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outubro 25, 2011
A viagem como bandeira por Paula Alzugaray, Istoé
A viagem como bandeira
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na seção de artes visuais da Istoé em 14 de outubro de 2011.
O 32º Panorama da Arte Brasileira, no MAM-SP, elege a estética da viagem como moeda comum da produção contemporânea
Itinerários, itinerâncias – Panorama da Arte Brasileira 2011/ Museu de Arte Moderna de São Paulo, SP/ até 18/12
Nos últimos dez anos, vivemos uma grande aceleração do tempo por conta das novas mídias e da globalização. O Brasil cresceu economicamente, a classe C ganhou lugar ao sol, os aeroportos estão um caos e as filas de táxi não param de crescer. Com essa introdução espirituosa, o curador Cauê Alves argumenta sobre as razões que o levaram, em parceria com a curadora Cristiana Tejo, a eleger o tema das viagens e deslocamentos para guiar as escolhas do Panorama da Arte Brasileira 2011. “Para além desse pano de fundo, o que nos interessa mesmo é o nosso circuito de arte, que amadureceu com leis de incentivo, editais, prêmios, residências, feiras, formando redes”, completa ele. A constatação dessa nova paisagem institucional levou os curadores a orientar a escolha dos 40 artistas em exposição no MAM a partir daqueles que integram coletivos e redes de trabalho ou que acabaram de viver a experiência de produzir as suas obras durante uma viagem ou residência artística.
Integram a mostra coletivos de artistas que trabalham juntos há cerca de dez anos, como o GIA (Grupo de Interferência Ambiental) ou o Ateliê Aberto, que apresenta a obra “Imagens Transportadas” – fotografias adesivadas em caminhões que estão em circulação pelo Brasil afora –, concebido para ser visto em movimento. Sendo o tema da mobilidade tão vasto quanto onipresente na cultura contemporânea, é natural que essa seja uma exposição repleta de mapas, relatos e roteiros – que, por mais intensos que tenham sido para o viajante, nem sempre compensam ser revividos pelo espectador. Mas, entre eles, há gratas exceções como a viagem de Pablo Lobato, que fez uma rota de igrejas abandonadas do interior de Minas Gerais, acompanhado do percussionista Djalma Correa, em um périplo que resultou numa composição musical para sinos, em forma de videoinstalação em três telas. Entre as descobertas da viagem a identificação de células rítmicas africanas nos toques religiosos.
“Partimos de três perguntas: quando a itinerância da arte resulta em redes? Quando ela resulta em sobras, relatos, vestígios? E quando resulta em fatos estéticos?”, continua o curador Cauê Alves. Esta última pergunta talvez seja a que tenha rendido os melhores frutos à exposição, já que implicou em obras que avançam alguns passos em relação ao clássico “caderno de notas” – já tão explorado pela arte contemporânea. É quando o artista se pretende mais inventor do que observador do mundo. Esse é sem dúvida o caso da escultura de Wagner Malta Tavares, feita com cadeira e vela de barco. “Nave” (2009-11) é um objeto contraditório, que articula iconografias relacionadas ao movimento ou à impossibilidade dele. A cadeira, que não sai do lugar, serve de suporte para uma imponente vela prateada que mais parece um estandarte ou um emblema de uma viagem impossível.
Também trabalhando com a estética dos vestígios, Rodrigo Matheus cria, com os restos da montagem do Panorama, um roteiro de canteiros de obras, em trajeto que culmina em um obelisco iluminado, na porta de saída do MAM. Esse é um grand finale (arrematado pela trilha sonora do duo Chiara Banfi e Kassin, lá fora, sob a marquise do Ibirapuera), que vem oportunamente chamar a atenção para a institucionalização da viagem, na forma do monumento turístico.
Não é incomum que as grandes exposições de arte optem pela estratégia de munir o público com perguntas, sem arriscar respostas. Esse é o caso de ‘Itinerários, Itinerâncias”, que supre o público com três boas perguntas e, assim, redime-se da “pretensão” de definir o que é a arte brasileira hoje. A tarefa cabe ao espectador atento, se fizer direito a lição de casa.
ARTE, S.O.S. por Silas Martí, Folha de S. Paulo
ARTE, S.O.S
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 25 de outubro de 2011.
Arqueólogos com treinamento militar e agentes de restauro vão a zonas de guerra pelo mundo para proteger obras de arte em risco
Dias antes de deflagrarem os primeiros ataques aéreos à Líbia em março, na guerra que levou à morte o ditador Muammar Gaddafi na semana passada, tropas da Otan receberam um relatório com coordenadas dos sítios arqueológicos do país para evitar que fossem bombardeados.
Quando o conflito avançou e rebeldes tomaram Trípoli, dois agentes militares com especialização em arqueologia foram à Líbia para ver de perto os estragos da guerra.
