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setembro 22, 2010
Justiça vai retirar obra de Bienal com imagens de Serra e Dilma, diz curador por Silas Martí, Folha.com
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Folha.com em 21 de setembro de 2010
Segundo um dos curadores da 29ª Bienal de SP, a Justiça Eleitoral pediu a retirada da obra "El Alma Nunca Piensa Sin Imagen" (a alma nunca pensa sem imagem) da mostra, que abriu ontem para convidados (e abre neste sábado para o público).
Agnaldo Farias, curador ao lado de Moacir dos Anjos, diz que a diretoria da Fundação recebeu notificação considerando a obra ilegal.
"A justiça considerou o trabalho uma propaganda eleitoral. Não pode ter imagem de candidato em lugares públicos. A gente não pode contestar a decisão, porque corremos o risco até de ser presos", disse Farias
A obra do artista argentino Roberto Jacoby simula uma campanha eleitoral usando imagens dos candidatos Dilma Rouseff (PT) e José Serra (PSDB). Os artistas, trajando camisetas vermelhas com o nome "Dilma" e a estrela do PT, fazem uma espécie de campanha para a candidata.
Segundo Farias, a obra chegou pronta da Argentina e foi instalada pela equipe do artista. "Se soubéssemos que se tratava da Dilma, sabíamos que haveria problemas e teríamos avisado o artista."
A instalação será censurada a partir de hoje. A Bienal não decidiu se vai retirar o trabalho ou se vai cobri-lo com um pano. Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa do TRE-SP disse não conhecer o caso.
Quinta Paralela reúne obras de 82 artistas por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 22 de setembro de 2010
Diálogo entre os trabalhos é prejudicado por excesso de nomes e amarras da mostra
Na entrada da Paralela, um letreiro em néon reproduz uma frase de cinema. "Nada de mau se perdeu, nada de bom foi em vão." Regina Parra, conhecida por suas pinturas, troca de terreno e busca em "Stalker", de Andrei Tarkovski, um mote para sua instalação. É uma rara sensação de frescor nessa que é a mais tradicional mostra do circuito off-Bienal.
Talvez ofuscada pela edição anabolizada e pós-crise da exposição no Ibirapuera, essa Paralela atesta a verdade da frase na entrada. Nenhum dos maus vícios dos 82 artistas reunidos ali se perdeu, nem tudo que fazem de bom é em vão. São quase todas obras fortes alinhavadas num circuito pelo curador Paulo Reis, mas é inevitável uma sensação de déjà-vu.
Bancada por galerias paulistanas, que reformaram há dois anos o Liceu de Artes e Ofícios, onde acontece a mostra, a Paralela impõe ao curador escolher artistas de todas as casas envolvidas.
Por mais amplo que seja o projeto, a mostra acaba repetindo e misturando obras que pouco conversam, num diálogo muitas vezes truncado.
Está contraposta a nova pintura, de artistas como Tiago Tebet, Mariana Palma, Rafael Carneiro e Rodolpho Parigi, à secura dos cerebrais Felipe Cohen, Iran do Espírito Santo e João Loureiro. Num dos galpões, instalações de Sandra Cinto, Laura Vinci e Thiago Rocha Pitta desencadeiam um pensamento sobre a paisagem. São obras que refutam ou fabricam atmosferas paralelas com ondas, vapores e horizontes movediços de sal.
Esse discurso sustentaria toda a mostra, mas logo se embaralha noutros pontos, como a coerção dos ambientes urbanos, a violência das metrópoles e a fatura da cor.
André Komatsu, com uma pilha de tijolos, Lucas Bambozzi e seu puxadinho, Cao Guimarães com um vídeo do casamento de uma operária parecem entrar nesse segundo discurso, mas a leitura sofre quando entre eles existe uma avalanche de coisas.
Talvez fosse melhor abolir de todo o conceito e mostrar só um salão com todos os bons artistas da cidade. No letreiro lá fora, a frase continua assim: "Uma luz inunda tudo, mas deve haver mais".
Pedido da OAB-SP é ato assustador de censura por Alexandre Vidal Porto, Folha de S. Paulo
Matéria de Alexandre Vidal Porto originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 21 de setembro de 2010
Nota autoritária fere integridade da curadoria e subestima o público
Tem notícia que assusta. A seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil pedir por nota pública a exclusão de obras da próxima Bienal de São Paulo é uma delas.
O ato é assustador por várias razões. Primeiro, pelo caráter autoritário que revela.
Segundo, pelo entendimento equivocado que o motiva.
Por fim, porque, supostamente, é cometido em nome da defesa do Estado de Direito e das instituições democráticas. O presidente da seccional de São Paulo, Luiz Flávio Borges D'Urso, que assina a nota, perdeu uma boa oportunidade de omitir-se.
As obras que a OAB-SP sugere ocultar fazem parte da série "Inimigos", de Gil Vicente. São desenhos grandes (2 m por 1,5 m) feitos com carvão, nos quais o artista se retrata assassinando autoridades e figuras públicas. Entre as "vítimas", estão o presidente Lula, dois governadores de Pernambuco, a rainha da Inglaterra e o papa.
Segundo a OAB-SP, as obras demonstram "desprezo pelo poder instituído, incitando ao crime e à violência".
D'Urso argumenta que "uma obra de arte, embora livremente e sem limites expresse a criatividade do seu autor, deve ter determinados limites para sua exposição pública. Um deles é não fazer apologia ao crime, como estabelece a vedação inscrita no Código Penal Brasileiro".
Pela lógica de seu argumento, o presidente da OAB-SP considera que representar artisticamente um crime equivale a recomendar sua execução. No entanto, retratar um assassinato não significa fazer apologia ao crime.
É o espectador quem dará significado aos desenhos de Vicente. A obra de arte é apenas uma representação que adquire valor subjetivo para quem a observa.
DIREITO DE DESPREZAR
A despeito do que critica a nota, é legítimo e legal que uma obra de arte represente o desprezo do autor pelo poder instituído. Em um Estado democrático, todos têm o direito de sentir desprezo por qualquer pessoa ou instituição. Desprezar não é crime e, mais importante, todos temos o direito de expressar o desprezo artisticamente.
A prevalecer a linha de raciocínio da nota, talvez se devesse proximamente proibir a exibição de artistas como Hélio Oiticica, que recomendava ao público: "Seja marginal, seja herói".
