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novembro 4, 2011
Marina Abramovic faz em NY prévia de novo espetáculo por Verena Fornetti, Folha de S. Paulo
Matéria de Verena Fornetti originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 4 de novembro de 2011.
Apresentação ocorreu durante homenagem a William Basinski, dono do histórico clube Arcadia, no Brooklyn
"A Vida e Morte de Marina Abramovic" tem estreia prevista para abril de 2012 no Teatro Real, em Madri
A artista sérvia Marina Abramovic, uma das mais cultuadas no estilo performático, apresentou anteontem em Nova York um trecho do espetáculo "A Vida e Morte de Marina Abramovic", ópera que estreia em abril de 2012 no Teatro Real, em Madri.
O trabalho biográfico foi concebido por ela e Robert Wilson e inclui composições de William Basinski e Antony Hegarty, assim como apresentação do quarteto de mulheres liderado por Svetlana Spajic, que interpreta e compõe músicas inspiradas na cultura tradicional sérvia.
"A Vida e Morte de Marina Abramovic" teve pré-estreia no Festival Internacional de Manchester, em julho.
A prévia do espetáculo em Nova York foi exibida durante homenagem a Basinski, dono do clube Arcadia, pioneiro na revitalização de Williamsburg, no bairro do Brooklyn, em Nova York.
Conhecida por performances radicais em que trabalha os limites do corpo, Abramovic interpretou "Sal em Minhas Feridas", feita para ela.
"Marina não canta. Robert Wilson a desafiou e ela aceitou. É destemida", disse Basinski. A homenagem foi organizada pelo Issue Project Room, que apoia artistas.
Para o diretor-executivo Ed Patuto, o Arcadia tinha a proposta de deixá-los ousar, missão equivalente ao que o projeto assumiu atualmente.
"O Arcadia foi homenageado porque queriam mostrar como artistas criam desenvolvimento econômico. Eles vêm para uma área e criam vida", afirmou Basinski à Folha.
O Issue Project conduz a reforma do prédio histórico na Livingston Street, no Brooklyn, projetado pelo escritório McKim, Mead & White. Será um centro para apresentação de artistas. O trecho do espetáculo de Abramovic foi encenado no prédio.
novembro 3, 2011
Realidade transcendida por Adriana Martins, Diário do Nordeste
Realidade transcendida
Matéria de Adriana Martins originalmente publicada no caderno Artes Visuais do Diário do Nordeste em 3 de novembro de 2011.
Em sua segunda exposição individual, o fotógrafo Rodrigo Frota dialoga com a pintura por meio de imagens que priorizam construções estéticas
Na segunda metade do século XX, quando a fotografia, o vídeo, a pintura e outras linguagens visuais se mesclam irreversivelmente, as tradicionais categorias artísticas às quais eram atribuídas precisaram ser reconfiguradas.
É a partir dessa observação que o artista plástico e curador do Museu de Arte Contemporânea do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (MAC), José Guedes, situa a exposição "Pictoriais", do fotógrafo cearense Rodrigo Frota. A abertura acontece hoje, às 19 horas, no MAC.
Envolvido com a fotografia desde os 15 anos, Rodrigo, hoje com 26, tem uma longa trajetória no setor. "Pictoriais" é sua segunda exposição individual (em 2009, ele realizou "Fragmentos de Viagem", também no MAC, de teor mais documental), e diferencia-se de trabalhos anteriores pela proposta de desconstrução das linguagens fotográfica e da pintura.
Para além de figuras humanas, paisagens ou ambientes, as 29 fotografias que compõem a exposição desdobram-se em formas, cores e volumes cujos resultados são composições aproximadas do abstrato.
"As imagens foram feitas em diferentes países, como Portugal, Peru, Marrocos e Myanmar. Mas, não quis mostrar o lugar ou mesmo o assunto das cenas. A ideia era desconstruí-los, a partir de um olhar pictórico", explica Rodrigo Frota. "Por isso, sequer coloquei os nomes dos países ou identifiquei o objeto fotografado na exposição. Quero que o espectador viaje nas imagens", complementa.
Segundo Guedes, as fotografias foram selecionadas do vasto arquivo do artista, sob a orientação de que o assunto fosse menos importante do que a estética. "São praticamente abstrações da realidade. Rodrigo resolve muito bem aspectos como cor, enquadramento e luz", elogia o curador. "Afinal, hoje uma das maneiras de se fazer pintura é com a fotografia".
Entre as imagens de "Pictoriais" está a de um trabalhador de uma fábrica de tingimento de tecido, no Marrocos. As cores muito vivas e o movimento desfocado dos fios conferiram um resultado inesperado.
"Estava meio escuro, então comecei a trabalhar com a velocidade lenta do obturador. O homem puxava o pano de dentro de uma centrífuga e jogava para cima. Tentei algumas vezes até que deu certo. Os fios ficaram parecendo um monstro que sai da centrífuga, ainda mais com o braço de uma pessoa que estava atrás da cena. Só fui notar que ele apareceu depois", lembra Rodrigo.
A exposição apresenta ainda uma vídeo-instalação, produzida em parceria com o colega fotógrafo Aroldo Sabóia. "São texturas e sons sobrepostos, remasterizados a partir de imagens e samplers colhidos na internet, além de gravações em diferentes ambientes", explica Rodrigo. "O resultado mostra o indivíduo inserido em seu cotidiano na cidade, e a sensação de torpor que a rotina pode causar", finaliza.
Carreira
O apreço pela arte vem desde quando costumava acompanhar os pais em visitas a museus. Os estudos em fotografia começaram quando Rodrigo foi morar na Suíça, onde viveu dos 15 aos 18 anos.
"Meu pai tinha uma câmera profissional que eu adorava, mas não deixava mexer. Quando fui morar no exterior, precisei de um equipamento. Insisti tanto que ele acabou me cedendo", recorda, rindo.
Em Rolle, pequena cidade entre Lausanne e Genebra, Rodrigo cursou o segundo grau no Institut Le Rosey. Estudou também artes (na área de técnicas artísticas e história da arte) e fotografia (extensão), simultaneamente aos estudos.
"Fiz parte do clube de fotografia do colégio. Quando retornei a Fortaleza, estava interessado em cinema, mas como ainda era algo difícil, investi na fotografia", lembra o cearense.
Aqui, bacharelou-se em Publicidade e Propaganda pela Universidade de Fortaleza, onde trabalhou como fotógrafo do setor de marketing durante dois anos (primeiro como assistente, depois no posto oficial). O olhar atento necessário ao fotógrafo foi aprimorado com cursos extras e muitas viagens. "Nelas sempre procurava registrar a cultura e o cotidiano dos povos", ressalta Rodrigo Frota. Ele já teve trabalhos premiados e também publicados em importantes jornais do País, como o Diário do Nordeste e O Globo, na revista de cultura Bravo!.
