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dezembro 3, 2011
Carta à Presidenta Dilma dos Representantes da Sociedade Civil no Conselho Nacional de Política Cultural – CNPC
Carta dos Representantes da Sociedade Civil no Conselho Nacional de Política Cultural – CNPC
Brasília, 1º de dezembro de 2011.
Excelentíssima Senhora
DILMA VANA ROUSSEFF
Presidenta da República Federativa do Brasil,
Cumprimentando-a cordialmente, os representantes da sociedade civil abaixo-assinados, componentes do Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC), vêm respeitosamente solicitar uma audiência com Vossa Excelência, em caráter de urgência, para tratar de necessidades da área, até o momento insuficientemente tratadas pela atual gestão do Ministério da Cultura.
Tal solicitação corrobora a solicitação realizada pela Frente Parlamentar Mista em Defesa da Cultura, do Congresso Nacional, e por diversos artistas, em reunião prévia com a Ministra da Secretaria de Articulação Institucional da Presidência, Ideli Salvatti.
Dentre os assuntos a ser abordados, sugerimos:
a) Orçamento de 2012;
b) Projeto de Lei do ProCultura;
c) Projeto de Lei de Direitos Autorais;
d) Sistema Nacional de Cultura - SNC;
e) Processo de participação e controle social;
f) PEC 150;
g) Outros temas.
Entendemos que a forma como vêm sendo conduzidas as ações no MinC, tanto em relação à execução das políticas públicas de cultura, quanto à legítima participação da sociedade em suas definições, não têm se adequado à essência democrática operada pelo Governo atual que, exemplarmente, tem em Vossa Excelência a maior defensora.
Respeitosamente,
Antônio José Ferreira – Culturas Afro-Brasileiras
Charles Narloch – Artes Visuais
Devair Fiorotti – Museus
Dora Pankararu – Cultura Indígena
Du Oliveira - Música Erudita
Freddy Van Camp – Design
Heloísa Esser dos Reis – Arquivos
Isaac Loureiro – Culturas Populares
Ivan Ferraro – Música Popular
Jeferson Navolar – Arquitetura e Urbanismo
Marcos Olender – Patrimônio Material
Nilton Bobato – Livro, Leitura e Literatura
Patricia Canetti – Arte Digital
Renato Moura – Artesanato
Rosa Coimbra – Dança
Virgínia Menezes - Teatro
Washington Queiroz – Patrimônio Imaterial
dezembro 1, 2011
Cancelamento de exposição no Rio deixa artista norte-americana chocada por Roberta Pennafort, estadão.com.br
Cancelamento de exposição no Rio deixa artista norte-americana chocada
Matéria de Roberta Pennafort originalmente publicada no caderno de cultura do jornal estadão.com.br em 30 de novembro de 2011.
Fotógrafa Nan Goldin, que teve mostra vetada pelo Oi Futuro, no Rio, fala sobre os limites da arte e o perigo representado pela ingerência do mercado no que é exibido
A fotógrafa norte-americana Nan Goldin já não sabe mais se vem ao Brasil no início de 2012 para aquela que será sua maior exposição por aqui. Está chocada com o veto do Oi Futuro, instituição que patrocina a mostra (agora transferida para o Museu de Arte Moderna da cidade), a fotos que mostram crianças "num ambiente acolhedor e amoroso" e que integram sua famosa série "A Balada da Dependência Sexual", iniciada em 1976.
A polêmica, reverberada por artistas e críticos no Facebook, se centrou nas imagens de crianças na cama com os pais, que estão sem roupa e se acariciam, e passou também pelas cenas de pessoas se injetando heroína.
Em entrevista ontem à tarde, de Paris, por telefone, a artista foi além: falou dos limites da arte, do perigo de seu controle pelo mercado e de sua percepção do presente e do futuro.
O veto à sua mostra está tendo grande repercussão na comunidade artística do Brasil. Um dos pontos levantados diz respeito à ingerência das empresas privadas em questões artísticas. Você considera isso perigoso?
É perigoso. As grandes empresas são conservadoras por natureza. A política delas não é a mesma que nós artistas apoiamos. Em muitos países exposições são, em sua maior parte, financiadas por essas grandes empresas, o que pode ser um problema. É responsabilidade do artista lutar contra qualquer pressão que possa limitar sua liberdade de expressão. A censura começou a se tornar um problema enorme no fim dos anos 80, com Robert Mapplethorpe e Andres Serrano (artistas que enfrentaram problemas de financiamento por trabalharem com imagens consideradas indecentes). Foi aí que ficou claro que os que tinham o dinheiro tinham o poder de controlar o que estava sendo mostrado.
Então qual seria a solução?
Depois que a conscientização cresceu, por conta desses dois casos, os artistas se tornaram mais ativos politicamente, forçando museus a mudar os programas que excluíam pessoas de cor, mulheres e gays. Eu, por exemplo, me recusei a assinar um compromisso em Nova York em 1989 de não fotografar mais os gays e de não fazer qualquer tipo de trabalho voltado à sexualidade. Com isso, não recebi financiamento.
Por que razão, mais de 20 anos depois de sua primeira exibição, "A Balada" ainda provoca reações fortes assim, na sua opinião?