Mais valioso para o Estado de Direito do que uma cláusula do Código Penal -no meu entender, mal interpretada pelo presidente da OAB-SP- é o espírito da Constituição Federal. Mais importantes são as liberdades e os direitos individuais, que servem de base e fundamento para o Estado de Direito e as instituições democráticas que a OAB-SP pretende defender. A tentativa de controle social por meio da supressão de obras artísticas chama censura. Simples assim.
Caso os organizadores não desistam de exibir os trabalhos, a OAB-SP promete recorrer ao Ministério Público Estadual para pedir a retirada das obras e o indiciamento dos responsáveis por apologia ao crime. A pena prevista é de três a seis meses de detenção ou o pagamento de multa. É ao que se arriscarão os curadores e o presidente da Bienal se quiserem resguardar a integridade do trabalho de concepção e organização da mostra. A nota é autoritária e condescendente. Subestima a capacidade de discernimento do brasileiro. É legítimo perguntar até que ponto representa o entendimento jurídico e a sensibilidade política dos advogados paulistas.
Em qualquer hipótese, até o momento, o que parece atentar contra o Estado de Direito e as instituições democráticas não é a exibição das obras de Gil Vicente na Bienal, mas, sim, o teor da nota pública assinada por D'Urso. A OAB-SP errou e precisa admitir seu equívoco.
Mundo em ascensão por Fábio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fábio Cypriano originalmente publicada no caderno Especial da Folha de S. Paulo em 21 de setembro de 2010
Escolhas de apostas estrangeiras refletem geopolítica da arte emergente no circuito global
De certa forma, as apostas internacionais feitas pelos curadores consultados pela Folha atestam as diferenças geopolíticas na arte.
Quando a dupla Allora & Calzadilla foi indicada como uma das apostas de Solange Farkas, ainda não tinha sido anunciada como representante dos Estados Unidos na Bienal de Veneza do próximo ano. "Eles possuem um trabalho político e com uma poética muito particular, que mescla humor, leveza e denúncia", justificou a curadora.
Na Bienal de São Paulo, vão fazer uma pequena orquestra circular por paredes falsas no pavilhão, tornando-os invisíveis, e só o som do "Bolero" de Ravel, que o grupo irá tocar, será perceptível neste trabalho. Jovens artistas, Allora & Calzadilla já conseguem visibilidade internacional em duas grandes mostras.
Já uma das indicações do colombiano Jose Roca, seu conterrâneo Miguel Angel Rojas, 63, é uma forma de compensar "a ausência de mecanismos fortes para a promoção de artistas, mesmo os consolidados". Segundo Roca, a obra do artista "estabelece uma ponte entre a geração moderna e propostas contemporâneas, mas, apesar de sua importância, ele não alcança o reconhecimento internacional que sua obra mereceria".
O polonês Artur Zmijewski, de 44 anos, também de um país periférico no circuito artístico, foi outra indicação de Farkas: "Ele é craque em provocar situações incômodas, envolvendo personagens incomuns, em temas como a vulnerabilidade humana".
Finalmente, uma das mais jovens apostas é o português Carlos Bunga, indicado por Luis Camillo Osório, que participa com imensas intervenções arquitetônicas na rampa do térreo da Bienal. O curador se impressionou com "a liberdade com que se desloca de um suporte para outro, mantendo sempre uma força plástica surpreendente".
Força nacional, Folha de S. Paulo
Matéria originalmente publicada no caderno Especial da Folha de S. Paulo em 21 de setembro de 2010
Entre os brasileiros, curadores apostam nos jovens Alice Miceli, Jonathas de Andrade e Tatiana Blass
Entre 159 artistas, a 29ª Bienal de São Paulo apresenta 51 brasileiros, ou seja, 32% da mostra, o que representa um dos mais altos índices da história do evento. Cinco curadores foram consultados pela Folha para indicar, dentre os 159, quais seriam suas apostas, sendo que cada um poderia apresentar três indicações.
Participaram da enquete o colombiano Jose Roca, que foi co-curador da 27ª Bienal e é o curador da 8ª Bienal do Mercosul, a porto-riquenha Julieta Gonzalez, curadora associada de arte latinoamericana da Tate Modern, e os brasileiros Lisette Lagnado, curadora da 27ª Bienal, Luis Camillo Osório, diretor do Museu de Arte Moderna do Rio, e Solange Farkas, diretora do Museu de Arte Moderna da Bahia.
Dos 15 indicados, seis artistas brasileiros, em sua maioria jovens, na casa dos 30 anos, foram apontados pelos curadores. As exceções foram Milton Machado, 63, e Tamar Guimarães, 42.
"Se a aposta consiste em demonstrar que artistas podem participar de várias bienais de São Paulo sem, contudo, merecer a devida atenção, Milton Machado envereda em mais um desafio depois de ter participado da "Bienal do Kiefer", em 1987", justifica Lagnado. "Quem sabe dessa vez haverá maior cuidado para entender um artista fundamental desde o início dos anos 1970 no Brasil", diz ainda.
Já Guimarães, indicada por Gonzalez, é praticamente uma desconhecida no Brasil, já que vive na Dinamarca, onde desenvolveu sua carreira. Ela teve uma obra exposta em São Paulo, no Panorama da Arte Brasileira, do ano passado, e no Capacete, no Rio, locais onde a curadora conheceu sua obra.
"Fiquei muito interessada na crítica das instâncias de poder através do inconsciente e estou com grande expectativa por o que ela vai mostrar em São Paulo", afirma Gonzalez.
A curadora da Tate também indicou o alagoano Jonathas de Andrade, 27, o mais jovem do grupo, que foi selecionado por abordar "processos de modernização e o posterior fracasso de alguns projetos modernos na América Latina".Os demais artistas indicados foram Tatiana Blass, Alice Miceli e Marilá Dardot, que organiza um dos seis terreiros da Bienal com Fabio Morais.
Tensão visual por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada no caderno Especial da Folha de S. Paulo em 21 de setembro de 2010
Obras de Nan Goldin, Steve McQueen e Harun Farocki exploram suas lembranças pessoais e coletivas em reflexões sobre o papel da imagem
Tanto a memória pessoal, das festas a mil por hora, orgasmos e rompantes lascivos, quanto a herança coletiva de anos de opressão, guerras e a sombra do terrorismo parecem estar diante das lentes dos artistas desta Bienal.