No começo deste ano, Rodrigo Frota chegou a acompanhar o renomado fotógrafo Steve McCurry, da revista National Geographic (famoso pela imagem da menina afegã que foi capa em uma das edições célebres) em uma expedição a Myanmar (no sul da Ásia).
"Foi uma viagem em grupo, com profissionais de vários países. Conheci McCurry em um workshop dele. Conversamos muito e ele acabou me chamando para a expedição", brinca Rodrigo. "Normalmente esses grupos de fotógrafos visitam lugares nem um pouco turísticos, para os quais é difícil viajar sozinho. Por isso as pessoas se reúnem, é mais fácil e seguro", explica o cearense.
"Em Myanmar, exploramos espaços cotidianos das pessoas, como mercados, fábricas. Dividíamo-nos em pequenos grupos e cada um ia para determinado lugar. À noite, todos se juntavam para analisar o material", recorda.
O resultado foi tão positivo que Rodrigo já recebeu convite para outra expedição, em 2012, dessa vez na Índia. "Talvez McCurry vá, mas ainda não sei", conta o artista.
Exposição - "Pictoriais", de Rodrigo Frota. Abertura hoje, às 19 horas, no Museu de Arte Contemporânea do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. Gratuito. Em cartaz até 11 de dezembro. Horários de visitação: de terça a quinta, das 9 horas às 19 horas (acesso até 18h30) e de sexta a domingo, das 18 horas às 21 horas (acesso até 20h30). Contato: (85) 3488.8600
Obra-chave de Matthew Barney é exibida na íntegra por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Obra-chave de Matthew Barney é exibida na íntegra
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 3 de novembro de 2011.
"O Ciclo Cremaster", a obra cult de Matthew Barney, composta por cinco filmes realizados entre 1994 e 2002, será exibido a partir de amanhã, no auditório da Bienal, em evento paralelo à mostra "Em Nome dos Artistas".
Barney é um dos principais artistas da mostra, e a exibição do ciclo, assim como a gratuidade aos sábados (além da habitual, aos domingos), faz parte de estratégia para levar mais público ao Pavilhão da Bienal. Até sexta passada, só 48.600 pessoas tinham visitado a exposição, média diária de 1.400 pessoas. Em épocas de Bienal, o número pode chegar a 10 mil.
A Pinacoteca do Estado, no mesmo período, teve em média 1.200 visitantes, graças à mostra "Olafur Eliasson - Seu Corpo da Obra" e à renovação de seu acervo. Foi na Pinacoteca, aliás, que o "Cremaster" completo foi exibido pela primeira vez, em SP, em 2004, lotando o auditório.
Para assistir ao ciclo na Bienal, que ocorrerá sempre aos sábados, às 15h, é preciso inscrever-se, grátis, 15 minutos antes.
Bienal põe na internet todos os catálogos de suas edições por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Bienal põe na internet todos os catálogos de suas edições
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 3 de novembro de 2011.
Até agora estão acessíveis 13 mil páginas, escaneadas dos documentos originais
Catálogo da Bienal de 2010 é o único que ainda não está no site; ideia é disponibilizar todo o acervo on-line
No ano em que comemora 60 anos de criação, a Bienal de São Paulo disponibiliza no site todos os catálogos de suas edições, com exceção do da última, no ano passado, que deve estar on-line quando terminarem as itinerâncias da mostra pelo país.
Até agora, estão acessíveis 13 mil páginas, escaneadas dos catálogos originais, em www.bienal.org.br/FBSP/pt/AHWS/Publicacoes.
"Foi uma coincidência com os 60 anos, mas a ideia faz parte de um projeto mais amplo, que é disponibilizar todo o acervo on-line", afirma Rodolfo Walder Viana, diretor-superintendente da Fundação Bienal.
Até o final do ano, segundo ele, estará no ar uma ferramenta básica que permitirá a obtenção de informações e conteúdos a partir de dez questões frequentes feitas por pesquisadores no Arquivo da Bienal, abrindo por artistas, eventos e obras. Já no ano que vem, pretende-se ampliar essa interface com a possibilidade de pesquisa com filtros e cruzamento de dados.
Até o momento, estão disponíveis 56 publicações, já que muitas Bienais tiveram mais de um catálogo, como a 24ª, organizada por Paulo Herkenhoff, que contou com quatro volumes.
Também estão acessíveis catálogos de mostras que aconteceram apenas uma vez, como a Bienal de Arte Latino-Americana, de 1978, ou a Bienal Brasil Século 20, de 1994. Um dos destaques é a publicação dedicada ao artista Flávio de Carvalho (1899-1973), que teve uma mostra especial na 17ª Bienal, em 1983. O livro "Bienal 50 Anos" (2001), que conta meio século de história do evento, editado por Agnaldo Farias, também está disponível.
Segundo Viana, todo esse projeto "não tem um patrocinador específico e foi feito com recursos próprios da fundação". Para sua realização, afirma o diretor, foram mobilizadas as equipes do arquivo histórico, de informática e de comunicação.
novembro 1, 2011
Os 7 Mandamentos da Arte por Gisele Kato, Bravo!
Os 7 Mandamentos da Arte
Matéria de Gisele Kato originalmente publicada no caderno de Artes Visuais da revista Bravo! em outubro de 2011.
BRAVO! Lista o que dá prestígio, dinheiro e fama a um artista no mês em que o Brasil recebe os clássicos contemporâneos
O mês de outubro de 2011 representará um marco nas artes visuais brasileiras. A partir de 30 de setembro, abre no prédio da Fundação Bienal, em São Paulo, a exposição Em Nome dos Artistas – Arte Contemporânea Norte-Americana na Coleção Astrup Fearnley. A mostra reunirá 219 peças, de 51 criadores, e é calcada na coleção do Museu de Arte Moderna de Oslo, capital da Noruega. Entre os nomes selecionados estão o britânico Damien Hirst e os norte-americanos Jeff Koons, Cindy Sherman, Richard Prince e Matthew Barney. Paralelamente, abre em São Paulo a mostra individual Your Body of Work (Seu Corpo da Obra), com dez instalações do dinamarquês Olafur Eliasson. Vale repetir a escalação: Hirst, Koons, Sherman, Prince, Barney, Eliasson. É como se houvesse uma exposição de Renoir, Van Gogh e Degas na Paris do final do século 19, auge do impressionismo e época em que todos estavam vivos. A comparação não é absurd a. Neste outubro de 2011, São Paulo irá receber as obras de alguns dos artistas vivos mais importantes da atualidade. Por um período de dois meses, será a capital mundial da arte contemporânea.