Mas não provoca, em lugar algum. Não tenho esse problema há muitos anos. O trabalho já foi aceito como uma obra de arte importante. Outras coisas aconteceram e eu fui censurada, mas "A Balada", não.
Como você reagiu ao que houve agora no Oi Futuro?
Fiquei chocada. O Brasil é percebido como um país socialmente livre, de pessoas sem problemas com o corpo, então foi chocante.
Você pensa em não vir mais?
Penso. Ainda não decidi, não posso responder. O apoio da comunidade artística brasileira me tocou, e isso me dá vontade de ir. O que eu sei é que a exposição vai acontecer, em fevereiro. Iria em janeiro, mas não sei como me sinto sobre isso tudo.
O cancelamento suscitou a discussão sobre as fronteiras da arte. Essa questão ainda se justifica, a seu ver?
A arte deve empurrar as fronteiras, essa é a sua natureza, é uma das razões pelas quais a arte precisa existir. O papel da arte é questionar, seja ela conceitual, experimental ou política. Tem que ser radical, seja questionando a sociedade, a diferença de gêneros. Não deveria ser limitada por fontes de financiamento nem pelo mercado, nem ter de pensar no status quo. Mas tudo é limitado pela questão do dinheiro. Não é o que a arte deve ser. Se a arte é controlada pelo mercado, como parece ter sido o caso, ela se compromete, e isso tira sua integridade.
As fotos com as crianças são consideradas problemáticas, porque feririam o Estatuto da Criança e a Adolescente do Brasil. Ninguém me explicou até agora: do que trata a legislação?
É uma lei protetiva específica, que existe há 20 anos e que proíbe a exposição de menores a cenas tidas como pornográficas.
Uau, eu não sabia... Essa lei funciona? Numa sociedade com tantas crianças na rua, que têm de fazer de tudo para sobreviver? Eu já fui ao Brasil três vezes. Soube que houve um massacre pela polícia quando as crianças dormiam (chacina da Candelária, em 1993). Elas não estão recebendo apoio. Alguns artistas apoiam, como Carlinhos Brown, com seu projeto com música. Não faz qualquer sentido. Estão criando problema com fotos de crianças que são filhos de amigos meus há 20 anos, que estão num ambiente acolhedor e amoroso, onde há sexualidade, enquanto há crianças na rua, se prostituindo e fumando crack. Qual é o problema mais sério? Ninguém pode apontar uma foto minha em que a criança não sabia que estava sendo fotografada, ou que esteja sofrendo abuso.
Como você vê essas fotos hoje, que relação afetiva tem com estas imagens?
As pessoas retratadas se orgulham de fazer parte de "A Balada". As crianças que hoje são adultas não se arrependem. Nenhuma delas. Uma ou outra pessoa se incomoda ao ver seu passado mostrado, e nesse caso não incluo mais no slide show. Antes de um livro, ligo para todos os que ainda estão vivos (vários morreram em decorrência da epidemia de Aids dos anos 80) para ter certeza de que eles querem estar no livro. A minha integridade é uma das coisas mais fortes da minha vida e no meu trabalho. É muito fácil explorar pessoas com a fotografia.
Para você, o que significa este episódio?
O mundo está regredindo. A tecnologia está tirando das pessoas as emoções reais. Não sei como isso se reflete nessa situação, mas vejo que o mundo é totalmente diferente daquele em que eu cresci. Que bom que eu estava viva nos anos 60, 70 e 80, porque isso significa que eu não cresci orientada por um computador.
Nas redes sociais, questiona-se o uso do termo "censura".
Em inglês, a palavra é essa. Talvez não o seja no contexto brasileiro, ou da Argentina ou da Espanha, que tiveram ditaduras, talvez pareça exagerado. Mas para mim, que venho de uma sociedade supostamente livre e democrática, a palavra é exatamente essa. As pessoas estão olhando preto no branco, não estão vendo as nuances dessa história, o que é perigoso.
Os artistas estão ironizando o fato de o "censor" se chamar Oi Futuro.
É um pouco assustador. O futuro já parecia ruim o suficiente.
novembro 30, 2011
Arte e política por Ana Cecília Soares, Diário do Nordeste
Arte e política
Matéria de de Ana Cecília Soares originalmente publicada no Caderno 3 do Diário do Nordeste em 29 de novembro de 2011.
Curador da última Bienal Internacional de São Paulo, Moacir dos Anjos vem a Fortaleza para a abertura da exposição do artista polonês Artur Zmijewski. Ele também ministrará duas palestras sobre a relação entre a arte e a política
Independentemente daquilo que é visto como seu tema, a arte é política quando abre fissuras nos consensos que organizam a vida humana. Mas, por outro lado, poderá se tornar panfletária, a medida que nos quer doutrinar sobre algo que já sabemos. Mesmo que as intenções sejam justas, a obra, neste caso, não emancipa, apenas reafirma e resguarda o conhecimento existente sobre alguma coisa. Simpático a essa opinião, o curador e coordenador de Artes Visuais da Fundação Joaquim Nabuco, Moacir dos Anjos, tem se dedicado, ao longo da última década, ao desenvolvimento de projetos relacionados à temática arte e política, uma de suas favoritas.