Nan Goldin retrata o submundo de prostitutas e drogados em Nova York e Berlim nos anos 70 e 80. São fotografias projetadas em sequência, como uma espécie de cinema no ritmo da memória.
Também em Nova York, Steve McQueen disseca o maior símbolo da América. Dá voltas em torno da estátua da Liberdade. Imóvel, ela desafia o movimento do filme, que funde dois tempos, o vazio atual e o cartão de visitas aos imigrantes do passado.
É a mesma desaceleração anônima proposta por Chantal Akerman. Filha de judeus sobreviventes do Holocausto, ela volta ao Leste Europeu num "road movie" escandido, de longos planos em que retrata desconhecidos como se fossem parentes, tentativa de apreender o passado.
Apichatpong Weerasethakul, tailandês vencedor da Palma de Ouro, faz um percurso semelhante ao nordeste de seu país, terra arrasada pelo terrorismo em que jovens fazem tudo para esquecer as marcas da violência.
Na obra de Harun Farocki, fica a tensão entre lembrar e esquecer. Usando simulações preparadas pelo Exército, ele mostra um videogame da guerra no Iraque que serve tanto para treinar soldados antes do combate quanto como dado visual em sessões de terapia na volta para casa.
Jean-Luc Godard lembra outras guerras num vídeo curtíssimo. Espécie de poema visual, "Je Vous Salue Sarajevo" é declamado como manifesto pelo cineasta.
"Cultura é a regra, arte é a exceção", diz o texto. "Todos falam a regra, ninguém fala a exceção, ou ela é vivida, é arte de viver: Srebrenica, Mostar, Sarajevo."
Plástica política por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada no caderno Especial da Folha de S. Paulo em 21 de setembro de 2010
Obras dos consagrados Ai Weiwei, Flávio de Carvalho, Lygia Pape e Hélio Oiticica propõem conceito elástico para uma estética engajada e mostram que mandos, desmandos e injustiças sustentam a beleza
No começo do século passado, Flávio de Carvalho desafiou uma procissão de Corpus Christi, de boné na cabeça e flertando com moças no meio do ato religioso. Quase foi linchado pela rebeldia.
Três décadas mais tarde, em plena ditadura, Lygia Pape convocou uma multidão para vestir um imenso pano branco nos jardins do Museu de Arte Moderna do Rio, peça que cortava de forma simbólica as cabeças dos participantes, o chamado "Divisor" de corpos e de uma época.
Era 1968, o ano em que aprovaram o AI-5, recrudescimento da censura e da repressão no país. Dois anos antes, Hélio Oiticica homenageou o bandido Cara de Cavalo, morto pela polícia, ao fundir uma apologia ao marginal a novas noções sobre o papel social do artista.
Juntos nesta Bienal, são autores que trilharam um caminho político por meio da estética. Deitam as bases para a reflexão sobre tempos tumultuosos e ainda hoje são referência visual num país de transformações agressivas.
Enquanto reverberam o clima político em seus trabalhos, também atualizaram a produção estética no país. Carvalho como pioneiro da performance, Pape e Oiticica como propagadores de uma arte que só funcionava com a participação do público.
É esse conceito elástico de política e estética que serve de lastro também para a obra de nomes contemporâneos da arte no país. Nuno Ramos e seu viveiro de urubus são uma espécie de luto vivo por um país que se esconde atrás de uma pretensa alegria.
Cildo Meireles cria imagens utópicas em grandes cilindros movidos por tração humana noutro trabalho que joga luz sobre a beleza sustentada pelo que fica escondido por baixo do pano.
Na mesma cartografia emergente, Francis Alys, belga radicado no México, e o chinês Ai Weiwei também tentam fixar em suas obras os mandos e desmandos da política e da economia.
Com a cara do Brasil por Fábio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada no caderno Especial da Folha de S. Paulo em 21 de setembro de 2010
Curadoras criam labirintos para público percorrer e ver obras que exploram contradições do país
O grande espaço central que o arquiteto Oscar Niemeyer projetou no centro do pavilhão da Bienal costuma ser, pela visibilidade, o local onde curadores instalam obras que condensam a temática da mostra.
Nesta 29ª edição, com o tema "Há Sempre um Copo de Mar para o Homem Navegar", os curadores Moacir dos Anjos e Agnaldo Farias optaram por exibir um só trabalho: "Bandeira Branca", de Nuno Ramos. Com três urubus, animais que simbolizam a morte, a curadoria parece ironizar o movimento ufanista que o Brasil agora atravessa.
Folha - Por que um trabalho tão aparentemente pessimista, como "Bandeira Branca", no centro da Bienal?
Agnaldo Farias - Não acho pessimista, mas um princípio de realidade desse lado soturno, melancólico e triste, que é constitutivo de nossa cultura. Há hoje no Brasil uma alegria histérica, cultivada nos programas de TV. Todo mundo quer banir a tristeza e o lado crítico, até mesmo nas universidades.
Nossa genealogia, na Bienal, recua até Flávio de Carvalho, que é um homem corajoso que ousa o fluxo com o chapéu. Esse é o papel do cientista, do artista, do intelectual: contrariar, não seguir pela norma, mas pela exceção. E, por isso, é importante também trazer um artista como Oswaldo Goeldi, com quem Nuno dialoga, que também representa outro lado deste país, que não é só o da alegria.
Moacir dos Anjos - Os novos dados de indicadores sociais mostram que, ao lado do desenvolvimento, ainda se tem índices alarmantes no Brasil, como a grande maioria da população não ter acesso a saneamento básico e um imenso analfabetismo. O Brasil é isso, essa contradição. Um país que lida com questões ultracomplexas e se tornou um líder no exterior, enquanto internamente não consegue resolver questões básicas, como segurança, saneamento e analfabetismo. Faz parte de nossa história lidar com essas contradições. A Bienal reflete isso.
Folha - Mas a mostra tem também um caráter internacional.