Agora, com o leste do país sob controle das forças aliadas, uma nova missão, com restauradores e outros especialistas, está sendo planejada, para ver o que ficou de fora das primeiras inspeções.
Cada vez que uma guerra ou desastre natural ameaça o patrimônio histórico e artístico de um país, agentes do Escudo Azul, órgão internacional que tem o mesmo peso que a Cruz Vermelha nas Nações Unidas, entram em ação em missões desse tipo.
"Este foi um momento intenso para nós, com a Primavera Árabe, o tsunami no Japão e as ações de rescaldo do terremoto no Haiti", afirmou France Desmarais, diretora do International Council of Museums (Icom), que representa museus de 140 países, numa entrevista em Brasília.
Ela é uma canadense fluente em árabe, que, de Paris, coordena as ações do Escudo Azul e do conselho global de museus. Desmarais esteve em Brasília na semana passada num seminário sobre prevenção de risco a obras de arte.
"Quando algo acontece, fazemos uma advertência oficial e uma lista de obras em perigo", diz Desmarais. "Uma das listas já evitou que 1.500 peças históricas fossem traficadas do Afeganistão para Londres, todas apreendidas no aeroporto de Heathrow."
Em tempos de guerra, esse é o segundo destino mais comum de obras de arte. Ou são destruídas no conflito ou acabam surrupiadas para engrossar coleções ilegais -o tráfico de obras movimenta, segundo Desmarais, cerca de R$ 10,6 bilhões a cada ano.
E agentes trabalham nas duas frentes. Foi o Escudo Azul que repassou as coordenadas de sítios históricos aos militares na Líbia, enquanto o Icom, associado a esse órgão, elabora listas de peças em risco e repassa a informação a agentes da Interpol.
No levante contra o ditador Hosni Mubarak, no Egito, houve saques ao Museu Egípcio e sítios arqueológicos também estavam ameaçados.
"Houve um grande tumulto e danos graves aos museus", conta Thomas Schuler, cérebro das missões à Líbia e ao Egito e responsável pelo recrutamento dos agentes do Escudo Azul.
"Nem a Interpol sabia o que estava havendo. Precisávamos entrar como observadores e ver se boatos de destruição eram verdadeiros."
DESASTRES NATURAIS
Em casos de desastres naturais, como o terremoto que arrasou o Haiti no ano passado, grupos como o Escudo Azul ou o Instituto Brasileiro de Museus, órgão do Ministério da Cultura, também coordenam ações de resgate.
Na presidência rotativa do Ibermuseus, conselho dos museus ibero-americanos, o Brasil está envolvido na reconstrução de um museu de arte naïf em Porto Príncipe.
Nos primeiros dias depois da catástrofe, homens do Escudo Azul foram à ilha avaliar os danos, convocando arquitetos de todo o Caribe numa equipe de 80 pessoas.
"Havia enormes rachaduras nas paredes e não pudemos entrar em muitos museus", lembra Schuler. "Tivemos de trazer mais especialistas para resgatar objetos."
outubro 24, 2011
Europalia dá visibilidade ao Brasil, mas sofre com desorganização e interferências do governo por Suzana Velasco, O Globo
Europalia dá visibilidade ao Brasil, mas sofre com desorganização e interferências do governo
Matéria de Suzana Velasco originalmente publicada na seção de Cultura do jornal O Globo em 23 de outubro de 2011.
RIO - O designer Tulio Mariante levou um susto na última quarta-feira, quando, ao abrir o convite para a exposição "Design Brazil", da qual é curador no festival Europalia, na Bélgica, deu de cara com uma cristaleira do designer paulista Maurício Arruda, com quem nunca falou. No dia seguinte, descobriu que uma escultura de Hugo França embarcaria à sua revelia e que uma das obras selecionadas por ele, do designer Pedro Braga Leitão, ficaria de fora. Era apenas um capítulo de um conflito entre o Ministério da Cultura (MinC) - organizador do evento dedicado ao Brasil e aberto no último dia 4 - e curadores das exposições, como Alfredo Brito, Lorenzo Mammi, Guy Bueno, Guy Veloso, Sonia Salcedo e Flora Sussekind, selecionados por Adriano de Aquino, curador-geral do festival. Alguns deles agora se organizam para entrar com uma ação judicial em conjunto contra o MinC, para receberem os R$ 50 mil combinados com Aquino sem contrato. No mês passado, eles foram informados por e-mail de que o cachê seria menor.
Há dois dias fui procurado por três curadores que, assim como eu, estão dispostos a ir à Justiça para receber os R$ 50 mil que nos foram prometidos - afirma Guy Veloso, fotógrafo, advogado e curador da mostra de fotografia "Extremes". - Só me informaram que eu receberia R$ 30 mil quando a exposição já estava no avião.