“Estamos trazendo os ditos ‘novos clássicos’ para o país. São todos ícones, com uma influência enorme sobre o pensamento e o fazer artísticos do nosso tempo e que raramente são vistos aqui”, diz o presidente da Fundação Bienal, Heitor Martins, responsável pela vinda da coletiva ao Brasil. As exposições são um bom pretexto para pensar sobre a arte que se faz hoje. Diante das obras dos “novos clássicos”, como diz apropriadamente Heitor Martins, é possível tecer várias reflexões. BRAVO! organizou essas questões em forma de “mandamentos”, que expressam as principais características daquilo que se convencionou chamar de “arte contemporânea”. É interessante notar que uma exposição reunindo Van Gogh, Renoir e Degas em todo o seu esplendor e glória não seria possível. Simplesmente porque tais artistas não experimentaram, em vida, esplendor e glória comparáveis aos de Damien Hirst e Jeff Koons, para ficar nos dois mais ricos da constelação (claro que Hirst e Koons ainda têm que passar no teste da posteridade, no qual os impressionistas franceses já foram aprovados com louvor). Ricos no sentido monetário mesmo. Hirst é, sem sombra de dúvida, o ser humano que mais ganhou dinheiro com criação artística na história ocidental.
O curador de Em Nome dos Artistas, o islandês Gunnar Kvaran, um dos diretores do museu de Oslo, ressalta a importância que uma leitura do conjunto pode gerar: “Na exposição, unimos três gerações que acreditamos ter imprimido uma nova dimensão para a arte contemporânea”. A individual de Olafur Eliasson tem como curador o alemão Jochen Volz, também diretor artístico do Instituto Inhotim, em Minas Gerais. Com suas instalações, que mudam a paisagem das cidades, ele tem importância igual à dos principais artistas reunidos na Fundação Bienal. “Olafur desenvolve um trabalho de interação, absolutamente imersivo, sensorial, que precisa do contato das pessoas para acontecer em sua potência máxima. Ele pensa o espaço urbano”, diz Solange Farkas, presidente da Associação Cultural Videobrasil, que neste ano abre o segmento competitivo do festival para todas as linguagens.
A arte contemporânea não é uma linguagem acessível às massas. Ela se escora em uma série de teorias e procedimentos tão complexos quanto o teatro experimental, o cinema alternativo e a música contemporânea. Só que, diferentemente do teatro experimental, do cinema alternativo ou da música contemporânea – que sobrevivem em ambientes restritos ou financiados por universidades –, ela gerou um circuito milionário. Entender essa relação estreita e amigável entre arte e mercado é essencial para compreender a produção atual. Daí a razão do primeiro mandamento.
1 - AMARÁS O MERCADO SOBRE TODAS AS COISAS
O artista norte-americano Jeff Koons passa longe de ser uma unanimidade entre os estudiosos. “O que acho de Jeff Koons é: prefiro a Cicciolina!”, diz Rodrigo Naves, um dos principais críticos de arte brasileiros. Ele se refere ao fato de que entre 1991 e 1992 Koons foi casado com a atriz de filme pornô italiana Ilona Staller, a Cicciolina, e fez uma série de pinturas intitulada Made in Heaven (Feito no Paraíso), com cenas do casal em poses eróticas. Quem se importa com os críticos, porém? Foi-se o tempo em que uma resenha negativa demolia uma reputação ou traumatizava um artista a ponto de ele buscar outros caminhos (como ocorreu com a brasileira Anita Malfatti depois de sua obra receber reparos veementes do escritor Monteiro Lobato). Koons é frequentemente apontado como o maior escultor das últimas décadas. E isso vem ocorrendo desde novembro de 2007, quando sua peça Hanging Heart (algo como Coração Pendurado) foi vendida por 23,5 milhões de dólares na casa de leilões Sotheby’s de Nova York, tornando-o o artista mais valorizado do mundo. Em julho de 2008, outra obra icônica, Baloon Flower (Flor de Balão), saiu da casa de leilão Christie’s de Londres por 25,7 milhões de dólares. Mais um recorde. Dois meses depois, as peças brilhosas e sedutoras de Koons invadiam o palácio de Versalhes, na França.
Em outras áreas da cultura, o sucesso financeiro não é sempre sinônimo de qualidade. Na arte contemporânea, o mercado é uma poderosa fonte de validação artística de um trabalho. Calcula-se que no Brasil o montante de dinheiro que circula no mundo da arte seja da ordem de 300 milhões de reais por ano. Parece bastante. Mas não se comparado ao resto do mundo. De acordo com o levantamento da Tefaf (The European Fine Art Foundation), só em 2008, o total de vendas no mercado internacional atingiu 68,5 bilhões de dólares, sendo que os Estados Unidos e a Grã-Bretanha são responsáveis por dois terços desse montante. O Brasil, no entanto, junto com Rússia, China e Índia, os países ditos BRICs, continua sendo apontado como uma das grandes promessas. A aposta é tamanha nesse sentido que em julho deste ano foi lançado o primeiro fundo de investimentos especializado em arte no Brasil, o Brazil Golden Art. Ou seja, tem gente aqui que, em vez de aplicar hoje em empresas consolidadas na bolsa de valores, aposta pesado em... arte. A intenção dos sócios Heitor Reis, André Schwartz, Rodolfo Riechert e Raphael Robalinho é possuir em três anos uma das cinco mais importantes coleções contemporâneas do país, com nomes como os cariocas Ernesto Neto e Adriana Varejão e o pernambucano Tunga.
Se o preço de uma obra é uma instância para validá-la artisticamente, saber manipular os preços é um atributo desejável para um artista? Para o inglês Damien Hirst, com certeza. Nas noites de 15 e 16 de setembro de 2008 ele colocou à venda na tradicional casa de leilões Sotheby’s, em Londres, um conjunto de 223 trabalhos recém-saídos do ateliê, que intitulou Beautiful Inside My Head Forever (algo como Beleza na Minha Cabeça para Sempre). O martelo bateu para 97% das obras, compradas em sua maioria por investidores particulares, que juntos gastaram 198 milhões de dólares. Dois anos mais tarde, de acordo com reportagem da revista britânica The Economist, o valor das peças vendidas despencou para um montante equivalente a 10% desse total. Embora esse preço venha se recuperando gradativamente, é óbvio que Damien Hirst criou uma bolha com a própria produção, usando um procedimento clássico do mercado de ações: vender o máximo possível na alta – e provocar uma baixa logo depois por causa da inundação do mercado com um mesmo tipo de produto. É como se Hirst dissesse que, num ambiente cada vez mais dominado pelo mercado, entender seu funcionamento é essencial para um artista. É como se sua bolha fosse, por si só, uma performance.
2 - NÃO PRECISARÁS DOMINAR A TÉCNICA
Depois que o francês Marcel Duchamp (1887-1968) expôs um urinol como obra de arte, em 1917 (a obra se chamava Fountain, “fonte”, em inglês), a concepção de que um artista precisa saber pintar, esculpir ou fotografar ficou definitivamente para trás. Muitas das imagens assinadas pela norte-americana Cindy Sherman, por exemplo, não foram tiradas por ela. Isso ocorre, na cultuada série Untitled Film Still (algo como Instantâneos de um Filme sem Título), feita no fim dos anos 70. Em vários dos cliques, a artista, que se consagrou por encarnar diferentes personagens na frente da própria câmera, bateu ela própria as fotos usando um disparador com extensão. Em muitas outras, no entanto, apenas se colocou na posição de modelo e pediu para seu companheiro na época, o também artista norte-americano Robert Longo, apertar o clique. Em outras ocasiões, os autores dos disparos eram amigos. Cindy, no entanto, assina todas as fotos. Afinal, a ideia é dela. Desde Duchamp, o que faz de alguém um artista são suas ideias, e não suas habilidades manuais.