Dos Anjos - É uma exposição internacional como sempre foi. Acho que não houve nenhuma ambição ou preocupação de nossa parte em ter um determinado número de países representados e, até hoje, não fiz essa conta. Mas nos interessa ser uma exposição em que fique claro o tempo e, principalmente, o lugar onde ela é montada. Ela é feita a partir do Brasil, com questões que interessam ao Brasil. Há alguns pares de artistas que tensionam a arte brasileira com a internacional, que nada mais é do que uma arte que se faz hegemônica pelo poder dos meios onde é realizada. É o caso da proximidade de Nan Goldin com Miguel Rio Branco, entre outros.
Folha - O início do percurso da Bienal tem um espaço bastante generoso, que vai sendo reduzido ao longo da mostra, se transformando num labirinto nos pisos superiores. Por que essa arquitetura tão forte?
Farias - A ideia de Marta Bogéa, nossa arquiteta, foi fazer uma Bienal que tivesse surpresas, que tivesse praças, vielas, becos e da qual você escapa sempre que vai para os vidros, rompendo com os ângulos retos e também com o projeto moderno do prédio. As paredes são de vidro porque é uma ordem que pretende se expandir ao redor. Com isso, criamos uma instabilidade, uma tensão e rompemos certa visão de Brasil.
Folha - Romper uma ordem linear da exposição é fazer um discurso político?
Dos Anjos - Sim. Essa arquitetura tem tudo a ver com nossa ideia de arte e política, pois ela pede que o visitante tome decisões. Ele vai estar diante de muitas encruzilhadas e, com isso, corre o risco de se perder. Essa arquitetura solicita uma atitude ativa.
Farias - Os terreiros também foram pensados dentro dessa ótica, criando intervalos, suspensões, parênteses, com espaços de convivências e onde, frequentemente, estarão ocorrendo ações variadas. Isso também é um dado político, pois não teria sentido fazer uma exposição de arte e política só com obras contemplativas.
Hora da virada por Fábio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada no caderno Especial da Folha de S. Paulo em 21 de setembro de 2010
Fundação paga contas, troca de sistema de gestão e arrecada quase o triplo da edição anterior da mostra
Nicholas Serota, diretor da Tate (Londres), e Carolyn Christov-Bakargiev, diretora da 13ª Documenta de Kassel (Alemanha), são os principais nomes de uma constelação de curadores, galeristas, críticos, colecionadores e artistas que hoje participam da inauguração para convidados da 29ª Bienal de São Paulo, que é aberta ao público no próximo sábado.
Após uma década de crises, a fundação recupera a imagem da Bienal e seu prestígio nacional e internacional. "Realmente passamos por uma retomada, e em vários sentidos. Da parte dos conselheiros, é a retomada do engajamento e da vontade de participar", diz Elizabeth Machado, presidente do conselho da instituição.
A ideia de retomada ganha sentido quando se tem em mente a edição passada, de 2008, apelidada de Bienal do Vazio, que semanas antes de abrir sofreu um corte no orçamento. Na época, o curador Ivo Mesquita afirmava que isso era comum, pois nas oito Bienais em que havia trabalhado havia um problema de "fluxo de caixa".
"Não temos problema de fluxo, a exposição está garantida", disse Emilio Kalil, diretor de produção da 29ª Bienal, orçada em R$ 30 milhões.
O responsável por essa transformação é o empresário Heitor Martins, eleito presidente no auge da crise que perdurava havia dez anos.
"Heitor reflete a mudança dos tempos e faz parte de um perfil de pessoas que usam seu nome para projetar a Bienal, e não o contrário", diz Andrea Matarazzo, atual secretário da Cultura do Estado e sobrinho-neto do fundador da Bienal, Ciccillo Matarazzo (1898-1977). Ele chegou a analisar as contas da Bienal, mas desistiu de se candidatar, "porque nas circunstâncias do momento era muito complicado".
Empossado em agosto do ano passado, em um mês Martins conseguiu R$ 4 milhões do Ministério da Cultura para reformar o prédio. As dívidas da Bienal anterior, estimadas em cerca de R$ 4 milhões, também foram saldadas. Em seis meses, o empresário reuniu R$ 26 milhões. A Prefeitura de São Paulo também cumpriu sua parte e, em dois anos, repassou R$ 4 milhões.
"A situação da Bienal era tão precária que, mesmo quando o MinC queria ajudar, não era possível, pois havia uma inviabilidade institucional de manter convênios. Mas essa crise estava relacionada a um modelo de empreendimento centralizado e, quando Edemar Cid Ferreira [do Banco Santos] faliu, a Bienal foi junto", diz Afonso Luz, assessor do Ministério da Cultura.
De fato, uma das razões do sucesso da gestão de Martins foi reforçar a instituição do ponto de vista operacional. "Percebemos que a Bienal estava esvaziada. Quase todos os serviços eram terceirizados. Então revertemos esse quadro", conta Martins.
Para o empresário, a Bienal do Vazio também ajudou na mudança: "Havia uma frustração muito grande, porque a sociedade não achava que a Bienal podia acabar. Quando chegamos com uma agenda positiva, houve um reconhecimento imediato".
Graças a esse processo, nos bastidores já se comenta que, independentemente da qualidade da mostra, esta edição já é ótima. Ou, como resume o artista Tunga: "Trata-se de um movimento das elites em tomar a rédea do que estava sem rédeas".
Serota crê em força da Bienal de SP por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria por Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 21 de setembro de 2010.
Diretor da Tate fala da importância do evento fora do eixo EUA-Europa e da aquisição de obras de brasileiros
Curador britânico estreitou os laços da instituição com o Brasil por meio de mostra na Oca, realizada em 2003
A seguir, Serota segue o balanço dos dez anos da Tate, mas fala também da importância da Bienal de São Paulo.
A relação do diretor inglês tem sido intensa com o Brasil nos últimos dez anos. Em 2003, ele organizou a grande mostra do acervo da Tate, na Oca, em São Paulo, um dos fatores que ajudou o Brasil a ser o país que mais acessou o site da Tate no início do século 21, após o Reino Unido.
Já nos últimos anos, foi a vez de a Tate apresentar a arte brasileira, com grandes exposições de Hélio Oiticica e Cildo Meireles, ambos com obras adquiridas pela instituição graças ao comitê latino-americano. A Tate possui agora oito obras de Oiticica, entre elas a histórica "Tropicália". (FABIO CYPRIANO)
Folha - Qual a sua expectativa para a Bienal de São Paulo?
