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setembro 3, 2010
Arte para tocar e brincar por Carolina Santos, Diario de Pernambuco
Matéria por Carolina Santos originalmente publicada no Viver do Diario de Pernambuco em 01 de setembro de 2010
Continuum // Instalações de arte e tecnologia do festival são um convite à interação. Exposições ficam abertas até o dia 12
Parece um brinquedo de um parque de diversões futurista, mas é um instrumento musical. Olhando os vídeos do YouTube, vistos por mais de 4 milhões de pessoas, parece mesmo que o Reactable não pertence a esse mundo. Está mais para um objeto dos Jetsons ou de um filme de ficção científica. Desenvolvido na Universidade Pompeu Fabra, em Barcelona, o Reactable é composto por uma superfície em forma de mesa e uma meia dúzia de peças móveis. Ao mudá-las de local, ou colocá-las de cabeça para baixo, um som único é produzido. O instrumento já foi usado pela banda da cantora Björk e está a partir de hoje pela primeira vez em exibição no Nordeste, dentro da programação do II Festival Continuum. A obra ficará no Centro Cultural dos Correios, no Recife Antigo, até o dia 12 de setembro, das 9h às 18h.
O Reactable é a mais badalada dentre as instalações do Continuum, mas há várias obras interessantes no festival. Uma boa dica é ir conferir os trabalhos expostos no primeiro andar da Torre Malakoff. Lá, o público pode se entreter, interagir com as obras ou somente observar - e pensar "para onde essa arte vai?". Parece que vai longe. As propostas de grande parte dos trabalhos vislumbram um futuro sem fronteiras. Sozinha, a instalação Marvim Gainsbug já vale a visita. É apenas uma tela de plasma e um microfone. Na tela, um personagem virtual dá algumas palavras e pede para você escolher três delas, falando no microfone. Com as palavras, ele faz uma pesquisa no Twitter e monta uma música. Marvim Gainsbug foi criado pelos pernambucanos Jeraman e Filipe Calegario, mas apenas fala e entende em inglês.
Na sala ao lado, uma instalação mais afetiva. Postcards, do paulista Lucas Bambozzi mostra viagens que o artista fez pelo mundo, fotogrando e fazendo vídeos. Na instalação, os postais estão do avesso e as imagens em vídeo são projetadas neles. A obra que oferece mais interação com o público é a interesante Vitalino, do pernambucano Jarbas Jácome. Mestre em Ciência da Computação, ele criou uma espécie de escultura virtual, que o visitantepode ir moldando ao seu gosto, mexendo as mãos no espaço vazio que compreende dois sensores de movimento. Esses sensores enviam a informação para um software que vai moldando, na tela, o que as mãos fazem no ar.
O projeto Habitat, de Mary Gatis e Mica Braga. É uma intervenção na arquitetura da Torre Malakoff. A projeção numa das portas cria a impressão de um vitral colorido. "É um trabalho plástico e visual. Uma composição: não deixa de ser um desenho, mas é virtual", explica Gatis. Os trabalhos do Continuum são quase todos não só para olhar e pensar, mas tocar e brincar.
setembro 2, 2010
Miguel Rio Branco abre mostra sobre metrópoles no MIS, www.estadao.com.br
Matéria originalmente publicada no caderno Cultura em 30 de agosto de 2010
A exposição "Maldicidades - Marco Zero", que Miguel Rio Branco inaugura amanhã no Museu da Imagem e do Som (MIS), é apenas o primeiro de uma série de eventos em torno do artista, colocando-o em posição de destaque no circuito paralelo e oficial da 29.ª Bienal de São Paulo. Com fotografias, vídeos e instalação, a mostra do MIS se debruça sobre as cidades, revelando um olhar plural, ao mesmo tempo poético e crítico. Rio Branco, que vê as metrópoles "como casos terminais", registrou-as de forma tão intensa e distinta ao longo de décadas que planeja transformar todo esse material em livro, a ser editado em breve pela Cosac Naify.
"É uma forma de me libertar dessa temática, de colocar um ponto final nessa produção toda, criando algo que faça sentido", afirma. Também por isso o artista - que há anos mudou-se para a região serrana do Rio de Janeiro -, considera que a abertura de um pavilhão dedicado à sua obra em Inhotim, Minas Gerais, previsto para acontecer em 23 de setembro, seja de longe o fato mais importante de sua trajetória recente.