O mesmo ocorre com o britânico Damien Hirst, que depende de técnicos das mais diversas áreas, inclusive surfistas e museólogos na Austrália, para colocar de pé obras como seu famoso tubarão-tigre de cinco metros de comprimento, que foi exposto em galerias boiando num tanque com formol. Ou para o norte-americano Jeff Koons, que também não chega às esculturas perfeitas imitando balões e outros artigos kitsch sozinho. Oitenta pessoas trabalham para ele atualmente em Londres, fazendo cálculos, tirando moldes, lixando as peças. O processo ocorre até mesmo com as suas pinturas: “Koons, pessoalmente, quase nunca põe um pincel na tela. Sua primeira ideia de um quadro pode ser uma foto de revista ou um retrato tirado por ele mesmo. O artista o escaneia no computador e depois o manipula ou o combina com outras imagens. Daí até a aprovação final, ele controla todos os passos de um processo que é essencialmente industrial, percorrendo o estúdio como um Argos de mil olhos, atento à execução precisa dos mínimos detalhes de suas decisões”, descreveu o repórter especial da revista norte-americana The New Yorker, Calvin Tomkins, no livro As Vidas dos Artistas.
Por causa disso, o modelo da renascença, adotado nos séculos 15 e 16 pelos mestres italianos Leonardo da Vinci (1452-1519), Rafael (1483-1520) e Michelangelo (1475-1564) e depois incorporado em larga medida na Factory do norte-americano Andy Warhol (1928-1987), nos anos 60, é agora retomado pelos artistas com força total. A maioria deles trabalha com muitos assistentes. Se o que importa mesmo é a ideia, e não mais a habilidade manual, por que não dividir esse trabalho com outros? É mais ou menos assim que os ateliês e estúdios profissionais funcionam hoje. Até porque as obras atingiram níveis de tamanha sofisticação que um artista raramente consegue sozinho viabilizar uma delas. A instalação de Olafur Eliasson que reproduz uma cachoeira (quatro delas foram distribuídas pelo East River em Nova York, em 2008), por exemplo, e que ganhará uma versão paulistana no Sesc Pompeia, em São Paulo, depende de conhecimentos de engenharia, no mínimo. “Minha equipe fixa é formada por 50 pessoas, entre jovens artistas, técnicos e arquitetos. Além disso, no meu estúdio em Berlim mantenho uma escola para mais 20 estudantes de arte. Acredito muito em um espaço assim, multidisciplinar”, diz Olafur. Essa lógica aplica-se até com donos de produções aparentemente mais simples. A iraniana Shirin Neshat, que participa da coletiva Em Nome dos Artistas com a obra Fervor, um vídeo de 2000, mantém em seu estúdio em Nova York sempre o mínimo de quatro pessoas trabalhando para ela – artistas gráficas, designers e editores.
O artista paulistano Nelson Leirner — tema de um documentário que estreou no mês passado, intitulado Assim É Se Lhe Parece, com direção de Carla Gallo – é dono de uma obra que reflete justamente sobre a questão da técnica. Ele nunca pintou um quadro na vida. O que faz é se apropriar de objetos existentes e dar-lhes novo significado. Geralmente carregado de ironia. Não por acaso, o artista, que no Brasil fundou o grupo Rex, em 1966, contra o sistema de arte, conheceu Duchamp pessoalmente e juntos jogaram uma partida de xadrez: “Eu me identifiquei muito com Duchamp, Man Ray (1890-1976) e Francis Picabia (1879-1953). O jogo dadaísta, a brincadeira, o despojamento deles me fascinou”, diz Leirner no filme.
3 - APRENDERÁS A FALAR SOBRE SEU TRABALHO
Num mundo em que a ideia é tão ou mais importante do que a execução, dominar a palavra é tudo. Tanto que os artistas aprendem isso desde a faculdade. No departamento de artes plásticas da Universidade de São Paulo, os alunos passam pelas aulas ministradas por Ana Maria Tavares e Mario Ramiro, em que são incentivados justamente a falar sobre o próprio trabalho. A jornalista canadense Sarah Thornton, que escreve sobre arte contemporânea para a revista inglesa The Economist e lançou no Brasil no ano passado o livro Sete Dias no Mundo da Arte, dedicou um capítulo da publicação para tratar desse assunto. Ela acompanhou a aula de crítica do CalArts, como é conhecido o California Institute of the Arts, em Valência, Califórnia. Lá, os estudantes são preparados justamente para discorrer sobre suas criações diante de uma plateia: “Críticas grupais oferecem uma situação única – ‘utópica’, dizem alguns –, na qual todos se concentram na obra do aluno com a determinação de compreendê-la da forma mais profunda possível. As críticas também podem ser rituais dolorosos que lembram interrogatórios, nos quais os artistas são obrigados a racionalizar seu trabalho e se defender de um fluxo de opiniões pouco refletidas que os deixa arrasados. (...) mas acredito que a dinâmica nesta sala é fundamental para compreender como o mundo da arte funciona”. “Ter um discurso ajuda muito. Um artista que se comunica bem é mais bem compreendido por curadores, pelos galeristas e pelo público. Por outro lado, acho que isso só não basta. O discurso não sustenta por si só um trabalho”, diz o curador Moacir dos Anjos.
É bem curioso notar que a maioria dos artistas de hoje com idade abaixo dos 50 anos possui um diploma de artes plásticas. E talvez não seja tão forçado ligar esse dado à intensificação de seu diálogo com o circuito do qual fazem parte. Nunca foi tão importante para um artista saber circular direitinho por ele. É também na faculdade, onde geralmente eles formam um grupo de contatos fundamental para a trajetória profissional: “O cara trancado em seu ateliê na esperança de ser revelado ao mundo não existe mais, como Van Gogh e Gauguin num passado romântico”, diz o curador Cauê Alves.