Nicholas Serota - Por muitos anos, a Bienal de São Paulo foi a mais importante exposição para sinalizar o desenvolvimento da arte contemporânea fora da Europa e Estados Unidos.
Sabemos também que houve momentos de dificuldade, mas eu tenho esperanças de que, em 2010, a exposição será muito forte. E a Bienal está sob uma nova direção, que tem maior independência e espero que, por isso, 2012 e 2014 sejam anos que sigam esse novo modelo.
Obras importantes de brasileiros como Hélio Oiticica foram recentemente adquiridas pela Tate por meio do comitê latino-americano. Ele foi criado por você?
Sim, esse é um grupo de apoiadores. Eles são cerca de 40 e a coordenadora é Tiqui Atencio Demirdjian, venezuelana que vive em Londres. Todos eles contribuem financeiramente para adquirirmos latino-americanos.
E, em sua maioria, compramos obras de artistas vivos, apenas ocasionalmente compramos trabalhos de meados do século 20, como fizemos com "Tropicália", de Hélio Oiticica.
Como a instituição lida com as novas mídias e redes sociais?
A internet vem se tornando algo muito importante para nós. Alcançamos grandes audiências que não conseguem vir ao prédio fisicamente, é intrigante que, após o ano 2000, nossa maior audiência fora do Reino Unido veio do Brasil.
Não tenho certeza se ainda é assim, mas com certeza é uma parcela significativa.
A Tate consegue hoje no setor privado cerca de 60% de seu orçamento. A que se deve esse sucesso?
O sucesso do programa atrai o interesse de patrocinadores, que procuram apoiar eventos que alcançam muita gente. Somos ambiciosos na filiação, temos bastante sucesso na livraria, na loja e no restaurante.
E você acredita que a Tate Modern mudou também a forma como os políticos observam as artes visuais?
Sim, acho que eles foram afetados também, percebendo que cultura não é algo para uma pequena elite, mas que alcança audiências muito mais amplas.
Museu de grandes novidades por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 21 de setembro de 2010.
Nicholas Serota, diretor da Tate Modern, comenta o sucesso da instituição, a mais visitada do mundo, e anuncia ampliação até 2012
Em maio passado, a Tate Modern, de Londres, comemorou seus dez anos com um fato inédito: transformou-se na instituição de arte com maior número de visitantes por ano, em comparação a outras com o mesmo tipo de acervo.
Ela tem, anualmente, 5 milhões de visitantes, contra o Centro Pompidou, em Paris (3,5 milhões), e o MoMA, de Nova York (2,8 milhões).
Parte desse sucesso se deve a seu diretor, Sir Nicholas Serota, 64, que conseguiu viabilizar a nova sede com um programa arrojado, alavancado pelas grandes instalações no Turbine Hall.
Há 22 anos diretor da instituição, ele agora prepara a ampliação da Tate Modern, novamente com a dupla de arquitetos Herzog & de Meuron, planejada para ter sua primeira parte inaugurada em 2012, por ocasião das Olimpíadas.
Hoje, Serota está em São Paulo, por conta da 29ª Bienal de São Paulo, que abre suas portas ao público no próximo sábado. Há duas semanas, ele fez um balanço à Folha, em seu escritório, na Tate Britain, do sucesso do museu:
Folha - A Tate Modern completou dez anos. Qual o impacto do museu na cidade?
Nicholas Serota - O principal impacto foi mudar o lugar das artes visuais na cultura da Inglaterra. Por anos, costumávamos dizer que tínhamos bons artistas, mas eles não faziam parte do discurso cultural. Éramos vistos como um país forte em literatura, teatro e música, mas, tirando Turner, Constable e, talvez, Henry Moore, as artes visuais não eram aparentes. A criação da Tate Modern decididamente alterou isso.
Agora, quando se conversa com jovens, as artes visuais estão em suas mentes. Nós temos cerca de 5 milhões de visitantes por ano e conosco aconteceu algo raro: é comum visitações massivas logo quando um museu é aberto, mas depois seus números caem, como se viu em museus franceses e alemães.
Nós mantemos os números e isso ocorre porque temos uma leitura internacional da arte e não apenas centrada na Europa e EUA.
Folha - A existência de um espaço como o Turbine Hall ajudou a transformar a Tate num lugar de encontros?
Os museus são conhecidos, através de gerações, como um bom lugar para se encontrar pessoas, são espaços sociais. E a Tate Modern criou um espaço, que é também um lugar seguro, na cidade. Ele se transformou num local de congregação, numa praça. Vejo isso pelos meus próprios filhos. Minha filha, que estava acostumada a frequentar o museu, se surpreendeu quando seus amigos passaram a sugerir para se encontrar na Tate Modern, o que ela nunca faria.
setembro 21, 2010
Degustação e escambo no Pátio, Folha de Pernambuco
Matéria originalmente publicada na Folha de Pernambuco em 21 de Setembro de 2010.
A “Casa de Pão”, do Grupo SYA, foi oferecida ao público para ser comida
O Pátio de São Pedro, local que já se tornou uma espécie de QG do SPA das Artes, recebeu uma concentração de eventos na sexta à noite. Junto à música das bandas que faziam uma passagem de som no palco montado para uma das ações do festival Coquetel Molotov, havia a gravação de um locutor popular chamando a população para as ações do evento.
Às 19h, abertura da exposição do projeto “Territórios Recombinantes (TR)”, chamada de “finissagem”. O nome veio de uma brincadeira e, ao mesmo tempo, uma alusão ao término do processo de residência artística da mostra, chamado de Estúdio Aberto. A “Casa de Pão”, feita pelo Grupo SYA (Artur Cordeiro, Yuri Firmeza e Sólon Ribeiro) ocupou o centro do Mamam no Pátio, com “tijolos” feitos de pão de forma. No fim do projeto, a casa foi oferecida ao público para ser comida. Nas paredes, ficaram amostras da série “Papel Sensível”, no qual Cristiano Lenhardt realizou dobraduras com papel fotográfico ainda virgem e, em seguida, exposto à luz. Os outros dois trabalhos que completaram o TR foram “Exposição Internacional deTecnologia e Arte, Porra! - EITA, Porra!”, de Jeraman e “Híbrido ao Pulso“, de Ricardo Brazileiro.
