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agosto 19, 2010
Radiografia do novo MAC por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé Independente em 19 de agosto de 2010.
Sob a direção de Tadeu Chiarelli, o Museu de Arte Contemporânea da USP inaugura a sua sede e entra em nova fase
“O edifício do MAC é um monumento, que agora vai fazer parte da coleção do próprio museu”
(Tadeu Chiarelli)
Quatro andares para uma grande exposição permanente do acervo, dois andares para exposições de arte contemporânea e um anexo formatado para mostras de artistas em meio de carreira. No início de dezembro, quando o MAC USP inaugurar sua nova sede, no antigo edifício do Detran, terá à sua disposição um espaço de 32 mil metros quadrados para colocar em prática as linhas mestras de seu novo diretor, Tadeu Chiarelli: mapear, prospectar e “retrospectar” a arte.
“O foco do museu é sua coleção e tudo gira em torno dela”, afirma Chiarelli, que traz na bagagem a experiência de 27 anos como professor-doutor da USP e a curadoria-geral do Museu de Arte Moderna de São Paulo entre 1996 e 2000.
Com a mudança de espaço, muda o projeto do museu?
O MAC poderia mudar de sede e manter a mesma linha de atividades, mas nós queremos aproveitar essa mudança para transformar a perspectiva política do museu.
Em que medida o fato de o MAC ser um museu universitário influencia seu projeto?
O que distingue o museu é, primeiro, seu corpo estável de profissionais, que tem como foco o estudo da coleção. Por outro lado, uma coleção importantíssima, que nos últimos anos não tem tido oportunidade de ser mostrada com uma periodicidade interessante. Vejo nos museus uma tendência de acelerar muito a periodicidade das exposições. Por ser um museu universitário, o MAC não precisa entrar nessa corrente. O tempo da arte é um tempo desacelerado, voltado para a contemplação e a reflexão. O foco do museu é a coleção. Tudo gira em torno da coleção existente e das possibilidades de ampliação dessa coleção. Com uma visão sempre retrospectiva e prospectiva. Isso vem muito da experiência que tive de museu de arte universitário na minha formação. Quando eu estudava arte, o (Walter) Zanini era professor no departamento de artes plásticas e era diretor do MAC.
O MAC precisa de todo aquele espaço do novo edifício?
Precisa. Hoje o MAC só consegue mostrar em torno de 2% de seu acervo, que tem cerca de dez mil obras. É muito pouco.
O Zanini dizia que todo cidadão de São Paulo tem o direito de entrar na Pinacoteca para ver o “Caipira Picando Fumo”. O MAC tem uma belíssima coleção e a ideia é que essa coleção seja mostrada em sua grandiosidade na maior parte do espaço expositivo do museu, em uma grande exposição de longa duração, por mais de um ano. Outro aspecto é chamar a atenção para o que está por vir. Como museu de arte contemporânea, devemos assumir esse fator de risco.
O museu vai evitar mostras que não se enquadrem no seu projeto curatorial?
Exatamente. Hoje o circuito está muito sofisticado e, se você não tem ideias, vira um balcão de exposições. O MAC vai estabelecer suas diretrizes e, a partir daí, dialogar com o circuito, sem ficar refém das ofertas.
Podemos dizer que, mesmo com toda a visibilidade do novo edifício, seu projeto é “antiespetacular”?
O espetáculo é o edifício em si, porque é da década de 50, a melhor fase de Niemeyer. É emocionante. É um monumento que, por si só, vai atrair o público. O outro espetáculo é a coleção. Mas não faz parte da minha linha de compreensão da arte montar uma exposição de “obras-primas”. Se quiséssemos, o MAC conseguiria: tem o único autorretrato do Modigliani, tem um Matisse fabuloso. Mas queremos mostrar todas essa obras dentro de conflitos e questões. Interessa perceber Modigliani no contexto geral da obra do artista. Isso é educação. O MAC será um espaço de resistência em todos esses níveis. Por ser um museu público, deve propiciar um diferencial na fruição da obra e na experiência do público com a arte.
O MAC tem adquirido obras?
Com muita dificuldade. Quero negociar um programa de aquisição. O momento da minha chegada é o momento mais profícuo, em que estamos tentando estabelecer uma compreensão comum do que é o MAC, do que ele já tem e do que se quer. Não vou ficar à mercê do que está disponível. Se sei exatamente o que quero, vou criar condições dentro da universidade para conseguir.
Inaugura em setembro?
Não, a obra termina no final de agosto, mas consegui adiar a inauguração para dezembro. Achei que vocês queriam aproveitar a Bienal. Queriam. Mas não estamos disputando com a Bienal. O MAC tem um papel a cumprir dentro do circuito paulistano. Tem uma história muito importante, com altos e baixos, e agora ocupa um espaço físico onde vai poder redimensionar o seu espaço simbólico.
Carlito Carvalhosa e Philip Glass - Música das esferas por NIna Gazire, Istoé
Matéria de NIna Gazire originalmente publicada na Istoé Independente em 19 de agosto de 2010.
CARLITO CARVALHOSA E PHILIP GLASS - A SOMA DOS DIAS/ Pinacoteca de São Paulo, SP/ até 7/11
No início de agosto, o pianista norte-americano Philip Glass, conhecido por composições contemporâneas de estruturas bachianas, se apresentou juntamente com a Escola de Música de São Paulo – Tom Jobim, em um recital de piano um tanto diferente daqueles executados em salas de concerto. Glass tocou no centro de uma espiral de tecidos que conforma a instalação “A Soma dos Dias”, obra de Carlito Carvalhosa desenvolvido para o Projeto Octógono Arte Contemporânea da Pinacoteca de São Paulo. Separado do público por planos translúcidos, o músico apresentou uma seleção de suas peças musicais. A ideia surgiu de uma parceria entre os dois artistas em que música e espaço se integram em um espetáculo sensorial, em exposição até novembro. Eles comentam seus processos de criação.