Nesse contexto, entre os trabalhos mais importantes está a participação na 29ª Bienal Internacional de Arte de São Paulo, realizada em 2010. Além da organização do projeto Política da Arte, iniciado em 2009, na Fundação Joaquim Nabuco, do qual alguns resultados poderão ser conferidos a partir de amanhã, às 20 horas, com a abertura da exposição do artista polonês Artur Zmijewski, no Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB), em Fortaleza.
A individual fica em cartaz até 31 de dezembro. Ela é composta por três vídeos, que estão entre os mais conhecidos do artista polonês. Eles nos mostram, com clareza, um traço importante de sua poética: dar visibilidade a situações e fatos que os consensos sociais transformam em tabus. "Acompanho o trabalho de Zmijewski há alguns anos e tive oportunidade de trabalhar com ele durante a preparação da Bienal de São Paulo. As tensas narrativas que constrói terminam por ativar, na memória do espectador, os conflitos e antagonismos que permeiam contextos importantes da história do século XX", conta Moacir.
Antes da abertura da exposição, Moacir dos Anjos também proferirá, amanhã e na quinta-feira, às 18h30, palestras sobre a relação entre arte e política. A mostra e as palestras com o curador pernambucano fazem parte do conjunto de ações idealizadas pela Fundação Joaquim Nabuco, trazidas à Fortaleza, pelo CCBNB. A parceria entre as duas instituições existe desde 2009.
Bienal de São Paulo
Ao lado de Agnaldo Farias, Moacir dos Anjos assinou a curadoria da última Bienal de São Paulo, que tinha como foco central de seu debate a relação entre arte e política, representada pelo verso do poema de Jorge de Lima: "Há sempre um copo de mar para um homem navegar".
"Trazer esse enfoque para a Bienal de São Paulo foi uma forma de organizar e de dar organicidade ao interesse que tenho sobre arte e política. Em um mundo cada vez mais cínico frente às desigualdades e cada vez mais descrente na possibilidade de mudança efetivas, acho crucial dar atenção a um tipo de produção artística que confronta normas, que cria desvios, que propõe que olhemos ou escutemos ou leiamos o que, muitas vezes, sequer tem nome". Segundo o curador, essa foi uma experiência cheia de paradoxos.
Por um lado, devido a enorme visibilidade, a Bienal é oportunidade única de afirmar o lugar da arte na discussão pública das coisas; por outro, a sua escala gigantesca impede, muitas vezes, que o contato com a arte se efetive de fato. "Há ainda uma vontade de que mais pessoas tenham acesso a ela; junto a necessidade de reconhecer que há um limite físico para uma visitação massiva, dada a natureza e a temporalidade de muitos dos trabalhos", completa.
O pernambucano também explica que a Bienal não se propôs a resolver esses paradoxos, mas que ambos ficaram bastante claros para os curadores.
"Tivemos cerca de 600 mil visitantes. Não é possível sujeitar as artes visuais aos critérios de público de um festival de rock ou de um programa televisivo", relembra, comentando a meta estabelecida pela presidência da Bienal de atrair 1 milhão de visitantes, mais como um desejo de inclusão do que como um ponto efetivo. "A experiência que as artes podem oferecer é de outra ordem, nem melhor nem pior, mas diferente, e exige critérios também distintos. Por outro lado, creio que a 29ª Bienal conseguiu pautar algumas questões que ainda não possuíam visibilidade bastante no País, principalmente a relação entre arte e política", avalia Moacir dos Anjos.
Arte contemporânea
Sobre a produção brasileira, Moacir acredita ser um conjunto muito heterogêneo. Ela faz uma original articulação entre uma tradição experimental, notadamente aquela que emerge nos anos 60 e que tem nas obras de Hélio Oiticica e Lygia Clark sua face mais conhecida, e outras tradições de partes diversas do ponto, que o processo de globalização pôs à disposição das gerações mais recentes.
"A partir dessa rearticulação, esvaziam clichês de brasilidade e reinventam o que seria próprio do País. É uma das cenas artísticas mais dinâmicas e interessantes do mundo, e chama, cada vez mais, a atenção de curadores e colecionadores de outros países", revela.
No entanto, ele alerta: "o risco é se deixar capturar pelo mercado como fórmula rígida, o que põe diante dos artistas o desafio de confrontarem, continuamente, qualquer desejo de enquadramento do que fazem em modelos de explicação redutores".
Quanto a novíssima produção cearense, o curador confessa não ter acompanhado como deveria, por absoluta falta de oportunidade, mas conhece bem alguns artistas, com quem já trabalhou em exposições passadas ou escreveu textos críticos sobre suas obras. "Nesse universo restrito, posso citar, entre os que têm trajetória mais longa e estabelecida, o Eduardo Frota. Entre os mais jovens, Waléria Américo, Yuri Firmeza, Victor César, Milena Travassos, entre vários outros. Em todo caso, as artes visuais e o cinema feitos no Ceará me interessam bastante, e fico muito feliz quando posso vir até aqui e reduzir um pouco minha ignorância sobre esse universo tão rico".