Às 18h30, o artista plástico Marcos Vinícius (ES) realizou, no Centro de Formação em Artes Visuais, a performance “Ninguém”, no qual recortou partes de revistas e colou em seu próprio rosto, até formar uma máscara pela qual ele não poderia ser reconhecido e, a partir daí, ter sua individualidade anulada. Essa iniciativa, que não estava incluída na programação da Semana de Artes Visuais, foi o fechamento da oficina “Cartografia do Sensível: Poéticas de Corpos em Ação”.
No centro do Pátio, ficou a bicicleta incrementada do coletivo carioca Opavivará, com a performance itinerante “Moitará”, palavra do tupi-guarani que significa troca, escambo. Os integrantes do grupo pediram que vários transeuntes das ruas trocassem “moitarás”, moedas de cerâmica, por algo de sua preferência. Tanto objetos como ações imateriais, incluindo poesias ou cantorias, foram aceitos pelos artistas. O saldo, no Recife, foram 460 moedas trocadas.
setembro 20, 2010
Masp reúne pintura alemã feita desde queda do Muro de Berlim por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 20 de Setembro de 2010.
Neo Rauch, Richter e Martin Kippenberger estão na exposição
Quando veio abaixo o Muro de Berlim, em 1989, também se dissolveram distinções entre Ocidente e
Oriente no contexto da arte alemã. Na pintura, uma mistura de ícones, estilos e situações tomou a dianteira e forjou nos últimos 20 anos uma onda marcada pelo ecletismo.
Mas não foi uma transição sem traumas. Na mostra que o Masp abre hoje, pintores alemães deixam ver nas telas resquícios do que foi crescer numa terra partida ao meio.
Neo Rauch cria um mundo fantástico. Alia figuração forte, de cores densas e raízes na arte pop dos Estados Unidos, a um universo insólito.
Num dos quadros, mostra pescadores arrastando polvos gigantes para fora de um lago. Um deles tem na mão uma enxada que é, na verdade, uma seta apontada para baixo. Destrincha, no fim, uma melancolia frondosa.
Martin Kippenberger, um egresso da era punk, mistura lembranças sexuais e escatológicas ao tédio violento do momento, numa nação cindida entre o trauma da guerra e a pujança industrial.
É a mesma tensão que aparece nos quadros de Daniel Richter, que esconde sob o hedonismo da cor e da abstração uma agonia dolorosa, personagens intoxicados por uma realidade em formação.
Franz Ackermann e David Schnell, embora mais sutis, vão na mesma rota. Mergulham na estridência da cor, mas tentam dar ordem ao caos com elementos geométricos dispersos na massa cromática como estruturas resistentes ao rolo compressor da história e do tempo.
Num ato calculado de transgressão, Tatjana Doll refaz à sua maneira tosca o clássico "Guernica", de Picasso, que chama de "Nada de Novo no Ocidente".
Ela denuncia a mesma decepção latente das telas de Tim Eitel, que mostra figuras solitárias em andanças por museus e galerias. Na maior de suas telas, uma garota olha para fora do museu.
Avista uma paisagem urbana em busca do que a arte não consegue representar.
Artista Francis Alys encontra paz no olho do furacão por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 20 de Setembro de 2010.
O belga radicado no México mostra na Bienal de São Paulo um filme com oito anos de caça às tempestades
Ele compara a violência dos redemoinhos às convulsões políticas do país e lança livro com os bastidores de sua obra
No olho de um furacão, Francis Alys encontrou a graça e a paz de uma igreja. "Entrar não é difícil", conta o artista, que passou os últimos oito anos indo atrás de redemoinhos de pó. "Tem uma corrente de vento e areia muito agressiva em volta, mas, lá no meio, é calmo, monocromático, até sublime."
Ele trocou a Bélgica natal pelo México e a arquitetura pela arte. Do outro lado do oceano, empurrou um bloco de gelo pelas ruas ardentes da capital mexicana, fez um Fusca decrépito subir uma montanha e filmou umas 30 horas de furacões em rodopio pela paisagem agreste.
De certa forma, sua obra balança entre sensações de otimismo e derrota, esforços inúteis em busca de incertezas muito ou pouco plásticas.
Silêncio Sublime
"Não sei se procuro beleza, graça ou redenção", afirma Alys, que mostra seu filme dos furacões na Bienal de São Paulo. "Só acredito que, nesse caso, houve uma busca por um silêncio sublime, por ordem e paz num lugar estranho, como se experimentasse o que é estar à beira da ruína, de um colapso interno."
Na edição da Bienal que começa no próximo sábado, com a intenção de mostrar arte surgida à luz da política, Alys parece estar mais uma vez no centro de um furacão.
Não é panfletária sua obra, nem denuncia algo com clareza, mas trata desse estado latente, de uma ordem primeva sob uma grossa camada de caos na superfície.
Qualquer semelhança com a história de uma região que atravessou ditaduras, moratórias e outros terremotos não é coincidência nesse seu desfile de tempestades.
"Foram oito anos de trabalho e, nesse tempo, a situação política mudou muito, acabou distorcendo o filme", afirma Alys.
"Alguns viram isso como experimento cinematográfico, mas sei que é uma resposta ao lugar onde vivo."
Nesse lugar, um partido que passou mais de 70 anos no poder foi substituído por outro, não sem traumas, no início desta década. Há quatro anos, o vencedor das eleições teve a vitória contestada pela oposição, instaurando uma situação de incerteza que ainda causa seus abalos.
"Foi um momento caótico na história do país [o México], e eu estava viciado em caçar furacões", lembra Alys. "Via a emergência da ordem numa situação de desordem, o colapso do Estado está presente, você sente isso quando está no olho de um furacão", afirma.
Preconceito
Sente, mas não vê. Do lado de dentro, Alys explora uma paisagem homogênea, um denso monocromo marrom dotado de paz enganosa. "É tudo dessa cor", diz apontando para uma fotografia do furacão. "É como estar dentro de uma grande escultura."
Mas Alys, que diz "iludir o espectador para desmentir seus preconceitos", buscando um equilíbrio entre poesia e militância, também quis mostrar o que estava por trás das formas desse furacão.
No livro "Numa Dada Situação", que lança hoje em São Paulo, pela Cosac Naify, mostra os desenhos, estudos e recortes de jornal que fez nas noites depois de editar o filme que está na Bienal, como uma espécie de estrutura secreta do trabalho.