A possibilidade de exibir um conjunto amplo e denso de trabalhos, de forma orquestrada e num centro de excelência que se encontra afastado dos eixos metropolitanos é para ele motivo de contentamento. "Desde os anos 70 que sonho com coisas feitas fora das grandes metrópoles caindo aos pedaços", afirma. No pavilhão serão expostos diversos trabalhos inéditos ou raramente vistos, como "Diálogos com Amaú" (mostrado na Bienal de 1983); "Entre os Olhos o Deserto" e "Tubarões de Seda" (este último exibido apenas na Holanda). Algumas peças serão permanentes e outras trocadas de tempos em tempos. "Gostaria muito que fosse uma coisa viva", afirma Rio Branco sobre Inhotim.
Quanto à sua participação na Bienal, com a exibição do filme "Nada Levarei quando Morrer, Aqueles que me Devem, Cobrarei no Inferno" - que também estará em Inhotim -, pode-se afirmar que ela é pontual porém bastante simbólica, levando em consideração a ênfase dada pelo evento à relação entre arte e política. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
setembro 1, 2010
Veneza abre espaço para novos nomes por Ana Paula Sousa, Folha de S. Paulo
Matéria por Ana Paula Sousa originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de São Paulo em 01 de setembro de 2010
Festival de cinema, que começa hoje sua 67ª edição, traz poucos artistas consagrados e aposta em iniciantes
Número de trabalhos inscritos dobrou em relação a 2009; júri do evento será presidido por Quentin Tarantino
Oscilando entre o sol claro e a brisa fria, Veneza abre hoje a 67ª edição da Mostra Internacional de Cinema.
Também temperado promete ser o clima nos Palazzos Del Cinema e Del Casinò, onde se dará, até o próximo dia 11, a projeção de 83 longas-metragens.
A exemplo do que aconteceu na última edição do Festival de Cannes, em maio, Veneza estenderá seu tapete, sobretudo, para figuras novas ou levemente marginais do cinema. São poucos os grandes nomes. São muitos os estilos e nacionalidades.
Só as próximas edições desses grandes eventos dirão se esses recortes são só coincidência ou se as grifes mais rentáveis simplesmente deixaram de ver os festivais como uma plataforma importante de lançamento nesta era digital.
A noite mais estrelada será a de hoje, quando o cineasta Darren Aronofsky, ganhador do Leão de Ouro em 2008, com "O Lutador", apresentará "Black Swan" (Cisne Negro) e fará desfilar, às margens do mar Adriático, os atores Natalie Portman e Vincent Cassel.
Ao lado de Aronofsky, outros 21 cineastas competem pelo Leão de Ouro, a ser concedido pelo júri presidido por Quentin Tarantino.
Há, na lista, nomes significativos da produção que se situa no meio percurso entre o gigantismo de Hollywood e o cinema tipicamente autoral, de penosa visibilidade.
Entre os concorrentes estão os norte-americanos Sofia Coppola, Julian Schnabel e Vicent Gallo, os franceses François Ozon e Abdellatif Kechiche e o alemão Tom Tykwer.
Os brasileiros ficaram de fora da competição. Mas Andrucha Waddington, de "Eu, Tu, Eles" exibirá seu longa "Lope", coprodução entre Brasil e Espanha.
O filme está programado para sexta-feira, dia 10, na sessão Horizonte, que traz também os novos trabalhos de Marco Bellocchio, John Turturro e um documentário de Martin Scorsese sobre o cineasta Elia Kazan.
OLHOS PUXADOS
Curiosamente, porém, enquanto as estrelas escasseiam, o número de filmes explode.
Em 2009, foram inscritos, na Mostra, 2.208 filmes de 74 países. Neste ano, de acordo com a organização, chegaram 4.251 longas-metragens de 102 países.
E o poderio asiático neste início de século, que se reflete na arte como um espelho ainda difuso para o Ocidente, volta a fazer-se presente.
Nesta edição, China, Hong Kong, Coreia do Sul e Tailândia têm, juntos, praticamente o mesmo número de filmes que França, Alemanha e Espanha somados.
"Violência já não inspira", diz Rio Branco Bernardo Carvalho, Folha de S. Paulo
Matéria por Bernardo Carvalho originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de São Paulo em 01 de setembro de 2010
Sem fotografar desde 2008 e se dizendo em fase mais espiritual, artista ganha mostra que enfoca mal urbano
Além da exposição no MIS, fotógrafo também apresentará vídeo na Bienal de São Paulo e em Inhotim (MG)
Miguel Rio Branco está construindo um labirinto na casa onde mora há dois anos e meio, em Araras (RJ). "É um labirinto de árvores", esclarece o artista e fotógrafo, conhecido pelo universo urbano, sujo e visceral de suas imagens.