Fique por dentro
Artur Zmijewski
Nasceu em 1966, em Varsóvia, Polônia, onde vive até hoje. Em diversos trabalhos feitos no início de sua carreira, o artista expôs a vida de pessoas com deficiências físicas crônicas ou com doenças incuráveis, concedendo voz e imagem àqueles cuja presença pública causa inequívoco desconforto aos supostamente sãos. Também busca discutir em vários de seus vídeos, por meio das tensas e críticas narrativas que constrói, contextos políticos e históricos permeados por conflitos abertos ou por uma série de antagonismos.
MAIS INFORMAÇÕES
Abertura da exposição de Acervo da Fundação Joaquim Nabuco, com obras do artista polonês Artur Zmijewski. Amanhã, às 20 horas, no CCBNB-Fortaleza (Rua Floriano Peixoto, 941 - Centro). Gratuita. Palestras com o curador Moacir dos Anjos, amanhã e quinta-feira, sempre às 18h30. Contato: (85) 3464.3108
Historiadora reflete sobre os mecanismos do mercado de arte por Jochen Kürten, Deutsche Welle
Historiadora reflete sobre os mecanismos do mercado de arte
Matéria de Jochen Kürten originalmente publicada no caderno Cultura do Deutsche Welle em 28 de novembro de 2011.
Historiadora da arte vienense analisa como as obras de arte atingem os preços pelos quais são negociadas no mercado e conclui que os próprios artistas raramente exercem um papel relevante neste contexto.
Apesar da crise financeira global, do desastre do euro e da recessão, o mercado de arte encontra-se em franca expansão, em todo o mundo. Há pouco, as três grandes casas de leilões de arte – Sotheby's, Christie's e Phillips – angariaram cerca de 600 milhões de dólares por obras de arte contemporânea. Uma soma considerável.
Os leilões na Alemanha que aconteceram no segundo semestre deste ano também levaram a bons resultados, com recordes quebrados. Mas de onde vêm esses preços tão exorbitantes do mercado de arte? A historiadora da arte de Viena, Jacqueline Nowikovsky, escreveu um livro a respeito, com o título $ 100.000.000? – O valor da arte. A Deutsche Welle conversou com a autora vienense sobre o novo livro.
Deutsche Welle: Você coloca a tese de que a arte e o mercado de arte encontram-se sob o signo do marketing e do potencial de vendas. Questões estéticas, de conteúdo ou estilo não teriam mais nenhuma importância. Por quê?
Jacqueline Nowikovsky: No mercado de artes, há muitos compradores que têm interesse em demonstrar uma identidade através de suas coleções. Isso se dá em função de uma certa pressão social, partindo de uma expectativa. Quem quer ser admirado por sua coleção vai se esforçar para comprar e expor obras de determinados artistas, que têm um valor facilmente reconhecido e verificável no mercado.
Isso diz respeito à situação do comprador, mas também dos marchands e de outros envolvidos no mercado de arte. Trata-se de uma arte que chegou a uma certa posição no mercado. Isso faz com que obras de pintores sejam, por exemplo, compradas muito menos em função de seu conteúdo ou de suas posições estéticas, mas sim claramente por causa do valor de reconhecimento no mercado.
Antes era diferente? Ou trata-se de uma evolução que ocorreu nos últimos anos ou décadas?
Sempre houve aqueles que determinavam as diretrizes neste contexto. Sempre houve pintores, grandes mestres, cujas obras eram comercializadas a altos preços nas cortes. Eles vivam à mercê dos governantes. A hegemonia dos mercados existe há muito tempo e neste sentido as coisas não mudaram de maneira substancial.
O que mudou foi o número de participantes no mercado, o número de pessoas que têm possibilidade de comprar obras de arte. Através de um fluxo cada vez maior de capital, essas pessoas também estão dando as cartas. O que no passado ficava talvez nas mãos de alguns governantes e de poucos donos do poder, encontra-se hoje sob o domínio de muitas pessoas que têm muito dinheiro.
Quem é o mais poderoso?
Trata-se aqui de marchands, galeristas, colecionadores, donos de coleções privadas, e menos de museus. Casas de leilões e feiras de arte também desempenham um papel importante. Quem são, então, os agentes mais importantes neste contexto?
Não existem necessariamente hierarquias claras. Há determinadas pessoas, que, por um tempo, indicam as tendências. Elas posicionam algo novo no mercado, algo que nunca havia existido anteriormente. Então esta pessoa acaba sendo a precursora, que oferece esse algo novo. As interações são também enormes neste sentido: os colecionadores interagem com os museus, porque querem, obviamente, que suas obras sejam expostas ali, querem que elas integrem grandes retrospectivas ou mostras coletivas.
E os museus também obtêm vantagens, quando recebem obras emprestadas, principalmente porque eles não dispõem de meios suficientes para conseguir as peças que faltam para uma exposição, por exemplo. Os artistas ficam entre um triângulo composto pelos marchands, pelos galeristas e pelos colecionadores, mas também pelos museus. Não há um líder, mas vários participantes, é como uma empresa.
