento" e "uma identidade só se constrói quando confrontada a outra".
No decorrer de sua explanação, Sequeira exibe imagens de obras de artistas paraenses, sempre mantendo a tônica do "componente de identidade local ou regional". Sucedem-se então trabalhos de Luiz Braga [fotógrafo veterano e espécie de "artista-referência" da cena de Belém], Emmanuel Nassar, Osmar Pinheiro [pintor falecido há dois anos], Marcone Moreira [expoente da "nova geração" paraense, e como os anteriores já razoavelmente conhecido no eixo RJ-SP], Paula Sampaio [fotógrafa, também jovem] e Miguel Chikaoka [outro fotógrafo veterano, oriundo de São Paulo e radicado em Belém; figura central na difusão e desenvolvimento da fotografia no estado a partir dos anos 1980, é o fundador-coordenador da Associação Fotoativa].
Um segundo bloco apresenta imagens mais contextuais de Belém, trazendo registros de eventos e iniciativas culturais autônomas ali transcorridas no espaço de algumas décadas, especialmente acerca dos personagens e iniciativas envolvidos na pesquisa e experimentação fotográfica, que marcaram o cenário cultural local nas últimas duas décadas. Neste quesito, o grande destaque é para a Associação Fotoativa, iniciativa que deflagrou forte movimentação em torno da pesquisa fotográfica no Pará, que viria a se constituir como linguagem. Há ainda um terceiro conjunto de imagens, mais focado em ilustrar situações expositivas em locais não-usuais – ruas, mercados -, sempre em Belém.
Alexandre encerra sua apresentação insistindo na importância dos artistas em articular questões e elementos locais em sua produção, de não esquecer as características de "seu lugar". Seu ponto de vista, no entanto, é menos o de defender uma "poética regionalista" que o de propor estratégias de superação frente a um cenário adverso ou rarefeito no que tange à arte contemporânea, onde recorrer ao ideário cultural local pode ser uma alternativa.

Debate e perguntas

A primeira pergunta [de poucas, estranhamente, dado o contexto] é para Paulo Sergio, e refere-se à possibilidade ou não de aproximação de sua "poética da reflexão" a outra noção que a indagadora vê como similar, a do "conceitual ideológico" [cuja autoria não consegui identificar], particularmente no que tange à obra de Cildo. PSD vê alguma relação com o termo, mas talvez "com menos precisão" [por parte de seu conceito]; cita alguns exemplos em que não haveria o teor de "ideologia" tão latente, como no próprio Blindhotland, deste artista. Emenda ainda, sem se alongar, em um comentário sobre "neoexotismos" em alguma medida nefastos, cultuados atualmente no Brasil.
A seguir, Marilia Panitz, na platéia, coloca questão sobre aspecto que vê como presente em ambas as falas do dia, o de "certa timidez da presença da instituição", ou da ausência da mesma como determinante ou, paradoxalmente, força propulsora em cenas artísticas no país. Alexandre diz que isso de fato foi a realidade por um bom tempo em Belém, e que felizmente o quadro hoje, naquela cidade, é melhor; mas que de qualquer modo a classe artística local sempre se recusou a resignar-se àquela situação, conclamando a tomar "o isolamento" como força-motriz. PSD complementa discerrando sobre a conhecida carência institucional no país [sempre do ponto de vista das artes visuais], das lacunas em acervos públicos, etc. Encerra citando o comentário infeliz proferido por um alto funcionário de órgão federal ligado à cultura, em que o sujeito sustentava, seriamente, que as políticas institucionais de museus brasileiros devem ser não a de "aquisição", mas "a de doação". Triste diagnóstico.
Um estudante arrisca uma questão para PSD, mas infelizmente se equivoca no enunciado: quer saber qual seria o "projeto artístico brasileiro" sobre o qual ele teria falado. Paulo Sergio corrige, esclarecendo que nunca falou em "projeto brasileiro"; no máximo no projeto construtivo, sugerindo uma discussão em potencial a partir das noções de "construtivo" e "abstração geométrica". A seguir, fala de sua posição em relação à instituição, lembrando que sua própria trajetória se confunde com cargos de direção à frente de diversas instituições [inclusive a Funarte]. Emenda em comentário sobre a "mercantilização de tudo" no mundo do capitalismo avançado, à qual nem a arte estaria imune, sendo frequentemente "colocada ao nível de mercadoria"; e comenta por cima tendências em arte de crítica institucional e a ação de coletivos de artistas, que vê como estimulante, onde não raro "a ética sobrepuja a estética". Frente ao silêncio ou timidez da audiência, aproveito a referência rápida de PSD e permito-me retomar o mote da atuação dos coletivos e do "ético sobre o estético", alongando-me mais no tópico. Exponho o que vejo com problemas em potencial que esse modelo de práticas pode incutir; assumindo que estou generalizando; me refiro a ações de coletivos de artistas que, por mais sérias e comprometidas em seu engajamento que sejam, a meu ver se enfraquecem ou mesmo se esvaziam quando insistem em ser referidas como "arte" [o caso da ocupação Prestes Maia, por exemplo, dentre tantos outros]. É como se esses grupos [ainda generalizando] não conseguissem um grau de despojamento suficiente em sua prática para abandonar a égide da "arte" como condutora/propulsora das ações que empreendem, sendo que estas frequentemente parecem estar se dando em outro território – e aí voltamos para o aspecto da "ética sobre a estética" mencionado por Paulo Sergio –, quando não flertam mesmo com franco assistencialismo. A discussão inevitavelmente passaria por estética relacional, a última [e talvez a próxima] Bienal de São Paulo, etc., e não caberia aqui. Comento também práticas de "arte de crítica institucional" no Brasil, e sobre a dinâmica que vejo como algo esquizofrênica gerada a partir do momento em que, consagradas e legitimadas como tal [sejam de cunho efetivamente "problematizador/tensionador" ou não], a instituição passa a achar quase benvindas esse tipo de propostas. Penso em salões de arte em que sempre há um ou outro trabalho nessa linha de abordagem, quase como uma "categoria" ou modalidade autônoma e "desejável", quase um registro do politicamente correto adaptado para o mundo da arte. PSD concorda e reforça ainda que a própria noção de instituição é remota no país.
A platéia continua retraída, e como já se faz tarde, encerramos o evento.

Ignorando o dado "local" presente nas falas da noite, contudo, fechamos nossa estada em Brasília indo jantar – ou "cear", àquela altura da noite – em um ótimo restaurante argentino.
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