"Não fotografo natureza, não sou um paisagista, estou experimentando, plantando um labirinto", diz, entre as mais de 40 imagens que, captadas desde 1970, retratam detritos urbanos, periferias, prostitutas e marginalizados e constituem, com mais dois vídeos e uma instalação, a exposição "Maldicidades -Marco Zero", aberta ao público a partir de hoje no Museu da Imagem e do Som.
Numa das fotografias, um homem numa favela de Lima, no Peru, segura um jornal em que se lê a manchete: "Murió el Cuerpo" (o corpo morreu). O trabalho de Rio Branco sempre privilegiou a carne, o sangue e as vísceras como o lugar da verdade, fosse entre prostitutas, boxeadores ou mendigos, a ponto de a própria câmera dar a impressão de ser feita da mesma matéria viscosa do mundo observado pela membrana orgânica da lente. "Há seguramente alguma coisa de verdade no corpo, se não a gente não estaria aqui conversando", diz. A foto foi feita para uma reportagem sobre economia informal para a revista alemã "Stern". "Fiz pouco fotojornalismo. Estava sempre do outro lado, onde não acontecia nada." Quando viveu em Paris, de 82 a 83, como membro da agência Magnum, diziam que ele devia fotografar Beirute. "Tinha um francês que vivia em Ruanda. Nunca entendi por que fotografava tanto cadáver. Depois, expôs as fotos, como arte."
MATÉRIA EMPOBRECIDA
A manchete do jornal peruano poderia servir também de marca simbólica para um novo ciclo na obra do artista, em que a verdade do corpo passa a ser projetada na natureza. Rio Branco não fotografa desde 2008, quando fez uma exposição em Tóquio.
"Eu me identificava mais com a marginalidade. Tudo ficou violento demais. Passei de uma fase mais ligada à carne para uma coisa talvez mais espiritual. Tem a ver com o que eu vejo. Há um empobrecimento da matéria.
E uma questão ligada só ao dinheiro. Um excesso, um consumo desenfreado, o último grito do capitalismo." Não é por acaso que o vídeo "Nada Levarei Quando Morrer Aqueles que Mim Deve Cobrarei no Inferno", realizado em 1979 com as prostitutas do Pelourinho, em Salvador, tenha sido selecionado para a 29ª Bienal de São Paulo, que abre neste mês com o tema arte e política.
"Não sei se isso que está aí não vai abrir para outra coisa, porque essa porcaria vai toda para o espaço. Ninguém vai conseguir consumir continuamente, sem ter noção de por que está consumindo. As pessoas estão sendo forçadas a consumir, é uma situação fascista. A partir do momento em que a arte vira produto, ela tem que ser chamada de outra coisa, já não pode ser chamada arte", diz. Nesse sentido, o tema põe a própria Bienal em questão. Resta saber até onde.
FERRARIS
Na primeira noite de sua visita a São Paulo (onde, em 1980, ele perdeu quase todo o seu arquivo fotográfico num incêndio) para a montagem da exposição no MIS, Rio Branco entrou em pânico com o barulho das ferraris na madrugada diante do hotel.
"A ideia da exposição vem da atração do mal nesse espaço urbano gigantesco, mas a violência já não me inspira. Prefiro trabalhar com a natureza. Sempre tive vontade de fazer um trabalho duro sobre São Paulo, mas acabo querendo sair fora antes." Nascido em 1946, filho de diplomata, bisneto do barão do Rio Branco e neto do caricaturista J. Carlos, o fotógrafo teve uma formação errática.
"A essência da fotografia veio de revistas que eu via na casa dos meus pais, tipo "Elle" ou "Playboy". Houve também um livro que me marcou muito, com as primeiras fotos que os aliados fizeram dos campos de concentração. Havia essa dualidade entre vida e morte. Sempre houve essa ambiguidade entre o bem e o mal no meu trabalho. As mulheres do Pelourinho estão lá cheias de cicatrizes, posando como se fossem modelos."
Além da Bienal, o vídeo do Pelourinho integra também o pavilhão dedicado ao artista, a ser inaugurado no Centro Inhotim de Arte Contemporânea (MG). O próprio colecionador e idealizador do centro, Bernardo Paes, deu a ideia do labirinto ao fotógrafo. Em Araras, Rio Branco estava tentando esconder o vizinho atrás de uma cerca viva. "Foi me dando uma certa experiência. Acabei fazendo um projeto de labirinto de dois andares. Mas não vai a Inhotim, não. Um labirinto por encomenda não é mais um labirinto."