Os diversos envolvidos tratam, de maneira objetiva, de fazer com que as obras de arte sejam valorizadas, para que, no fim, eles também usufruam disso. Pode-se chamar isso de valorização consciente e planejada da arte?
Consciente ou inconsciente, é o que acontece. Determinadas valorizações acontecem automaticamente. É claro que qualquer um acha bom, quando isso acontece. É algo naturalmente menos conspirador do que parece. Eu não definiria tudo como um complô ou um jogo de monopólios. Há, claro, essas teorias muito teórico-conspiradoras, dizendo que existe um cartel que controla objetivamente todo o mercado.
Também não é assim. Nunca se pode prever completamente o futuro, mesmo quando um galerista, por exemplo, esforça-se para forjar uma escassez artificial. Ou quando participa-se dos leilões, fazendo lances. Há mecanismos que se repetem e que são previsíveis, mas não é como se fosse possível seguir um roteiro.
O artista fica de fora
Mas há apenas alguns poucos artistas, que participam deste jogo, deste carrocel do mercado de arte. Alguns conseguiram. O britânico Damien Hurst é notoriamente o artista que mais ascendeu nos últimos anos. No caso dele, tem-se realmente a impressão de que ele determina os preços.
Sim, ele é obviamente uma pessoa ambivalente. Damien Hirst foi tão longe, porque ele tinha uma exata visão dos mecanismos em jogo e participou de tudo com uma certa ironia. Ele foi levando adiante, até o ápice. E se tornou independente dos galeristas. Ele conseguiu montar um leilão inteiro, no qual só obras suas foram a leilão. Isso pode ser considerado quase como uma performance, que parodia as regras do mercado de arte.
Sendo assim, ainda existem critérios para diferenciar uma arte "boa" de uma "ruim"?
O mercado possibilita a participação de muitas pessoas nesta empreitada. De fora, tem-se a impressão de que não há objetividade alguma. Não há, como no passado, uma academia ou um júri. Não há mais um Salão de Paris, que decide sobre o que é bom e o que é ruim. Mas isso não é tudo. Há, porém, diversas instâncias, que assumem avaliações e cujo julgamento tem mais peso que o julgamento de outras instâncias. No meu livro, procurei identificar essas instâncias e seus efeitos.
Entrevista: Jochen Kürten (sv)
Revisão: Carlos Albuquerque
novembro 29, 2011
Oi Futuro cancela mostra da artista Nan Goldin no Rio por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Oi Futuro cancela mostra da artista Nan Goldin no Rio
Matéria de Silas Martí originalmente publicada no caderno Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 29 de novembro de 2011.
Centro cultural alegou que imagens de menores nus iam contra orientação de seus programas educacionais
Exposição com três séries fotográficas foi adiada para fevereiro e acontecerá no Museu de Arte Moderna da cidade
Fotografias de atos sexuais diante de crianças e menores nus, obras da artista americana Nan Goldin, levaram à censura de sua exposição marcada para janeiro do ano que vem no Oi Futuro, no Rio. A informação é do jornal "O Globo".
Goldin, que esteve na última Bienal de São Paulo, atingiu fama global com sua obra em tom autobiográfico, imagens de sexo explícito e flagrantes do submundo de drogas de Nova York e Berlim.
Ela mesma aparece em algumas fotografias transando com o ex-marido ou espancada por ele em sua série mais célebre, "Ballad of Sexual Dependency", ou balada da dependência sexual, que também seria exposta no Rio.
"Parece que tudo é confundido com site de pedofilia, a coisa está sendo tratada de maneira leviana", disse a curadora da mostra, Lígia Canongia, à Folha. "Não são questões de moralidade, mas questões estéticas. Está havendo uma confusão séria."
Segundo a curadora, a direção do Oi Futuro, que patrocina a mostra com R$ 300 mil, desconhecia o trabalho de Goldin e se chocou ao ver as imagens um mês antes da abertura da exposição.
Nas fotografias, obtidas pela *Folha,* um bebê aparece ao lado de um casal transando, um menino aparece nu e uma menina em roupas íntimas é retratada brincando com um bebê. Outras imagens mostram casais, gays e heterossexuais, em cenas de sexo e masturbação e pessoas injetando heroína. Mas nada disso destoa do repertório habitual da artista.
No projeto expositivo, a mostra ocuparia três salas do Oi Futuro, sendo só uma delas com entrada restrita a menores de idade. Mas o centro cultural decidiu cancelar a exposição de Goldin alegando um conflito de toda a obra com seu projeto educativo.
Em nota enviada à reportagem, o Oi Futuro diz ter a "a praxe de avaliar o material que será exibido em seus centros culturais para se assegurar que haja uma relação entre as obras e os programas educacionais" e que "segue os preceitos do Estatuto da Criança e do Adolescente".
"Tem gente que acha que pau de fora, bunda de fora é erótico", diz Fernando Cocchiarale, um dos cerca de cem artistas e curadores que se opuseram à censura da mostra. "É um equívoco, um grande mal-entendido horrível."
Marcelo Araujo, diretor da Pinacoteca do Estado de São Paulo, chamou a decisão do Oi Futuro de "ato de obscurantismo cultural que desrespeita não só a artista e todos os profissionais envolvidos no projeto, mas o público".