Curadoria em xeque
Aquino diz que o valor de R$ 50 mil estava na perspectiva de gastos aprovada pelo comissariado da Europalia no Brasil e que serviu de base para a captação de financiamento via Lei Roaunet. Mas, em setembro, sem a sua participação, o governo criou uma tabela baseada no teto estipulado pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), dividindo os curadores em três níveis. Os que montaram as exposições grandes receberão os R$ 50 mil; os responsáveis por mostras de médio porte ganharão R$ 30 mil; e os de mostras pequenas, R$ 15 mil.
O cachê dos curadores é parte do orçamento de R$ 30 milhões - R$ 21 milhões dos ministérios da Cultura e das Relações Exteriores e R$ 9 milhões via Lei Rouanet. Mas, como esses recursos foram liberados menos de um mês antes do início da Europalia, os gastos, a produção e a comunicação entre curadores, governo e produtoras foram afetados. Até 15 de janeiro de 2012, o evento reunirá 18 exposições, como "Art in Brazil (1950-2011)", que reúne obras de Hélio Oiticica a Henrique Oliveira, além de 45 grupos musicais, 40 apresentações de teatro e 57 de dança, mais 90 palestras e conferências, que o MinC espera que atraiam dois milhões de pessoas. Como as exposições - que reúnem arte moderna e contemporânea, entre pinturas, esculturas, fotografias, projetos de design e arquitetura e peças indígenas - foram as primeiras atrações do festival, as artes visuais foram as mais prejudicadas pela correria.
Se por um lado a Bélgica está vendo uma programação de qualidade, com curadores e artistas de renome, chamam atenção as falhas nos aspectos mais básicos. Além da mudança no pagamento estipulada pelo MinC, houve problemas de embalagens no tamanho errado, de falta de passagens e hospedagens para artistas e de troca de obras, no caso da exposição com curadoria de Tulio Mariante. O diplomata Marcelo Dantas, que ocupa o posto de diretor-executivo da Europalia no Brasil, assume-se como o responsável pelas alterações na mostra "Design Brazil":
Os belgas se queixaram da seleção do Tulio. E, como a exposição não é dele, mas do MinC com a Europalia, pedi à produtora que fizesse as cinco modificações indicadas. Curador nenhum é dono de exposição alguma na Europalia. Ele está fazendo tempestade em copo d'água, e eu não vou ouvir piti por causa disso (leia entrevista com Marcelo Dantas abaixo).
Segundo Adriano de Aquino, a troca de obras é "inadmissível":
Escolhi curadores com farta experiência e estabeleci com eles uma relação de confiança e autonomia. Ao colocar em xeque as escolhas do curador Tulio Mariante, põem em xeque a minha também.
Os problemas decorrentes da produção apressada, entretanto, não se limitam aos curadores. Convidados para seis apresentações na Europalia, os 12 índios da aldeia Mehinaku viajaram por nove dias entre a Reserva Florestal do Alto Xingu, onde vivem, e Bruxelas. Segundo Makaulaka Mehinako, de 31 anos, eles foram de carro até a pequena cidade de Canarana, onde passaram uma noite até descobrirem a melhor forma de chegar a Bra$ília. No dia seguinte, acionados pelo MinC, representantes do Museu do Índio os levaram de ônibus até a capital federal, numa viagem que durou 14 horas.
Lá passamos cinco dias providenciando nossos passaportes. Ficamos hospedados numa pensão bem simples, sem água quente - diz ele, da Bélgica, aonde chegou no dia 11. - Mas nos apresentamos de cueca, não nus como na aldeia.
O artista Antonio Manuel também teve problema de transporte, mas com suas obras. Convidado para participar da exposição "A rua" pelo curador belga Dieter Roelstraete, que esteve duas vezes em seu ateliê, o artista desistiu de ir depois de receber as embalagens das obras no tamanho errado. Foi no dia 28 de setembro, dez dias antes da abertura.
Era impossível transportar as obras. Foi um improviso, um tratamento amador, indiferente com os artistas - reclama Antonio Manuel, cujo nome ainda está no site da Europalia, assim como o de Arthur Barrio, que também desistiu de participar.
Outros dois artistas também não embarcaram. Convidado pela curadora Sonia Salcedo para fazer uma performance, Romano recebeu a passagem três dias antes do voo. Já Ricardo Aleixo, que também participaria da programação de literatura, nunca foi contactado pelas produtoras responsáveis.
Não consigo entender por que um artista que foi convidado por dois curadores, um de artes visuais e um de literatura, não foi contactado por ninguém, não recebeu passagem e não sabe nada sobre cachê - diz Aleixo. - Deixar de ir não foi uma decisão minha. Mas não tenho todo o tempo do mundo para esperar as coisas acontecerem.