"Editar a obra foi uma sensação visceral, não havia plano", lembra o artista. "Precisava de coisas que me ajudassem a pensar, palavras e conceitos que não explicam a obra, mas traduzem os bastidores de todo esse processo."
Equilíbrio Frágil
Nas páginas do livro, desenhos abstratos contrastam ideias de "governo" e "desgoverno", mapeiam áreas chamadas "caos", "controle", "abandono", "tumulto".
Isso porque foi ali que encontrou paz na urgência de dizer as coisas. "Tudo parece ser um pequeno milagre, é um milagre que o trânsito flua, que um regime fique no poder", diz. "É um equilíbrio muito frágil que funciona."
setembro 19, 2010
Artista que "matou" Lula e FHC em obras na Bienal diz que sua "lista é muito maior" por Juliana Vaz, Folha de S. Paulo
Artista que "matou" Lula e FHC em obras na Bienal diz que sua "lista é muito maior"
Matéria de Juliana Vaz originalmente publicada na Folha Online em 18 de setembro de 2010.
O artista pernambucano Gil Vicente, 52, que está no centro de uma polêmica com a obra "Inimigos", em que ele aparece cortando a garganta do presidente Lula e atirando contra personalidades como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, diz que tem "uma lista muito maior" de personagens para a série.
"Eu não queria desenhar ninguém matando, eu queria desenhar a mim mesmo matando", afirmou. "Não pouparia ninguém desses assassinatos, de jeito nenhum. Pelo contrário, eu tenho uma lista muito maior, representando vários tipos de poder, em vários lugares do mundo."
A série "Inimigos" será exposta na 29ª Bienal de São Paulo, que abre ao público no próximo dia 25. A polêmica em torno dela foi desencadeada pelo pedido feito nesta semana pela OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil) para que os trabalhos sejam removidos, por fazerem "apologia à violência e ao crime".
Além de cortar a garganta de Lula e atirar contra FHC, Gil Vicente também alveja em seus desenhos o Papa Bento 16, a rainha Elizabeth e o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad e o ex-presidente dos Estados Unidos George W. Bush.
O atual governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), e o ex-premiê de Israel Ariel Sharon são outras de suas vítimas.
A Fundação Bienal classificou como tentativa de censura a manifestação da OAB-SP e reafirmou a exibição da obra.
Gil Vicente diz ter achado "curioso" que a reação contrária à sua obra tenha acontecido apenas em São Paulo. "Expus em 2005 em Recife, e depois em Natal, em Campina Grande, em Porto Alegre, e em canto nenhum houve esse tipo de reação", afirmou.
Quanto à acusação de que sua obra incite à violência, ele diz: "apologia ao crime é o que o nosso governo faz o tempo todo, é o que os políticos fazem, como roubar dinheiro público".
Curador da 29ª Bienal, Agnaldo Farias assinalou que a Bienal não excluirá a obra. Os desenhos vão continuar expostos e com localização estratégica, aos olhos do visitante que sobe a rampa para o segundo andar do pavilhão de Oscar Niemeyer.
O artista diz que sua intenção com a obra foi "descarregar o inconsciente".
Além de "Inimigos", Gil Vicente expõe na Bienal uma série de desenhos pornográficos feitas em páginas de livro.
OAB-SP pede retirada de obra polêmica da Bienal, Estado de S. Paulo
OAB-SP pede retirada de obra polêmica da Bienal
Matéria publicada originalmente no Estadão Online em 18 de setembro de 2010.
Um homem magro de óculos e barba branca aponta uma arma para a cabeça do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Ao lado, o mesmo homem segura uma faca, pronto para cortar o pescoço do sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ambos os desenhos fazem parte da Bienal de São Paulo, mas a seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) quer impedir a exposição, alegando apologia ao crime.
As obras fazem parte da série Inimigos, de autoria do artista pernambucano Gil Vicente, e foram publicadas na capa do jornal O Estado de S.Estado ontem. O trabalho reúne vários desenhos em que o próprio artista é representado assassinando líderes e políticos - além de FHC e Lula, são mortos a rainha Elizabeth II, o papa Bento XVI, o ex-presidente americano George W. Bush e dois candidatos ao governo de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos (PSDB) e Eduardo Campos (PSB).
O presidente da Fundação Bienal de São Paulo, Heitor Martins, confirmou que a instituição recebeu a notificação da OAB-SP, mas assegurou que as obras não serão retiradas da mostra. "Um dos pilares da Bienal, que vai completar 60 anos, é a independência curatorial e a liberdade de expressão dos artistas. Não vamos exercer nenhum tipo de censura", afirmou.
Caso a posição da curadoria da Bienal não mude, a OAB-SP promete recorrer ao Ministério Público Estadual para pedir a retirada das obras e o indiciamento dos responsáveis por apologia ao crime. A pena prevista por lei é de 3 a 6 meses de detenção ou o pagamento de multa. As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.
OAB pede para Bienal de SP retirar obra polêmica por Gustavo Fioratti, Folha de S. Paulo
OAB pede para Bienal de SP retirar obra polêmica
Matéria de Gustavo Fioratti originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 18 de setembro de 2010.
Série "Inimigos" retrata artista atentando contra a vida de figuras públicas
Ordem dos Advogados ameaça processar instituição caso quadros de Gil Vicente sejam mantidos
A Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo divulgou ontem nota pública pedindo para que os trabalhos do artista pernambucano Gil Vicente sejam excluídos da Bienal de São Paulo, que abre no próximo dia 25.
Os dez desenhos da série "Inimigos" retratam o próprio artista atentando contra a vida de figuras públicas. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o papa Bento 16 e o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, por exemplo, aparecem sob a mira de uma pistola. O presidente Lula, por sua vez, com uma faca na garganta.
"Essas obras fazem apologia à violência e ao crime, revelam o desprezo do autor pelas figuras humanas e demonstram um desrespeito contra as instituições públicas", diz o presidente da OAB/SP, Luiz Flávio Borges D'Urso. "Se elas não forem retiradas, a curadoria da Bienal corre o risco de estar cometendo crime."
Risco de processo
Segundo D'Urso, o pedido ainda não é judicial. Mas, caso a curadoria da Bienal decida manter as obras, a OAB deve encaminhar solicitação de abertura de processo pelo Ministério Público.