MAC vai "conviver" com novo espaço por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria por Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de São Paulo em 31 de agosto de 2010
Diretor Tadeu Chiarelli diz que museu precisará se adaptar a um edifício com "peculiaridades de sua época"
Pé-direito baixo demais nos espaços expositivos obrigará MAC a expor grandes instalações em anexo atrás do prédio
Num galpão aos pés do antigo Detran, Tadeu Chiarelli observa os operários que trabalham para transformar a repartição pública numa nova casa para o Museu de Arte Contemporânea da USP.
Desde que assumiu a direção do MAC, em abril, ele vai toda semana ao canteiro de obras para estudar o espaço.
"É um edifício que tem características peculiares da época em que foi feito, e o museu precisa saber conviver com elas", diz Chiarelli. "Mas essa é uma obra do Niemeyer em sua melhor fase."
Melhor ou não, o antigo Palácio da Agricultura, erguido a poucas quadras do pavilhão da Bienal, nunca foi pensado para ser um museu.
Seus andares com pé-direito de três metros e meio, as tais "características peculiares", não são o ideal para um museu de arte contemporânea, que exige espaços flexíveis para obras que podem extrapolar essas dimensões.
Quando soube da mudança do MAC para lá, Niemeyer sugeriu alterações no prédio.
Ele queria cobrir a fachada de vidro para controlar a luminosidade nos espaços expositivos e fazer uma rampa externa para melhorar a circulação entre as galerias. Pavimentos seriam demolidos, dando lugar a dois novos andares com pé-direito duplo.
Croquis do arquiteto, que estendiam a linguagem já usada no vizinho Auditório Ibirapuera, chegaram a circular com alarde há dois anos, quando foi anunciada a saída do museu da USP.
Isso até que o Conpresp, órgão de defesa do patrimônio, vetou as ideias, preservando o Niemeyer de 1951 em detrimento do atual -diferença que, no orçamento, significou uma economia de R$ 66 milhões à Secretaria de Estado da Cultura, responsável pela mudança do MAC.
MUDANÇA COSMÉTICA
Planos do arquiteto foram descartados e em dezembro deste ano, 18 meses depois do previsto, o MAC vai para o antigo Detran, que passou por reforma de ordem mais cosmética que estrutural.
Nada muda do lado de fora, a não ser a instalação de duas escadas de emergência atrás do prédio. Dentro, paredes foram removidas, criando andares idênticos divididos entre uma grande sala expositiva e outra menor.
Uma mostra permanente do acervo nas salas maiores vai ilustrar um percurso histórico, das obras mais antigas às mais recentes. Nas salas menores, artistas mais bem representados na coleção, como Di Cavalcanti e León Ferrari, terão recortes individuais de suas obras.
Dois andares ficarão reservados para exposições temporárias de artistas contemporâneos, formando um diálogo com o acervo permanente. Na mostra inaugural do espaço, estarão obras da fotógrafa Sofia Borges e do coletivo Pino, entre outros.
"De alguma maneira, a presença de artistas jovens no MAC foi menos intensa", admite Chiarelli. "Gostaria de ver mais artistas ali, tem coisas a serem absorvidas."
ANEXO
Mas nem tudo cabe no prédio principal. Obras maiores vão para o anexo do museu, um galpão que ficava atrás do Detran, única parte do espaço com pé-direito duplo.
Na abertura do MAC, uma grande instalação de Carlito Carvalhosa, com cerca de 60 postes de luz atravessados pela galeria, vai ocupar o anexo. Fotografias de Mauro Restiffe, que documentou toda a reforma do espaço, ficarão no mezanino.
Dicionário de museus imaginários por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria por Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de São Paulo em 31 de agosto de 2010
Novo MAC-USP no antigo prédio do Detran adaptado repete histórico do museu que até hoje teve mais de dez projetos° arquitetônicos que não saíram do papel
Quando abrir sua nova sede perto do Ibirapuera, no antigo prédio do Detran em dezembro, o Museu de Arte Contemporânea da USP vai escrever mais um capítulo numa história de projetos arquitetônicos que poderiam ter sido e que nunca foram.
Desde que surgiu em 1963, tendo como ponto de partida a doação da coleção de Ciccillo Matarazzo para a universidade, o MAC nunca teve um prédio construído para abrigar suas mostras e coleções.
Mas não faltaram projetos. Pelo menos dez propostas nas últimas cinco décadas já emprestaram forma -imaginária- ao museu com a maior coleção de arte moderna da América Latina, hoje com cerca de 10 mil obras.