Desde que soube do cancelamento da mostra, Canongia tem discutido a questão numa extensa troca de e-mails com outros curadores.
Luiz Camillo Osorio, curador do Museu de Arte Moderna do Rio, fez uma mudança na agenda para receber, em 11 de fevereiro do ano que vem, a mostra da artista.
Goldin viria ao Rio no final de dezembro para concluir uma de suas séries, "The Other Side", em que retrata travestis pelo mundo. Sua ideia era registrar uma ceia de Natal de drag queens.
MAM do Rio vai abrigar exposição vetada por Roberta Pennafort , O Estado de S.Paulo
MAM do Rio vai abrigar exposição vetada
Matéria de Roberta Pennafort originalmente publicada no caderno de cultura do jornal O Estado de S. Paulo em 29 de novembro de 2011.
Oi Futuro decidiu cancelar mostra da artista Nan Goldin por desaprovar parte do conteúdo sexual
RIO DE JANEIRO - Uma das fotógrafas mais aplaudidas da atualidade, com trajetória de 40 anos e presença em importantes museus de arte contemporânea, a norte-americana Nan Goldin nunca teve mostra individual no Brasil. O público carioca verá alguns de seus trabalhos mais emblemáticos entre 11 de fevereiro e 8 de abril de 2012 - mas isso só porque o curador do Museu de Arte Contemporânea (MAM), Luiz Camillo Osorio, conseguiu, de última hora, abrigá-los.
O Oi Futuro, que em 2010 selecionou a exposição em seu edital de patrocínio, e lhe destinou R$ 300 mil (a maior parte desse valor, já pago), decidiu cancelá-la na semana passada, por desaprovar parte de seu conteúdo: mais precisamente, a série Balada da Dependência Sexual, talvez sua obra mais conhecida. A instituição concedeu o patrocínio sem ter examinado todo o material. A abertura estava marcada para 9 de janeiro.
São fotos de relações sexuais hetero e homossexuais, explícitas e em várias posições, de masturbação e de uso de drogas. Em algumas delas, crianças pequenas aparecem na cama ao lado dos pais, que se beijam e se acariciam, sem roupa.
Essas a artista já havia concordado em suprimir, em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente brasileiro (a lei proíbe o ato de "produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente").
As cenas, que já rodaram o mundo - inclusive integraram a última Bienal de São Paulo - , começaram a ser retratadas por Nan em 1976, em Nova York, em seu círculo de amigos, e foram publicadas num livro de arte dez anos depois.
Na última sexta-feira, a curadora da mostra, Ligia Canongia, participou de uma reunião com o curador de artes visuais do Oi Futuro, Alberto Saraiva, e um advogado da instituição, em que foi informada do cancelamento. Ela argumentou que as fotos consideradas "impróprias para menores" seriam mostradas no segundo andar, com sinalização (tal qual foi feito na Bienal), enquanto as séries Heart Beat, The Other Side e Empty Rooms, "próprias", ficariam no primeiro e no terceiro.
"Eles não vão declarar jamais que é censura, estão tentando sair pela tangente de forma covarde. Mas me mandaram procurar outro lugar para a exposição. Um centro cultural não pode ser assim. Então abre uma creche", disse Ligia ontem.
Pelo que apregoa o ECA, as imagens não seriam adequadas ao centro cultural do Oi Futuro, no Flamengo, por onde passam dezenas de crianças diariamente, em visitação escolar. "A missão do Oi Futuro é a promoção da educação, e nesse sentido, o instituto tem a praxe de avaliar o material que será exibido em seus centros culturais para se assegurar que haja uma relação entre as obras e os programas educacionais", justificou a instituição numa nota.
Revoltada, Ligia enviou um e-mail para toda sua lista de críticos de arte e artistas informando o ocorrido. Um deles foi Camillo Osorio, que se solidarizou imediatamente e correu para não deixar Nan sem museu.
"Essa atitude me pareceu um passo atrás. As pessoas confundem a capacidade simbólica da arte com o real", ele disse, ontem. "É curioso que a Benetton use foto do papa beijando um líder islâmico como estratégia de publicidade, e que o trabalho da Nan Goldin ainda cause polêmica. A arte nunca se absteve da polêmica."
Por considerar que se trata de uma "exposição de relevância para a cidade", o curador remanejou uma outra e lhe deu espaço. Mas Camillo Osorio quer antes entrar em acordo com o Oi Futuro. E haverá o cuidado com a sinalização para que crianças ou "pessoas sensíveis a cenas eroticamente fortes" sejam orientadas por monitores a não acessá-las.
Segundo a nota do Oi Futuro, a instituição "esteve durante toda a semana passada dialogando com os representantes da artista de forma a encontrar alternativas para a exposição da obra em outro ambiente. A última reunião sobre o tema foi interrompida, sem ser concluída".
A curadora explica que saiu da reunião, muito nervosa, quando já havia sido definido que a exposição não seria aceita no Oi Futuro, como acertado em contrato. "A declaração deles é mentirosa. Não havia mais argumento possível para demovê-los", contou.