Agnaldo Farias, um dos curadores desta edição da mostra, diz que as obras não serão retiradas. Segundo ele, a OAB-SP está incentivando um ato de censura.
"Esse trabalho é uma ficção, ela vem do imaginário. Na dramaturgia, também há inúmeros casos de representação de atentados contra instituições públicas. A OAB de São Paulo vai pedir para que esses autores não sejam mais exibidos também?", questiona Farias.
Opinião tacanha
"A representação artística deve ter limites. Se as figuras retratadas não fossem reconhecíveis, aí sim poderíamos tratá-las na esfera da ficção", rebate D'Urso.
O criminalista Alberto Zacharias Toron considera "tacanha" a opinião do presidente da OAB. "Falar em incitação ao crime é de uma grande incompreensão sobre o papel da arte", argumenta o advogado, doutor em direito penal pela USP, ex-diretor do conselho federal da própria OAB.
Segundo Toron, a liberdade de expressão do artista é garantida pela constituição do país.
Segundo o autor das obras, que tem 2 m por 1,5 m e são feitas com carvão, elas não foram pensadas para incitar a violência.
"Eu não mataria ninguém, nem quero que outras pessoas façam isso. A violência que eu retrato parte do próprio mundo político contra um país inteiro", explica Vicente.
O trabalho, reitera o artista, fala diretamente sobre uma insatisfação. "Nada muda na mão de políticos. O país continua cheio de miseráveis. A morte que eu apoio dessas pessoas é simbólica."
Gil Vicente diz que não comparece às urnas desde que iniciou a criação da série "Inimigos", em 2005. "Eu tenho consciência de que ter esperança nessas figuras é bobagem. Não vou mais cair nessa", afirma.
Frases
Não sou contra a criação de trabalhos como este. Sou contra a exibição deles. Isso não é censura. Crianças e jovens em formação vão passar por ali. Se elas não forem retiradas, a curadoria corre o risco de estar cometendo crime.
Luiz Flávio Borges D'Urso, presidente da OAB/SP
Eu não mataria ninguém, nem quero que outras pessoas façam isso (...) Nada muda na mão de políticos. O país continua cheio de miseráveis. A morte que eu apoio dessas pessoas é simbólica.
Gil Vicente, artista
Esse trabalho é uma ficção, ela vem do imaginário. Na dramaturgia, também há inúmeros casos de representação de atentados contra instituições públicas.
Agnaldo Farias, um dos curadores da Bienal
Eu assisti ao filme "Rambo", e até agora não matei ninguém.
Leda Catunda, artista plástica
Bienal diz que manterá desenhos de Gil Vicente, apesar de pedido da OAB, Estado de S. Paulo
Matéria publicada originalmente no Estadão Online em 17 de setembro de 2010.
Série do artista o retrata a ponto de assassinar personalidades; para OAB, ela é 'apologia ao crime'
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pediu nesta sexta-feira, 17, que uma série de desenhos de um artista brasileiro que o retratam assassinando personalidades como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o papa Bento XVI seja retirada da Bienal. As informações são da agência de notícias AFP.
Segundo a entidade afirmou em um comunicado, a exibição da série "Inimigos", do artista Gil Vicente, pode ser considerada uma "apologia ao crime".
"Ainda que uma obra de arte expresse a criatividade de seu autor livremente e sem limites, deve haver determinados limites para a sua exposição pública", acrescenta o texto.
Em resposta, os organizadores da Bienal declararam em uma nota de imprensa que "um valor fundamental da instituição é a independência curatorial e a liberdade de expressão". Segundo os responsáveis, "as obras expostas não refletem a opinião dos curadores nem da Fundação Bienal" (à frente da mostra).
Segundo a Bienal, os desenhos "traduzem um incômodo do artista diante dos modos de representação política vigentes" e uma "desilusão profunda" sobre possíveis mudanças que às vezes levam a um enfrentamento violento.
"Inimigos" é uma série de nove desenhos de carbono sobre papel do tipo autoretrato realizados entre 2005 e 2006.
A compilação mostra o artista em atitudes violentas atentando contra personalidades do Brasil e do mundo.
Gil Vicente aparece degolando Lula, disparando uma arma contra a cabeça do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), e apontando uma pistola contra o papa Bento XVI.
O artista também mira com uma arma o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, a rainha da Inglaterra, Elizabeth II, e o ex-primeiro ministro de Israel, Ariel Sharon, que aparece caído no chão.
Obra que estará na Bienal causa polêmica por "matar" FHC e Lula, Folha de S. Paulo
Matéria originalmente publicada na Folha Online em 17 de setembro de 2010.
A "Série Inimigos", de Gil Vicente, está causando polêmica antes mesmo de ser exposta na Bienal de São Paulo, que será inaugurada na próxima terça-feira. Nela, o artista retrata a si mesmo matando personagens famosos como Fernando Henrique Cardoso e Lula.
Nesta sexta-feira, a OAB-SP (Ordem dos Advogados de São Paulo) divulgou uma nota em que se coloca contra a exposição da série, "por fazer apologia ao crime".
"Uma obra de arte, embora livremente e sem limites expresse a criatividade do seu autor, deve ter determinados limites para sua exposição pública. Um deles é não fazer apologia ao crime como estabelece a vedação inscrita no Código Penal Brasileiro.
A série de quadros denominada "Inimigos", do artista plástico Gil Vicente, é composta por obras as quais retratam, dentre outras, o autor atirando contra a cabeça do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, noutra mostra o mesmo autor, de posse de uma faca, degolando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Essas obras, mais do que revelar o desprezo do autor pelas figuras humanas que retrata como suas vítimas, demonstra um desrespeito pelas instituições que tais pessoas representam, como também o desprezo pelo poder instituído, incitando ao crime e à violência.
Certamente não se pode impedir que uma obra seja criada, mas se deve impedir que seja exposta à sociedade em espaço público se tal obra afronta a paz social, o estado de direito e a democracia, principalmente quando pela obra, em tese, se faz apologia de crime.
Por esse motivo é que a OAB/SP está oficiando os curadores da Bienal de São Paulo, para que essas obras de Gil Vicente, da série "Inimigos" não sejam expostas naquela importante mostra."