Franz Heep, arquiteto que desenhou o edifício Itália, pensou numa sede para o MAC-USP que seria construída no coração da Cidade Universitária, nos anos 60.
Na mesma época, Oswaldo Bratke também imaginou um complexo museológico no que configurava o segundo maior conjunto de construções modernistas em São Paulo depois do Ibirapuera.
Não chegaram a sair do papel. Entre os motivos, falta de verbas e "circunstâncias desfavoráveis", nas palavras do ex-diretor Walter Zanini, da época do regime militar -o redator do AI-5 ocupou o posto de reitor da universidade.
De um projeto de Paulo Mendes da Rocha, entregue em 1974, ficaram só parte das fundações até hoje no campus, espécie de pegadas de um museu que viveu só do nome por quase 30 anos.
Foi só em 1992 que a antiga coleção de Ciccillo Matarazzo deixou o espaço no último andar do pavilhão da Bienal para se instalar num prédio da Cidade Universitária, que adaptou uma residência estudantil para receber o MAC.
MUDANÇA
E, de lá, ele não saiu até agora. Teixeira Coelho, hoje curador do Masp, tentou fazer a mudança quando dirigiu o MAC há dez anos.
Organizou um concurso internacional e recebeu propostas do japonês Arata Isozaki, dos brasileiros Mendes da Rocha e Eduardo de Almeida e do suíço Bernard Tschumi, eleito o vencedor.
Não fosse engavetado pela gestão seguinte, Tschumi teria feito um museu vertical num lote da prefeitura perto do parque da Água Branca.
Passada mais uma década, é para outro parque -e para outro prédio adaptado- que vai agora o MAC.
Oscar Niemeyer tentou mudar seu próprio projeto, o Palácio da Agricultura, de 1951, para receber o museu, mas também essa ideia acabou arquivada por um veto da defesa do patrimônio.
agosto 31, 2010
‘Fazer arte é se interessar por tudo’ por Suzana Velasco, O Globo
Matéria por Suzana Velasco originalmente publicada no Segundo Caderno do O Globo em 28 de Agosto de 2010
Dono de uma obra inconfundível, que o transformou num dos mais importantes e singulares nomes da arte brasileira, Tunga leva trabalho monumental à Bahia
TUNGA e parte da obra “À luz de dois mundos”, que já passou pelo Louvre e pelo P.S.1, em Nova York, e está exposta a partir de hoje em Salvador uma viagem a Bangcoc, na Tailândia, Tunga foi parar num mercado de amuletos bizarros, como lagartixas trançadas e excrementos petrificados, entre outras bugigangas que deram um susto no artista plástico: Parecia que eu tinha ressuscitado ali.
Tunga viu ali parte do repertório de objetos míticos que desde os anos 70 compõe a sua obra, criada a partir de elementos que se contaminam e se alimentam: tranças, ímãs, serpentes, rãs, pentes, bengalas, ossos, crânios, redes e cálices repletos de gel, líquidos e substâncias que remetem a fluidos corporais. Com essa extrema presença física dos materiais, o artista criou uma obra que, hoje aclamada internacionalmente, trata de questões transcendentais.
A busca do anímico é uma forma segura de se falar de poesia e arte — afirma Tunga, aos 58 anos. — A arte que me interessa é a que articula os sentidos que não são passíveis de serem revelados por uma mediação crítica. O momento de calar é o momento em que a poesia fala.
Apesar de ressaltar o indizível de sua obra, Tunga fala sem pudor sobre ela, com sua multiplicidade de discursos. Em algumas horas, no intervalo da montagem da exposição “À luz de dois mundos”, em Salvador, ele fala sobre Winnicott, Tristan Tzara, Newton, Santo Agostinho, San Juan de la Cruz, Freud. Sobre psicanálise, filosofia, História da arte, religião, literatura, arqueologia, antropologia, erotismo:
Fazer arte é se interessar por tudo. O artista é uma espécie de clínico geral que lança mão dos seus especialistas quando necessário. Na hora de criar, me coloco na posição de sujeito múltiplo, como se dispersasse uma identidade. O que temo da postura da arte contemporânea é a presença excessiva de especialistas, que cria categorias empobrecedoras.