4 - PERTENCERÁS A UMA GALERIA
É um movimento quase simultâneo. Os artistas recebem o canudo das faculdades e imediatamente passam a integrar o elenco de alguma galeria. Muitos deles assinam contratos com endereços comerciais antes mesmo da formatura. E a quantidade de galerias dispostas hoje a absorver esses novos nomes revela bastante sobre o circuito. Indica o quanto o setor está aquecido. E prova também como o sistema se profissionalizou. A carreira de artista tem atualmente etapas tão bem definidas, e encontra-se tão escorada por marchands, colecionadores, leilões e exposições, que até perdeu um pouco do caráter aventureiro e um tanto arriscado que sempre a acompanhou. “Acho isso muito positivo. É difícil para um artista vender também sua obra, estabelecer preços. Os galeristas ajudam no planejamento da carreira e apresentam os artistas a círculos de amizades importantes”, diz Fernanda Feitosa, diretora da SP Arte, a feira internacional de arte contemporânea que acontece há sete anos em São Paulo. “Na verdade, o mercado de arte sempre funcionou um pouco assim. Antes eram os mecenas, os marchands. Picasso tinha o seu.” Ela se refere ao mítico Ambroise Vollard. O pintor espanhol (1881-1973) fez inclusive um retrato de Vollard, com traços típicos do cubismo, entre 1909 e 1910.
O diretor do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, Tadeu Chiarelli, vê no entanto essa presença forte das galerias no circuito como algo incômodo: “Pertencer a uma galeria virou sinônimo de ser bem-sucedido”. Porém o número de endereços que abrem a cada ano e o volume de dinheiro que negociam é tanto que foi criada em 2007 no Brasil a Abact (Associação Brasileira de Arte Contemporânea), uma iniciativa das próprias galerias para mapear esse setor. A presidente da instituição é Alessandra d’Aloia, também sócia-diretora da prestigiada galeria Fortes Vilaça, em São Paulo.
5 - PARTICIPARÁS DE FEIRAS DE ARTE
Arco, em fevereiro, em Madri. Art Basel, em junho, em Basel, Suíça. Frieze Art Fair, em outubro, em Londres. Assim, por baixo, dá para dizer que são organizadas hoje cerca de 30 feiras internacionais de arte contemporânea no mundo. Mais de duas por mês. E estão tão bem estruturadas, contando com o envolvimento das principais galerias e consequentemente dos grandes artistas da atualidade, que a colecionadores, curadores e críticos não resta outra opção senão a de visitar o maior número possível delas. Cumprir o extenso roteiro é uma boa estratégia para ficar por dentro de um circuito cada vez mais disposto a acolher as novidades. Na 7ª SP Arte, que ocorreu em maio deste ano, a diretora Fernanda Feitosa comemorou a participação de 89 galerias, 14 delas estrangeiras – a primeira edição tinha 40, uma delas internacional –, e o lançamento de 15 livros de arte ao longo dos quatro dias de evento. Estima-se que o volume de negócios fechados na feira tenha sido da ordem de 40 milhões de reais, o que corresponde a cerca de 30 a 40% do faturamento anual das galerias.
Se vão colecionadores, curadores e críticos, é importante que os artistas apareçam também. “Acho que o mercado brasileiro deu uma amadurecida nos últimos cinco anos em grande parte por causa da SP Arte. Porque é muito diferente um possível futuro colecionador entrar em uma galeria vazia para comprar algo e agora poder encontrar outros como ele em uma feira”, diz o paulistano Rodrigo Andrade, que começou a carreira na euforia da década de 1980, amargou anos de contenção e agora aproveita o reaquecimento do setor. “Nesse sentido, o evento ajuda tanto a dar segurança a um investidor, que vê várias pessoas fazendo lá o mesmo que ele, como estimula o desejo do público que gosta de arte a pertencer a uma classe. Uma tribo se reúne naqueles dias”, diz ele. Rodrigo, como muitos outros nomes brasileiros – entre eles, o paulista Paulo Pasta e o paulistano Caio Reisewitz –, costuma circular pelos corredores do pavilhão da Bienal durante a feira e aproveita assim para conversar com admiradores de seu trabalho. São muitas vezes os próprios artistas que respondem a dúvidas sobre o processo de fabricação de uma peça ao público, por exemplo. E vão dessa forma contribuindo para desmitificar um segmento que ainda bota medo em muita gente. Tem dado tão certo que, no mês passado, o Rio de Janeiro ganhou a sua feira, a ArtRio, aberta também por quatro dias, no píer Mauá.
6 - CONHECERÁS CURADORES
Dentro da estrutura do circuito hoje, pode-se dizer que a crítica teve seu papel diminuído. No lugar dos textos publicados em jornais e revistas, o pensamento mais analítico migrou para a organização das mostras coletivas. Os curadores são os novos críticos. São eles que selecionam artistas e suas obras para exposições que pretendem oferecer um panorama da produção atual e, dessa forma, atribuem leituras para esses conjuntos. Os curadores apresentam temas, sugerem relações entre criadores e apontam também revelações da área. Inclusive para galeristas e colecionadores. “Hoje até as feiras de arte têm curadores. O que antes era Igreja e Estado agora se mistura. Bienais e feiras têm muitas vezes conceitos tão próximos que ficam muito parecidas”, diz Cauê Alves, à frente neste mês do 32º Panorama da Arte Brasileira no Museu de Arte Moderna de São Paulo, ao lado de Cristiana Tejo, e que também responde como curador-adjunto da 8ª Bienal do Mercosul, em cartaz em Porto Alegre. Já o curador Moacir dos Anjos, que juntamente com Agnaldo Farias assinou a 29ª Bienal de São Paulo, no ano passado, relativiza essa aproximação: “As feiras chamam curadores como uma tentativa de legitimar um valor além do puramente comercial”.
Para um artista, tornar-se conhecido por curadores influentes significa não só a chance de integrar coletivas importantes e de visibilidade no meio como também a possibilidade de entrar de vez para o acervo de um museu de renome. O MoMA, o Museu de Arte Moderna de Nova York, já foi a instituição com mais poder para credenciar um artista. Hoje, seu prestígio já não é tão absoluto assim. Endereços como a Tate, em Londres, com o seu Turner Prize (prêmio que desde meados dos anos 80 revela talentos), e o Centro Georges Pompidou, em Paris, dividem a responsabilidade nesse sentido.
7 - VIVERÁS COMO UMA CELEBRIDADE
Em Londres, Damien Hirst é tão conhecido quanto uma estrela do rock. Dono de um restaurante descolado no bairro de Notting Hill, o Pharmacy, inteiramente concebido e decorado com peças suas, Hirst comporta-se em público de um jeito nada discreto. Cada lance do leilão histórico de setembro de 2008 foi exibido no YouTube. Ele gosta de superlativos. O colega Jeff Koons não fica atrás. No livro As Vidas dos Artistas, o crítico Calvin Tomkins relembra como o artista foi recebido na Bienal de Veneza de 1990, em que exibiu as primeiras telas da série Made in Heaven, com imagens inspiradas em fotos eróticas dele mesmo e da estrela italiana de filme pornô Cicciolina, sua namorada na época: “Legiões de paparazzi seguiam os dois pelas ruas, pedindo poses e autógrafos”. No blog Vernissage.tv é possível acompanhar em vídeo as aberturas das principais exposições de arte do mundo. Ou seja, os artistas deixaram de ser figuras por trás de suas obras e estão cada vez mais à frente delas. O público quer saber como se vestem, com quem circulam, o que bebem, como bebem. Correm boatos de que alguns deles estarão em São Paulo para a montagem da coletiva no parque do Ibirapuera. Olafur Eliasson já confirmou presença. Com gente como Hirst, Koons e Eliasson circulando nas ruas — e a câmera da Vernissage.tv atrás — a capital paulista terá mesmo ares de grande metrópole da arte contemporânea.
outubro 31, 2011
Sobre como domesticar o imprevisível por Felipe Scovino, Diario do Nordeste
Sobre como domesticar o imprevisível
Artigo de Felipe Scovino originalmente publicado no Caderno 3 do em 30 de outubro de 2011.