"É a exposição de uma das maiores artistas da arte contemporânea que está sendo cancelada por questões que não têm nada a ver com estética nem poética, não têm nada a ver com arte. A Bienal exibiu sem corte, com a recomendação que era para maiores de 18 anos. Se você coloca essas fotos num site de pornografia, é uma coisa. Mas estamos falando de arte, e não da revista Playboy."
Natural de Washington D.C., residente na louca Nova York dos anos 70 e 80, Nan Goldin tem 58 anos. Apresentados em geral em slide shows (como os que vêm ao Rio), seus trabalhos falam de amor, sexo, drogas, amizade, abandono, passando por um submundo de travestis, gays e viciados que nem todo mundo quer ver.
novembro 28, 2011
Arqueologia da cultura por Paula Alzugaray, Istoé
Arqueologia da cultura
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada no caderno de Artes Visuais da revista Istoé em 25 de novembro de 2011.
Estação Pinacoteca expõe Jac Leirner, artista que transformou notas de dinheiro, sacolas plásticas e cartões de visita em esculturas
Jac Leirner/ Estação Pinacoteca, SP/ até 26/2/2012
É possível contar nos dedos das mãos os materiais com que Jac Leirner trabalhou nas últimas três décadas. Sacolas plásticas, adesivos, etiquetas e notas de dinheiro talvez tenham sido os mais frequentes. Esses são os principais elementos que compõem suas 60 obras em retrospectiva na Estação Pinacoteca, em São Paulo, até fevereiro.
Rever, 22 anos depois, a instalação “Nomes” (1989), composta de centenas de sacolas plásticas com logotipos comerciais cobrindo as paredes do espaço expositivo, é enveredar por uma espécie de arqueologia da cultura e deparar com marcas, costumes e tecnologias que não existem mais. Reconhecer os logotipos de marcas como a loja de discos Tower Records ou o filme fotográfico Kodacolor Gold é dar-se conta da obsolescência das mídias e de nosso novo estatuto cultural.
Quando realizou esse trabalho, em 1989, Jac Leirner incutia, por trás da sedutora camada de cores e formas de suas coleções de sacolas, seu comentário sobre a sociedade de consumo. O comércio, a publicidade e o mercado sempre foram sua matéria-prima. “Sua obra é conhecida pelo interesse que demonstra por tudo o que circula no mundo (mercadorias) e pelo que torna tal circulação possível (o dinheiro)”, escreve o curador, Moacir dos Anjos, no catálogo da mostra.
Observadas desde nosso ponto de vista, suas séries com notas de cruzeiro também formam uma arqueologia da economia inflacionária que tivemos durante décadas no Brasil – e em cujo ápice, os anos 1980, Jac Leirner começou sua atividade artística. São fartas as obras em exposição que, ao explorar o recurso da repetição e o acúmulo de notas de 100 cruzeiros e, mais tarde, de 100 cruzados, remetem à escalada de desvalorização do capital nacional.
“Sou uma herdeira do Modernismo. Lucio Fontana, Paul Klee, e Josef Albers estão explicitamente presentes nesses trabalhos”, declarou Jac Leirner em uma entrevista sobre sua série recente de sacolas recortadas e perfuradas, intitulada “Vazio”. Não seria arriscado dizer que “Boogie Woogie”, o tributo que Mondrian prestou às luzes da Broadway, em forma de pontos de cores, também esteja explicitamente presente em “Hip-Hop” instalação de Jac Leirner com fitas adesivas coloridas recortadas sobre parede.
Mais que com Mondrian, Fontana ou Klee, porém, Jac Leirner se relaciona intimamente com a tradição construtiva brasileira.
Isso está presente na estrutura modular com que organiza os materiais industrializados em suas instalações, mas também em suas pequenas pinturas à aquarela, trazidas a público pela primeira vez.
Exposição da americana Nan Goldin periga não acontecer, O Globo
Exposição da americana Nan Goldin periga não acontecer
Matéria originalmente publicada na seção de Cultura do jornal O Globo em 28 de novembro de 2011.
Prevista para janeiro, mostra com imagens polêmicas vira alvo de briga
Na época, Nan já enfrentava problemas para expor trabalhos e publicar livros, mas pregava que "a arte não pode e não deve ser regulada pelo Estado".
RIO - A fotógrafa americana Nan Goldin, que ganhou fama internacional por ter registrado com sua lente escrachada e invasiva o submundo das drogas e do sexo nova-iorquino nas décadas de 1970 e 1980, está no centro de um polêmica que chacoalhou o meio artístico brasileiro no último fim de semana.
Nan chegaria ao Rio de Janeiro no próximo dia 20 para fotografar a ceia de natal de um grupo de drag queens e travestis brasileiros, como parte de seu projeto internacional "The other side". Também daria os toques finais na exposição que ficaria aberta ao público no Oi Futuro Flamengo entre os dias 9 de janeiro e 4 de março. No escopo da mostra, que tomaria três andares da instituição, a série de fotos "Empty rooms", em que se veem ambientes vazios onde Nan viveu experiências dramáticas, e os slideshows "Balada da dependência sexual", considerada sua obra-prima com mais de 700 fotos explícitas de sexo e drogas, "Heart beat", que mostra situações amorosas em geral, e o citado "The other side", que já incluiria as imagens feitas no Rio.