O interesse infindável se materializou numa obra inconfundível — sempre se vê Tunga numa obra de Tunga —, com a qual o pernambucano radicado no Rio se tornou um dos mais importantes e singulares nomes da arte brasileira. Tunga foi o primeiro artista contemporâneo a expor no Museu do Louvre, em Paris, onde cerca de quatro milhões de pessoas viram a monumental “À luz de dois mundos” sob a pirâmide do museu. A obra também já foi montada no P.S.1, centro de arte contemporânea do MoMA, em Nova York, e, inédita no Brasil, desde hoje está exposta no Palacete das Artes Rodin Bahia, em Salvador, no programa de escultura contemporânea Quarta Dimensão.
Ali, Tunga dispôs uma balança que equilibra, de um lado, um grupo de crânios, e, do outro, cabeças de esculturas (réplicas de peças do Louvre) presas por tipitis — cilindros usado pelos índios para espremer mandioca. Entre os dois mundos, um esqueleto negro sem cabeça deita numa rede. A obra ainda carrega objetos típicos do vocabulário de Tunga, como tranças e uma bengala e um pente gigantescos.
Na arte contemporânea, o Tunga é aquele que consegue dar força poética, materializar visualmente com muita força conceitos muito abstratos, questões filosóficas. Ele usa elementos imediatamente comunicativos e consegue criar uma escala espetacular sem espetacularizar a obra — diz o crítico de arte Paulo Sergio Duarte, que montou uma apresentação com imagens da produção e da exposição de “À luz de dois mundos”, exibida agora em Salvador.
Amigo do artista, Paulo Sergio acompanha sua obra desde o início, quando, como diz Tunga, não havia curadores como “chefes de orquestra”, muito menos galerias para representar os artistas.
Para os jovens artistas de hoje, é muito difícil pensar que não tínhamos galerias. E o tipo de arte que a gente fazia era muito difícil para aquela época. Para mover um castiçal, você tinha que empurrar a mesa toda junto — diz Tunga, que se formou em Arquitetura e trabalhou em escritórios. — Eu era de uma geração de classe média que não acreditava que arte era um meio de subsistência. Meu equívoco foi acreditar que podia fazer arquitetura em arquitetura.
Confirmando ser um materializador de conceitos, Tunga diz que continua fazendo arquitetura em suas esculturas, e logo consolidou um universo fantástico, de fábulas e mitos por vezes fantasmagóricos, que desestabilizam a normalidade. Às vezes, a escultura se expande para a performance, como em “Xifópagas capilares entre nós”, criada a partir da lenda inventada por Tunga de duas gêmeas presas pelos cabelos, que são decapitadas porque não querem se separar:
Chego à performance quando o pensamento parece pedir uma explicitação real. Ela contamina as coisas de atributos diversos. É o próprio princípio da alquimia, de transformação real do mundo.
Outras vezes, as fábulas pensadas pelo artista se transformam em filmes e vídeos — como ocorreu com “Xifópagas...” —, sempre com um caráter onírico, nunca de documentário ou videoarte.
Ele tem um universo original, reflexivo, que dispara um imaginário conceitual — diz o artista Arthur Omar, que fez com Tunga o vídeo “Nervo de prata”, em 1987.
Em performances ou vídeos, as obras de Tunga têm um sentido colaborativo e agregador, de contaminação entre estéticas e gerações, em que ele põe na prática a ideia de que “fazer arte é se interessar por tudo”. O cineasta Eryk Rocha, que ia à casa de Tunga quando criança, levado pela mãe, Paula Gaitán, certa vez recebeu um telefonema do artista pedindo que ele filmasse uma ideia sua. Assim, em 2004, surgiu o filme “Quimera”, que foi exibido em Cannes e em outros festivais pelo mundo, e era chamado por Tunga e Eryk de “sonhometragem”.
Quando ele me convidou, fiquei perplexo. Disse: “Não sei fazer isso, não tem nada a ver com o meu universo.” Estava fazendo filmes políticos. Ele me desafiou a fazer algo diferente de mim — diz Eryk, de 32 anos. — O Tunga sempre me deixou muito à vontade, nunca existiu um peso por ele ser um artista consagrado, ou por a gente ser de gerações tão diferentes. Os jovens têm uma relação sanguínea com ele.
Os dois ainda fizeram o curta “Medula” e o média-metragem “Laminadas almas”, filmado por Eryk na performance de mesmo nome que Tunga fez em 2006, no Jardim Botânico, junto com outros jovens: os artistas gêmeos Thiago e Matheus Rocha Pitta, estudantes de biologia e os bailarinos da companhia de Lia Rodrigues, parceira de performances.
Antes de uma performance no CCBB de São Paulo, fiquei impressionada quando vi o Tunga conversando com uns cem homens, desses que você contrata como figurantes. Ele sabe muito o que quer — conta Lia, que participou da performance de oito horas, que também teve participação de Arnaldo Antunes.