Crítico de arte reflete sobre a pintura contemporânea através do trabalho "Projeto para uma pintura com temporal #4", do artista visual Thiago Rocha Pitta
Experimentação e invenção soam cada vez mais como qualidades amplamente visíveis no campo da produção das artes visuais. Tornou-se fácil atualmente, aos olhares de certos críticos e curadores, a expansão de obras que abordam essas categorias. Quase um lugar comum ao se elogiar uma exposição contemporânea, invenção e experimentação parecem terem perdido a sua qualidade de serem raras (não que elas quisessem), frutos de uma intensa pesquisa que de certa forma qualificaria e apontaria uma inovação ao trabalho daquele artista.
Por outro lado, a cada vez que ouço que a pintura morreu, pergunto pelo cadáver. Nenhum desses delatores conhece o túmulo, mas são uníssonos em afirmar que a bidimensionalidade não mais o surpreendem. Talvez uma indicação para o surgimento (e logo excesso) de exposições, feiras e bienais com cara de parque de diversão. Há algo de previsível no reino da arte.
O recente trabalho de Thiago Rocha Pitta para as Cavalariças do Parque Lage comprova que uma ideia de previsibilidade também se depara com desvios inesperados. Projeto para uma pintura com temporal #4 é uma pintura que se coloca como expansão da própria ideia que se faz dela. Convertendo-se em uma instalação ambiental "com dados atmosféricos do lugar", como salienta o artista, a obra altera permanentemente a imagem que se faz dela: parte da ideia de um relevo topográfico que, produzido com limalha de ferro em um tecido de dimensões monumentais, sofre lentamente uma erosão pela excessiva umidade do local. Aqui a experimentação se coloca como minimalidade (e não confundir com minimal art). Portanto, com uma economia de gestos e métodos, o artista ativa uma potência que assim como a vida é vítima do tempo. Não percebemos mudanças, a não ser pelo contato prolongado e íntimo com aquele corpo-obra. Estar diante dele, apreender suas transitoriedades, é tê-lo como ser vivente. Fazer gravitar a instauração desse mundo sensível é estarmos abertos à nossa condição como habitantes do mundo. Parafraseando Merleau-Ponty, ser-no-mundo significa habitar o mundo, o que, originariamente falando, significa "estar condenado ao sentido, vivendo o mundo como já feito, antes de qualquer tematização, antes que qualquer pensamento sobre ele nos seja dado." Pitta nos alerta que o mundo não é o que eu penso, é o que eu vivo e ao viver é a experiência que me permite um saber primordial do real. Há a suspensão de uma qualidade de tempo para que o mundo se faça e seja percebido naquele tecido. Nessa experiência de tempo-duração, o cronológico fica em suspenso. As modificações no tecido - suas marcas, texturas e manchas - tecem a passagem de um corpo vidente e visível, meio geral de possuir um mundo. Essa temporalidade visível em marcas encontra ressonâncias no campo das artes visuais brasileiras nas obras de Amilcar de Castro, nas monotipias de Carlos Vergara e nas "pinturas" oxidadas sobre lona de José Bechara, entretanto Pitta funda o seu lugar da diferença: apesar de não haver o contínuo e marcante embate entre tela e pintor, essa obra nunca deixou de ser pensada como pintura. A sobreposição de volumes, a cor, a textura e o gesto da pincelada estão presentes, mas agora sendo decifrados por meio de camadas sobrepostas de oxidação, tons variáveis de ferro "corroendo o tecido" e numa estrutura que cada vez mais quer deixar de ser tela (o que é irredutível) para tornar-se pele.
Pitta constrói um tipo de discurso que escapa às armadilhas da pura reflexão, combinando estratégias variadas de ação que permitem passagens e conexões entre os campos da produção e da percepção. Em Projeto para uma pintura com temporal #4, o objeto não existe simplesmente no momento em que o artista o fabrica. Ele passa a existir a partir daquele momento e sempre se tornando diferente. Quer dizer, ele continua a ser objeto mesmo depois de feito. E isto marca um desvio nos estados de criação da história da pintura: a temporalidade registra agora mudanças (físicas e fenomenológicas) em um objeto que estabelece um compromisso íntimo e indelével com a diferença. Como configuração de estímulos dotada de uma substancial indeterminação, essa pintura habita a instância de um corpo, e como tal é reversível, ambíguo e em constante manifestação. Não satisfeito com a sua condição de ser objeto, essa pintura de Pitta é desejosa do imprevisível. É dominante entre as pinturas do artista uma busca em "aceitar o caos." Não há qualquer controle por parte do artista em determinar o espaço que aquela operação pictórica ocupará assim como a forma e o tamanho que passarão a existir. Pitta nos lembra que a arte habita esse território do desconhecido e a "função" do artista seria avançar em direção ao desconhecido mais fértil e melhorar cada vez mais a qualidade desse estado. O imprevisível se conecta com uma condição de tempo onde a criação artística é sinônimo dos verbos (de ação) operar e transformar, "sob a única reserva de um controle experimental onde só intervêm fenômenos altamente ´trabalhados´, e que os nossos aparelhos produzem, em vez de registrá-los."
Pitta cria um espaço que deixou de ser lugar de representação para se tornar ambiente de ação. Portanto, essa vontade de subverter se confunde muito com uma vontade de ficar indiferente aos movimentos do mundo. Nesse anseio, o artista inaugura uma família de ideias novas. Não é mais uma ideia que se acrescenta à quantidade de ideias no mundo; mas uma ideia que duvida de todas as outras ideias. Estamos diante de uma produção que possui uma espécie de elasticidade que a impulsiona no sentido da produção de novas formas, há uma compulsão à proliferação: a narrativa de suas obras não se esgota, se desdobra. Em seu processo artesanal de construir o espaço, o ferro articula e nos revela camadas sucessivas de tempo. Entre sutilezas e suavidades (por conta da oxidação do ferro), estamos diante de um território cambiante, mas essencialmente de um corpo que demonstra sua fragilidade e maturidade ao "envelhecer" e numa relação fenomenológica, por meio dessas rugas e deformidades, tornar visível o tempo.
