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agosto 23, 2010
Bienal: guia de navegação por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé Independente em 20 de agosto de 2010.
O curador Agnaldo Farias diz que a 29ª Bienal de São Paulo tem poesia e política como motrizes
Paula Alzugaray
LUGAR DE DEBATE
Farias: “Política não é espaço, é prática”
Com o sugestivo título “Há sempre um copo de mar para um homem navegar”, verso emprestado de obra do poeta Jorge de Lima, a 29ª Bienal de São Paulo prepara-se para içar velas. Quando inaugurar em 25 de setembro, apresentando cerca de 200 obras de 148 artistas, quer não apenas espraiar seus efeitos nos visitantes da exposição, mas deixar marcas na sociedade, atingindo 40 mil professores de escolas públicas paulistas.
“A Bienal não é apenas sobre arte e política. Ela é um espaço político”, diz Agnaldo Farias, no leme do projeto, ao lado de Moacir dos Anjos.
Há um norte magnético para definir o conceito de “arte e política”?
Nossa ideia é criar um conceito-arquipélago, sem bordas nítidas.
Queremos escapar de uma noção literal do binômio “arte e política”, associada a uma tradição realista, e recuperar uma outra compreensão, de uma arte mais experimental, que ataca no âmbito da linguagem, levando a novas formas de sociabilidade e de compreensão do objeto artístico. Passamos por cima da tradição figurativa e dela só recuperamos o Goeldi, pelo inesperado que ele é. Porque ele faz um Brasil lúgubre, sombrio, faz uma desmontagem de uma certa noção de Brasil.
Associa-se à obra “Invenção de Orfeu”, de Jorge de Lima, a noção de hipertexto, polifonia. A diversidade é uma bandeira política da exposição?
Política é fundamentalmente isto. Contra o discurso monotônico, é o afloramento das mais diferentes vozes. É a tentativa de acordo, não de consenso. Isto está patente na própria estrutura da Bienal, que é toda multifacetada. A expografia cria toda uma tortuosidade, cheia de pontos de vista, angulações, com uma surpresa a cada passo. Cria praças, cubículos, vielas, passagens e o convívio de múltiplas
expressões. De pintura a instalação sonora. Há também os “terreiros”, que vão funcionar como respiros, espaços de repouso, paragens. Está evidente no espaço essa busca da diversidade, da polifonia da poesia. A Bienal tem a poesia como primado, sua guia, motriz.
Na Bienal anterior, “praças públicas” foram criadas para promover um encontro entre arte e público que, afinal, não aconteceu. Qual a diferença entre o terreiro e a praça pública?
A diferença é a demarcação. A praça remete ao ágora da pólis grega. A ideia de terreiro é eminentemente luso-brasileira, tem um dado do religioso, do profano, da dança. O terreiro é um espaço de resistência, tanto quanto o drible no futebol. A própria alegria é uma resistência.
O terreiro está em toda parte. Você o ilumina e o ocupa. A política não é um espaço, é uma prática. Estamos aqui propiciando espaços, mas, se eles não são usados, nada acontece.
A criação de espaços de convívio é parte do projeto de aproximar a Bienal da sociedade?
Há um desejo da Bienal de se aproximar da sociedade, mas, mesmo que ela atinja a meta de um milhão de visitantes, isso é muito pouco perto do que pode e deve fazer. Por isso, o nervo da Bienal é seu projeto educativo. Falar em exposição política sem discutir educação é conversa fiada. Montamos com a Stela Barbieri um caderno educativo com cartelas de 30 artistas contemporâneos e conceitos que estão na ordem do dia, apresentados por textos simples sem serem simplistas. São jogos a serem trabalhados nas salas de aula, que viram “terreiros” de debate.
A Bienal sempre foi uma janela para a arte internacional, mas agora divulga a intenção de olhar a arte contemporânea desde a ótica brasileira. Como equacionar essas intenções?
A Bienal pode ser simultaneamente espetacular e inteligente, atingindo diferentes públicos. A Bienal não é apenas sobre arte e política, ela é um espaço político, que privilegia encontros e deixa surgir as diferentes expressões. Ela é feita no Brasil, deve encarar que este é um país de grandes diferenças sociais e deve contribuir para a diminuição dessas diferenças. Isso significa ser eminentemente educativa. Agora, é preciso trazer a água para o nosso moinho. E pensar que nesse mundo não há centro. A história sobredetermina a geografia. Nos interessa pensar nossos contextos particulares e estreitar nossas relações com os colegas da América do Sul, que têm paralelismos que só agora começam a ser mapeados pelas histórias da arte. Não vamos ficar esperando o aval europeu e americano para valorizarmos as nossas discussões.
Arte Frankenstein por NIna Gazire, Istoé
Matéria de Nina Gazire originalmente publicada na Istoé Independente em 20 de agosto de 2010.