Outro companheiro de performances foi Daniel Rangel — assistente de Tunga entre o fim dos anos 90 e o início dos 2000 —, em seu primeiro trabalho com arte contemporânea. Uma década depois, Rangel é diretor de museus do Instituto do Patrimônio Estadual e Cultural da Bahia, e o responsável por levar “À luz de dois mundos” a Salvador. A exposição ainda reúne peças criadas a partir da escultura principal, como ossos, bengalas e pentes gigantes, desenhos do projeto da obra e vídeos sobre o artista.
Em breve, Tunga lançará o curta-metragem “Cooking” (“Cozinhando”), que integrará a versão brasileira de “Destricted”, filme coletivo de 2006 com episódios pornográficos assinados por artistas plásticos como Marina Abramovic, Matthew Barney e Larry Clark. Ali, ele leva às últimas consequências a corporeidade e a ideia de alquimia de sua obra, numa transformação de fluidos dos corpos dos amantes.
A manifestação da sexualidade e sua relação com o desejo sempre foram temas importantes para mim diz ele, que fez um filme de 15 minutos. — É o suficiente para contar uma história de amor. Não para vivê-la.
MAC divulga selecionados para duas exposições, Goiás Agora
Matéria originalmente publicada no Goiás Agora em 27 de agosto de 2010.
Seis artistas da nova geração de Goiânia, Santa Catarina, Rio de Janeiro e São Paulo foram selecionados pelo Museu de Arte Contemporânea de Goiás para as duas exposições marcadas para setembro e novembro deste ano. A seleção foi feita por meio de edital. Leandro Pereira (RJ), Natália Lopes e Yara de Pina Mendonça (GO) vão inaugurar mostra no dia 16 de setembro. Dalton Paula (GO), Roberta Tassinari (SC) e Cândida Coelho (SP) vão integrar a exposição que vai ser aberta no dia 4 de novembro.
Formada em Artes Visuais na Universidade Federal de Goiás, Yara de Pina Mendonça, 30 anos utiliza materiais do cotidiano, e pintura de objetos com carvão dissolvido. O trabalho de Natália Lopes, 32 anos, também graduada na Faculdade de Artes Visuais/UFG, consiste na intervenção com desenhos em fotografias antigas pinçadas dos álbuns da sua família. O carioca Leandro Pereira, 31 anos, faz intervenções em paisagens fotográficas que depois são fotografadas novamente, construindo uma nova imagem.
Artista premiado na Bienal de Arte de Piracicaba e no Salão de Arte Contemporânea de Santo André (SP), Dalton Paula, 28 anos, formou-se em Artes Visuais na FAV/UFG. No MAC de Goiás, ele vai apresentar uma instalação utilizando fotos do álbum de família. Seu trabalho vai ocupar toda a sala expositiva, que deverá ser pintada de preto e branco. Utilizando iluminação especial, a meta dele é obter um efeito que dê a conotação de álbum de retratos nas paredes.
Roberta Tassinari, 26 anos, vem de Santa Catarina participar da exposição no MAC. Formada em Artes Visuais na UDESC e Comunicação Social na Unisul, a jovem artista vai montar uma instalação nas paredes do museu usando materiais diversos a fim de conseguir um efeito tridimensional expandido, como se reconstruísse a pintura. A paulista Cândida Coelho, 45 anos, vai apresentar Desdobramentos Cromáticos, a partir de imagens de scanner manipuladas que geram desenhos cromáticos.
agosto 30, 2010
Diálogos póstumos por Nina Gazire, Istoé
Matéria de Nina Gazire originalmente publicada na Istoé Independente em 27 de agosto de 2010.
Exposição em Porto Alegre faz estudo comparativo entre artistas abstratos brasileiros e venezuelanos atuantes entre os anos 60 e 90
A partir do acervo de uma das maiores coleções de arte contemporânea da América Latina, a Coleção Patricia Phelps de Cisneros, em parceria com a Fundação Iberê Camargo, de Porto Alegre, a exposição “Desenhar o Espaço” coloca em diálogo a arte abstrata produzida no Brasil e na Venezuela desde os anos 1960. Nas 88 obras expostas estão sugeridas comparações entre artistas como Jesús Soto, Lygia Clark, Carlos Cruz-Diez, Willys de Castro, Alejandro Otero, Mira Schendel, Gego e outros. “O diálogo entre movimentos, que nem sempre se deu historicamente, é mostrado nesta exposição quando comparamos as enormes diferenças entre as estratégias neoconcretas de Willys de Castro e Hélio Oiticica e os artistas venezuelanos Carlos Cruz-Diez e Alejandro Otero”, diz Ariel Jiménez, curador-chefe da Coleção Cisneros.