A permanente construção daquelas ilhas de oxidação sob o tecido nos revela os campos de vazio que percorrem essa obra. O vazio se impõe como ativo; definitivamente, ele não é, como se poderia supor, algo inexistente, mas um elemento dinâmico e atuante. A forma como o vazio está inserido no sistema de reversibilidade e descontinuidade dessa obra, permite às unidades que o compõem, ultrapassar a oposição rígida e o desenvolvimento em sentido único e oferecer ao mesmo tempo a possibilidade de uma aproximação totalizadora com aquelas "ilhas" que compõem a obra.
Percorrendo esse campo da investigação, a obra de Pitta sempre se manifesta como uma pintura de paisagem, independente do suporte com o qual trabalha ou do sentido de invenção que constrói. Uma paisagem que se modifica ao mesmo tempo em que essa pintura se questiona se ela continua sendo pintura ou amplia a sua pesquisa para outros campos de produção poética. Crítico de arte, curador e pesquisador.
FELIPE SCOVINO
ESPECIAL PARA O CADERNO 3
Pesquisador. Parte do texto publicado, inicialmente, para a exposição do artista Thiago Rocha Pitta, nas Cavalariças do Parque Lage, no Rio de Janeiro, em 2010
Questões da pintura por Ana Cecília Soares, Diario do Nordeste
Questões da pintura
Entrevista de Ana Cecília Soares originalmente publicada no Caderno 3 do em 30 de outubro de 2011.
Curadora Daniela Labra discorre sobre as questões da pintura contemporânea. Ela acredita que, hoje, há espaço para as mais diferentes vertentes da pintura. A produção pictórica deve acompanhar o leque de possibilidades que a arte contemporânea oferece, sejam elas formais ou temáticas
Gostaria que você falasse sobre esses "altos e baixos" da produção pictórica.
A "Morte da Pintura" é um termo que tem a ver com a decretação do possível esgotamento dessa prática frente às experimentações formais e conceituais possibilitadas por diversas mudanças do entendimento acerca da arte, que são propostas por artistas e pensadores no início do século XX. Desde então a pintura, até hoje compreendida como obra de arte ´a priori´ (quando vemos uma pintura, sabemos que "é" uma obra de arte, independente de suas qualidade plásticas, estéticas), tem sido tratada com amor e ódio por artistas que insistiram na pesquisa pictórica, e por outros que simplesmente chutaram a velha prática consagrada desde o renascimento como plataforma nobre para a representação de cenas mitológicas, bíblicas, épicas, políticas, aristocráticas, entre outras. Se examinarmos rapidamente os períodos da arte nos últimos 100 anos, iremos constatar que os "altos e baixos" da pintura também estiveram de acordo com oscilações do sistema da arte moderno, o qual vai se complexificando ao longo do século XX. Podemos associar a dita morte da pintura a momentos em que o experimentalismo com outros suportes e as discussões acerca da representação na arte estiveram mais prementes.
Qual o lugar da pintura na arte contemporânea?
De certo modo, acho que estamos vivendo esse momento de retomada da produção pictórica após muitas experimentações formais e temáticas nos anos 90 (que veio após o boom da pintura pop e pós-expressionista dos anos 1980). O mercado de arte e a arte compreendida como "commoditie" é algo que está muito forte atualmente, e me parece que a pintura nesse contexto, sendo ela uma forma de arte mais convencional, ganha destaque nas galerias. Por outro lado, é interessante como artistas contemporâneos traduzem sua visão de mundo nesse suporte tão clássico. Ao mesmo tempo, a pintura se apresenta como mero suporte de transposição de imagens, de grafismos sobre tela, que nada tem a ver com uma discussão sobre a própria pintura, posto que o formato é "vendável". E o mercado está cheio disso, especialmente quando se trata de algo aparentemente despretensioso de conceito, como é o caso da produção de ´street art´ em geral, que sai da rua e vai para uma tela com chassi do mesmo modo que iria parar numa camiseta. É claro que há artistas excelentes que saíram das ruas, mas o trabalho deles se torna realmente interessante, como pintura, quando se dão conta que estão fazendo pintura - com toda a carga histórica desse suporte - e não apenas grafismos sobre tela.
A pintura contemporânea surge como contraponto em relação à arte moderna ou como resíduo de uma continuidade?
A pintura contemporânea, como prática artística, tende a ser colocada no mesmo patamar da videoarte, da fotografia, dos objetos, entre outros. Não do ponto de vista formal, claro, mas do ponto de vista de que não há mais uma hierarquização de práticas, de acordo com a crítica. Já para o mercado, a pintura e a escultura únicas e originais, sempre serão mais valiosas do que um desenho em papel ou uma fotografia com tiragem limitada.
Será que a pintura contemporânea esta fincada no presente sem ter projetos futuros?
O futuro da pintura vai depender da trajetória de cada artista como individuo. Não há uma "verdadeira" pintura nem um "movimento pictórico" contemporâneo. É o artista que deve cuidar de sua trajetória, independente de sua pesquisa artística, e disso vai depender o futuro de sua obra. Se ela perdurará ou não.
Em 2009, você desenvolveu a curadoria da exposição "Investigações Pictóricas". Como foi essa experiência? De que forma você desenvolveu o diálogo com as obras expostas?
Desde 2003, desenvolvo projetos relacionados a formatos menos convencionais como intervenções urbanas, performances e obras interdisciplinares, e discutir pintura numa exposição foi a possibilidade de pesquisar um pouco mais o assunto. A exposição ocorreu no MAC de Niterói, sob a direção de Guilherme Bueno, e reuniu sete artistas. O foco estava na diversidade temática e formal das obras, e pretendeu um recorte despretensioso da produção atual e das pesquisas possíveis. Assim, tínhamos obras quase escultóricas, em suportes tridimensionais, e também grandes pinturas que se aproximavam mais de uma noção clássica de pintura figurativa.
Artista de São Paulo mostra no Recife desenhos que se confundem com esculturas, Diário de Pernambuco
Artista de São Paulo mostra no Recife desenhos que se confundem com esculturas
Matéria da Equipe do diarioriodepernambuco.com.br originalmente publicada no caderno Viver s do Diario de Pernambuco em 30 de outubro de 2011.
O crítico de arte Lorenzo Mammi escreveu certa vez que os desenhos do artista plástico paulistano Claudio Cretti são esculturas e, por outro lado, as esculturas são desenhos. É isso mesmo que vai perceber quem for à exposição Coisa livre da coisa, em cartaz até 26 de novembro na Galeria Mariana Moura (Rua Professor José Brandão, 163, Boa Viagem).
O título da mostra é uma referência ao poema Origem, do livro de 1962, Lição de coisas, de Carlos Drummond de Andrade. “Desde 1997 trabalho com esculturas, embora os desenhos sempre estejam presentes. As obras têm relação, por exemplo, com a arquitetura, com o fato de eu morar em São Paulo, uma cidade que está sendo construída e descontruída a todo tempo”.
A exposição pode ser visitada, com entrada grátis, de segunda a sexta, das 10h às 19h. Aos sábados, a galeria abre das 10h às 14h.