FILE-FESTIVAL INTERNACIONAL DE LINGUAGEM ELETRÔNICA/Espaço Fiesp, SP/até 29/8 Emoção Art .ficial 5.0 - Bienal Internacional de Arte e Tecnologia/ Itaú Cultural, SP/ até 5/9
Desde os tempos mais remotos, foi necessária a elaboração de técnicas para qualquer criação artística. Da perspectiva clássica à máquina fotográfica, arte e tecnologia são duas faces da mesma moeda, mas hoje, por um mal-entendido, estão em conflito. É discrepante o fato de que exista uma separação categórica entre “arte e tecnologia” e “arte contemporânea”. Artemídia, arte eletrônica e arte digital são algumas das nomenclaturas que se popularizaram nos últimos 40 anos desde que a categoria da “arte e tecnologia” adentrou os circuitos das Bienais, ganhando um espaço separado, como se essa fosse uma filha bastarda. Exemplo é o caso da Bienal de São Paulo, que em 1964 chegou a um impasse diante da escultura cinética de Abraham Palatinik. “Cinecromático” era algo que estava entre a escultura e a pintura, mas trazia ali um maquinismo que fugia às categorias. Este incômodo, essa falsa falta de familiaridade criam uma necessidade de novas categorias artísticas. Para serem colocadas sob o guarda-chuva da arte, criam-se essas classificações como zonas de conforto.
Atualmente, São Paulo dá lugar a dois dos mais tradicionais festivais de arte e tecnologia do País: o Emoção Art.ficial 5.0 e o FILE. Os dois eventos tentam fazer um panorama desse tipo de arte numa espécie de bolha independente dos demais circuitos artísticos. Essa separação entre categorias produz filhos esquizofrênicos. São inúmeros os trabalhos que utilizam software art e que podem se encaixar nesse tipo de contradição. Um software não é nada mais que um conjunto de códigos que reproduzem uma função específica. É uma linguagem que pode ser usada para atingir um resultado estético, assim como a técnica da perspectiva – também um código – foi usada amplamente na arte renascentista e depois subvertida dentro da arte moderna. Mas, até que ponto, ao se limitar a processos de traduções do código digital, a arte com softwares não está recaindo precocemente em um maneirismo? Como podemos identificar uma linguagem artística dentro da linguagem dos softwares, em trabalhos que simplesmente se articulam como processos, deixando de lado a preocupação com resultados estéticos e com aquilo que é mais caro à arte: o questionamento aos contextos da produção artística dentro de um panorama mais global? Tudo bem, o FILE não traz em seu nome a palavra arte, é um festival de linguagens eletrônicas e em seu apanhado deixa isso claro. Mas então por que ainda tenta reproduzir os modos de exibição de exposições tradicionais de arte?
Marchande é acusada de valorização ilegal por Fernanda Mena e Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Fernanda Mena e Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S.Paulo em 23 de agosto de 2010.
O Ministério Público Federal está investigando o Instituto de Arte Contemporânea (IAC) e a galerista Raquel Arnaud, que até anteontem presidiu o instituto, por um suposto desvio de finalidade no uso de dinheiro público.
O inquérito civil partiu de uma representação do Sindicado Nacional dos Artistas Plásticos (Sinap), que acusa Arnaud de se beneficiar da valorização de obras de sua coleção pessoal ou de sua galeria expostas no IAC.
Segundo a denúncia, as obras expostas sofrem "grande valorização no mercado de arte". O texto cita como exemplo a exposição "Campo Ampliado", que captou R$ 780 mil de renúncia fiscal.
Das 67 obras expostas da mostra, 14 eram da coleção pessoal de Arnaud e nove pertenciam ao Gabinete de Arte Raquel Arnaud, galeria onde estariam à venda.
Desde 2007, quando abriu sua sede na rua Maria Antonia, em prédio cedido pela USP, o IAC captou R$ 2,738 milhões pela Lei Rouanet (de incentivo à cultura por meio de renúncia fiscal).
Procurada pela Folha, Arnaud disse que o inquérito é uma "maledicência que não tem fundamento nem provas" e afirmou que não vendeu nenhuma obra de sua coleção pessoal ou de sua galeria que foi exposta no IAC.
"O curador escolheu obras que, por acaso, eram minhas", justificou Arnaud.
Criado há 13 anos, o IAC tinha como objetivo difundir o legado de Sérgio Camargo, Willys de Castro, Amilcar de Castro e Mira Schendel.
Arnaud representa o espólio de Camargo (tema de mostra que será aberta hoje no IAC) e tem obras dos demais no acervo de sua galeria.
Amílcar de Castro e Mira Schendel são representados pelo galerista André Millan, que chegou a integrar a direção do IAC. "Resolvi me desligar do cargo, porque trabalho com mercado", disse ele.
A abertura do inquérito coincide com mudança de paradigma na instituição. Pedro Mastrobuono, empossado ontem como presidente, disse que foi convidado para mudar o perfil do IAC, que deve se tornar um laboratório para exame e perícia de obras de arte em parceria com o Museu Van Gogh.