Se as diferentes estratégias criativas são perceptíveis no percurso da exposição, o tempo funciona como um fio condutor para alinhavar as semelhanças. Como em um jogo especular em que os opostos se atraem, são notáveis as similaridades entre os trabalhos embrionários de Lygia Clark e do venezuelano Jesús Soto. Os dois artistas iniciaram sua produção com uma pintura figurativa, de tratamento geométrico. Posteriormente, desenvolveriam uma arte que exige a interatividade entre público e obra, favorecendo diferentes perspectivas do uso do corpo. Tanto quanto as obras cinéticas de Soto, Lygia envolve o público com seus bichos manuseáveis. Se a brasileira provoca o movimento corporal do espectador que manipula sua escultura, as peças de Soto requerem a movimentação espacial do observador, para a visualização do cinetismo de suas formas e cores. Ambos viriam logo a modificar a linguagem concretista, expandindo suas criações para fora do quadro e inaugurando uma nova postura em relação ao objeto artístico. Talvez, não por coincidência, são hoje dois dos artistas latino-americanos em maior ascensão no mercado das artes.
29ª Bienal promete montagem inovadora por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de São Paulo em 28 de agosto de 2010.
Exposição contará com disposição labiríntica das obras nos andares
Curadoria pediu espaço inspirado no livro "O Jogo da Amarelinha" do escritor argentino Julio Cortázar
Na porta da sala da curadoria, o cartaz faz a contagem regressiva: "Faltam 26 dias", podia-se ler na última quarta-feira. Já no pavilhão da Bienal, apenas quatro artistas trabalham em suas obras: Luiz Zerbini, Marcius Galan, Henrique Oliveira e Nuno Ramos.
Mas isso não significa que há atrasos. As paredes estão praticamente prontas, e "a previsão de entrada das obras é a partir da próxima quinta-feira", conta Marta Bogéa, arquiteta responsável pela expografia da 29ª Bienal de São Paulo.
Prevista para ser aberta a convidados no dia 21 de setembro, e para o público no dia 25, a mostra deve deixar o público atônito. Isso por conta da inovadora montagem no pavilhão de Niemeyer.
Em vez de salas que se sucedem uma após a outra, a disposição dos espaços lembra o cenário de um filme expressionista, com seus personagens em situações labirínticas. "Aqui, o visitante precisa reposicionar sua frontalidade o tempo todo", descreve a arquiteta.
NÃO LINEARIDADE
"Um dos pedidos da curadoria é que a montagem fosse como o livro "O Jogo de Amarelinha" [de Julio Cortázar], no qual não é preciso uma leitura linear", disse Bogéa à Folha. A arquiteta já cuidou da expografia da 27ª Bienal, "Como Viver Junto", com curadoria de Lisette Lagnado, em 2006.
Há quatro anos, "a ideia era a da transparência, a montagem não devia ter uma visibilidade, enquanto, aqui, a opacidade foi uma demanda e, com isso, a arquitetura se tornou um elemento ativo", conta Bogéa.
A entrada da mostra será pelo térreo, onde estarão poucos trabalhos e o espaço, amplo e generoso.
Mas, conforme o visitante segue por dentro do prédio projetado por Oscar Niemeyer, o caminho vai se tornando mais confuso, até alcançar o clímax no segundo andar, justamente aquele espaço deprimente na polêmica última edição, em 2008, que ficou conhecida como Bienal do Vazio.
Essa nova configuração foi definida, segundo Bogéa, na reunião geral dos sete curadores, em março passado. "Cada um deu uma sugestão importante, como o sul-africano Sarat Maharaj, que disse que era preciso multiplicar o sentido da errância no percurso", conta.
Entretanto, essa organização bastante complexa não é sufocante, pois está repleta de respiros. Primeiro pelos espaços livres nas laterais do pavilhão, que permite uma ampla visão da paisagem do parque do Ibirapuera. Depois por conta dos seis terreiros dispostos ao longo da exposição, parte da ideia curatorial em criar espaços de encontro durante a exposição, e que são organizados por outros arquitetos e artistas.
Até o momento, a mostra conta com 161 artistas contra os 148 anunciados anteriormente. Saíram nomes de peso, como o russo Ilya Kabakov, enquanto foram agregados outros também importantes, como o cineasta Jean-Luc Godard e o dramaturgo Samuel Beckett.