Entre os registros que ficariam à mostra, fotos em que se veem crianças nuas, homens e mulheres se masturbando e fazendo uso de drogas — universo no qual Nan sempre circulou e que costuma defini-la.
Na última sexta-feira, no entanto, Ligia Canongia, curadora da mostra, foi chamada para uma reunião no Oi Futuro e saiu de lá certa de que a exposição havia sido cancelada. Horas depois, sentou-se diante do computador e disparou um desabafo para mais de cem artistas cariocas e paulistas. No texto, ela dizia:
"Em reunião ontem, no Oi Futuro, fui comunicada pelo curador e pela direção do instituto que a exposição de Nan Goldin estava suspensa. Em ato arbitrário, prepotente e desrespeitoso com a artista, com os curadores e, sobretudo, com a obra de arte, a mostra foi censurada (...) A direção e a curadoria dessa casa simplesmente não sabiam quem era Nan Goldin e o conteúdo de suas imagens (...) Um trabalho de quase dois anos foi jogado fora, sumariamente. Atos como este só se inscreveram na história durante o nazismo, o fascismo e as ditaduras."
Apoio de artistas
Em 24 horas, Ligia recebeu mais de 30 respostas em apoio.
O artista Carlito Carvalhosa disse: "O trabalho da Nan é bom e poderoso, há décadas ela expõe no mundo todo e tem seu trabalho publicado. Mostra coisas que se passam todos os dias, em todos os lugares. Difícil saber o que é pior para uma instituição cultural, programar uma exposição sem saber do que se trata ou censurá-la. Faltou grandeza, coragem e potência, que é o que se espera de quem quer fazer cultura."
O também artista José Damasceno disparou: "Considero essa censura algo grave e inaceitável, o rompimento do contrato nessa escala é o próprio aniquilamento da responsabilidade onde prevalece o arrivismo e o atraso e compromete todo o esforço atual de se pensar o Rio de Janeiro como cidade cosmopolita."
O crítico de arte Fernando Cocchiarale questionou: "O que é pior para uma instituição cultural respeitável? Correr riscos ou satisfazer os setores mais conservadores, ficando estigmatizada ante seu público frequente por um ato de censura?"
E Agnaldo Farias, um dos curadores da 29 Bienal de São Paulo, que expôs a íntegra da "Balada da dependência sexual", ironizou: "Essa atitude se contrapõe ao próprio nome da instituição. Talvez eles tenham que repensar isso, para Oi Passado ou Adeus Futuro."
Ligia conta sua versão:
— No final de outubro, o Oi Futuro me pediu para ver as obras da Nan. Mandei alguns dos mais de 700 slides como exemplo — diz. — Aí pediram que tirássemos da mostra as fotos de crianças nuas. A Nan concordou, dizendo que, há tempos, tinha vontade de reeditar "Heart beat" mesmo. Então o Oi Futuro pediu que tirássemos toda e qualquer imagem de criança, mesmo vestida. Nan aceitou, mas disse que, no lugar dessas imagens, colocaria uma tela preta com a palavra "censurado" por acreditar que aquilo seria "uma mutilação muito grande" à obra. E foi aí que, na sexta-feira, me comunicaram na reunião que não fariam mais a exposição.
Em nota, o Instituto Oi Futuro nega o cancelamento da mostra. Diz que "não houve uma definição" sobre a realização da exposição de Nan já que a "reunião que foi realizada para este fim, na última sexta-feira, não foi concluída" . (Eles alegam que Ligia teria abandonado a sala no meio da conversa.)
Preocupada com a repercussão que a polêmica suscita, a assessoria de imprensa do instituto informou que "adota como praxe a análise prévia dos trabalhos que fazem parte da programação de exposições de seus centros culturais" para "certificar-se de que o material tem correspondência com a missão do instituto, voltado para projetos educacionais e a difusão das novas tecnologias como ferramenta de aprendizado entre crianças e adolescentes". Informou ainda que o material só foi enviado por Ligia para essa análise há uma semana e que esse processo ainda está em trâmite.
Em 2008, Nan Goldin escreveu um artigo no jornal britânico "The Independent" intitulado "It’s ridiculous that we treat child nudity as a problem" ("É ridículo que nós tratemos a nudez infantil como um problema", em tradução livre do inglês). No texto ela defende que a perversidade está nos olhos de quem admira sua obra, que as crianças nascem sem a sombra da sexualidade e que ela lhes é imposta com o passar dos anos. "Crianças são seres sensuais. Eles tocam e gostam de ser tocados. É o adulto que, algumas vezes, se aproveita dessa situação."
No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), estabelecido pela lei 8.069 e em vigor desde 1990, tem por objetivo garantir a proteção integral dos menores de idade. A legislação foi citada recentemente na liminar que proibiu a exibição no Rio de Janeiro de "A Serbian film — Terror sem limites", acusado de incitar a pedofilia. O filme, previsto para estrear em agosto, nunca entrou em cartaz no Brasil.