Verdades e desmemórias por Paula Alzugaray, Istoé
Verdades e desmemórias
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na seção de artes visuais da Istoé em 28 de outubro de 2011.
Yuri Firmeza - Este lado para cima / Casa Triângulo, SP/ até 12/11
Em janeiro de 2006, o Museu de Arte Contemporânea de Fortaleza anunciou a exposição de um influente artista japonês chamado Souzousareta Geijutsuka. A imprensa local comprou a ideia e veiculou diversas resenhas produzidas a partir do press-release e também entrevistas realizadas por e-mail com esse artista versado em robótica e arte eletrônica, que citava Duchamp como sua maior influência. Acontece que, no dia da abertura, nada havia no MAC do Centro Dragão do Mar. Um dia depois, descobriu-se que Souzousareta Geijutsuka era uma ficção, criada pelo artista cearense Yuri Firmeza, dentro do projeto Artista Invasor. O caso repercutiu como nenhuma exposição de arte contemporânea jamais repercutira. Tachada de “molecagem”, “provocação infeliz”, ou “um estranho conceito de criatividade”, o fato é que a obra teve o indiscutível mérito de desvendar os padrões que regem as escolhas da imprensa cultural, e, acima de tudo, escancarar sua negligência.
Esse enfant terrible da arte cearense faz agora sua primeira individual em uma galeria paulistana. Desta vez, sem sustos nem surpresas e repleta de objetos no espaço expositivo. A mostra gira em torno do conceito da fragilidade como potência política e como condição criativa, reunindo trabalhos inéditos e realizados nos últimos cinco anos. Entre eles chama especial atenção a videoinstalação “Vida da Minha Vida” (foto), de 2011, em que Firmeza trabalha com um tema bastante reincidente na produção artística contemporânea: a memória. Sua estratégia, no entanto, é particularmente instigante por ter escolhido abordar a perda da memória por uma paciente de Alzheimer. Em três telas, o artista projeta seu ensaio poético sobre essa experiência temporal sensorial e imprecisa, conferindo-lhe uma qualidade criativa.
Política em duas dimensões por Nina Gazire, Istoé
Política em duas dimensões
Matéria de Nina Gazire originalmente publicada na seção de artes visuais da Istoé em 28 de outubro de 2011.
Retrospectiva de Maria Bonomi reúne 250 trabalhos e resgata as dimensões pública e política de sua obra
Em 1938, o líder comunista Leon Trotski, o surrealista André Breton e o artista Diego Rivera se reuniram para debater o papel da arte em um mundo pré-guerras. O resultado foi o manifesto Por uma Arte Revolucionária Independente, que pregava a importância dos grandes murais – arte na qual Rivera é mestre – como um instrumento de tomada de consciência. Naquele período ainda não se falava em arte pública ou arte de rua como as concebemos hoje. A ideia estava mais ligada aos efeitos pedagógicos provocados pelo impacto da monumentalidade. Na exposição “Maria Bonomi em Brasília – da Gravura à Arte Pública”, retrospectiva que abarca 60 anos da produção dessa importante artista nascida na Itália e radicada em São Paulo, é possível perceber essa concepção política e revolucionária da arte pública.
Para Maria Bonomi, o que vale na arte é seu efeito político: seja ele produzido pelo mural, seja pela gravura em pequena dimensão, seu formato mais praticado. “É possível transformar uma gravura pequena da Maria em um tamanho grandioso, e o trabalho, ainda sim, resiste à mudança de escala. Você tem um objeto denso e admirável”, diz o historiador Jorge Coli, curador da mostra. A retrospectiva é organizada em três núcleos conceituais: os anos de formação, a arte política e o universo feminino. Em qualquer um deles, percebe-se que Maria Bonomi possui uma constância formal e conceitual em sua produção como poucos artistas em longa atividade.
No primeiro segmento, estão expostas as obras de caráter monumental, além das matrizes que geraram trabalhos em grande formato. Há também uma projeção de imagens de suas obras públicas, como o painel “Etnias”, que integra o Memorial da América Latina, em São Paulo. Entre os trabalhos que a artista assumidamente dedicou à questão feminina, convivem elogios e críticas. Em 1969, ela produziu “Homenagem a Nara Leão” e, hoje, ela aborda o mundo das celebridades na série em bronze “Paris Rilton”. Já na terceira e última sala, a Sala Política, se concentram gravuras produzidas durante os anos de chumbo.
Para além da retrospectiva, a mostra também apresenta o trabalho mais recente da artista plástica, a xilogravura “A Ponte”, na qual ela tece um comentário sobre a transitoriedade da vida, além de uma nova série de 20 esculturas inéditas em metal. “A ideia é mostrar que esses objetos, que foram e continuam sendo criados a partir da gravura, formam uma obra inacabada”, diz Coli, enfatizando que, aos 76 anos, Maria Bonomi está em pleno processo, produzindo uma obra que está longe de se esgotar.
A Gentil Carioca Lá exibe a partir de hoje dez vídeos na parede de um edifício vizinho por Audrey Furlaneto, O Globo
A Gentil Carioca Lá exibe a partir de hoje dez vídeos na parede de um edifício vizinho
Matéria de Audrey Furlaneto originalmente publicada no segundo caderno do O Globo em 28 de outubro de 2011.
Crianças brigam na chuva, e Cao Guimarães as observa de dentro de casa. O artista e sua visão em Super 8 ganham, agora, outra janela, bem maior do que a primeira: “Da janela do meu quarto” será projetado na parede externa de um prédio na Lagoa, como parte da mostra “Curta Gentil”, da galeria A Gentil Carioca Lá. Em parceria com o Curta Cinema, importantes exemplares da videoarte nacional serão exibidos, de hoje a 6 de novembro (dia do filme de Cao), sempre a partir das 20h30m, no edifício vizinho à filial da galeria, entre as ruas Joana Angélica e Vinicius de Moraes.
Dez curtas compõem a programação e poderão ser vistos de diversos pontos da Avenida Epitácio Pessoa (a parede tem 12 metros). Na lista há nomes conhecidos da arte, como o próprio Cao, Marcos Chaves, Matheus Rocha Pitta e Marcellvs L., e do cinema, como Marcelo Gomes e Karim Aïnouz. A abertura, hoje, será com “Cópia/Colares”, de Marcos Chaves.
— Temos a ideia de ocupação pública da arte. Penso a arte como uma bomba de cultura, seu alcance se dá a partir da vizinhança — diz Márcio Botner, da Gentil Carioca, que inaugurou o “braço” na Lagoa em agosto.
As projeções remetem ao projeto Parede Gentil, que usa como base uma parede de dez metros de comprimento na sede da galeria, no Centro. Em seis anos, o espaço foi tela para 15 trabalhos. Agora, além das projeções, a mostra “Curta Gentil” exibirá, dentro da galeria da Lagoa, obras de sete artistas de seu acervo. A programação inclui palestras sobre arte e cinema, nos dias 1º e 2 de novembro.