Desde o início da carreira, nos anos 1960, o sr. já realizou várias colaborações com artistas plásticos, como, por exemplo, Richard Serra.
Como é para o sr. a integração da música e das artes visuais?
Philip Glass – A motivação artística do músico e do artista visual vem do mesmo lugar. Ambos esperam alguma participação do espectador. Aqui, a música é integrada ao espaço que Carlito desenvolveu e que não transmite significados prontos. O que vale é a experiência individual que cada um vai ter ao apreender o espaço. A instalação é um catalisador para que as pessoas tenham uma experiência ampliada pelo lugar físico. A música tem o mesmo papel. Ela só é completa quando alguém a escuta. A obra que fiz com o Richard Serra era uma escultura estática. Nessa obra de Carlito existe o movimento e o translúcido dos panos que me possibilitam ver o movimento das pessoas e suas reações. Há uma interação mais dinâmica.
Como surgiu a parceria?
Carlito Carvalhosa – Conhecemo-nos há mais de dez anos, no Rio, e nos tornamos amigos. Comecei a elaborar essa obra e pensei no Philip para fazermos o trabalho juntos. Ele ficou muito contente e desde o início a ideia não foi a de tornar a música um objeto incidental do trabalho. Os dois só funcionariam juntos, o espaço e a música, completando-se. São dois níveis de experiência que acontecem ao mesmo tempo e no mesmo lugar. Depois de ter um protótipo pronto, o apresentei para o Philip, que desenvolveu uma programação musical para a Escola de Música de São Paulo e outra para ele mesmo. Não estamos em momento algum tentando traduzir a música em peça visual ou vice-versa.
A música já esteve presente em outros trabalhos seus?
Carlito Carvalhosa – Sim, a primeira vez que usei a música foi em uma performance no Rio. Mas é a primeira vez que a música tem esse papel protagonista dentro da obra.
O sr. tem trabalhos inspirados em paisagens brasileiras, como “Itaipu” e “Days and Nights in Rocinha”. Como se dá a relação entre a música e os cenários culturais visitados?
Philip Glass – Bom, eu viajo muito ao Brasil e provavelmente até o conheça mais do que algumas pessoas que vivem aqui. Já toquei em Salvador, Porto Alegre e no Rio e o País possui uma cultura musical muito rica. Quando estou aqui, sofro o impacto da sua vida musical.
As idades de Anita por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé Independente em 19 de agosto de 2010.
Retrospectiva no CCBB Rio expõe as muitas faces de Anita Malfatti, de protagonista do modernismo ao retorno à ordem
É comum ver na biografia de artistas modernos, ativos na primeira metade do século XX, uma evolução do academicismo ao abstracionismo. Sempre se sustentou que era preciso conhecer a ordem para poder corrompê-la. A regra não se aplica, no entanto, a Anita Malfatti, reconhecida pioneira do modernismo no Brasil. Nos 40 anos que separam “O Farol” (1915) de “O Batizado”, a pincelada inquieta e expressionista acalma-se em um silencioso “retorno à ordem”. Autora de algumas das maiores e melhores obras polêmicas da arte brasileira, como “A Boba”, “O Homem Amarelo”, “O Homem de Sete Cores” e “Nu Cubista”, Anita teve várias personalidades artísticas que podem ser conferidas na exposição “Retrospectiva Anita Malfatti”, com curadoria de Luzia Portinari Greggio.
Os primeiros anos de trabalho mostram uma Anita naturalista-impressionista que pintava burrinhos correndo e retratos de familiares, mas que já demonstrava uma forte vontade de se desgarrar da previsibilidade da forma acadêmica. O segundo módulo apresenta a Anita expressionista, que escandalizaria a sociedade paulista entre 1915 e 1922, despertando a ira do crítico Monteiro Lobato e a adoração de um grupo de jovens rebeldes que promoveriam uma revolução cultural com a Semana de Arte Moderna de 22. A irreverência de Anita arrefece no período entre guerras, como acontece com boa parte dos artistas modernos europeus, e ela começa então a manifestar uma influência de Matisse e de Bonnard, produzindo uma pintura mais suave aos olhos e aprazível aos ânimos.
Essa guinada de volta à ordem não teria mais retorno e uma Anita bem-comportada predomina na produção dos anos 30, 40 e 50.
A paisagem interiorana, que nos anos 20 foi representada de forma tão inovadora por Tarsila do Amaral, volta apaziguada pelas cores pálidas de uma Anita naïf, amante dos temas florais, e de uma Anita academicista, autora de “Época da Colonização”, que tanto desagradou a Mário de Andrade.
Mas sua retrospectiva, hoje, não se presta a promover mais um julgamento de uma obra que já foi severamente escrutinada tanto
por Lobato quanto por Andrade. Com 120 trabalhos reunidos de 70 museus e coleções particulares brasileiras, configura-se aqui o mérito do mais amplo espectro de uma vida e de uma obra.
Depois do vazio, Bienal terá labirinto para a arte por Camila Molina, O Estado de S. Paulo
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no caderno de Cultura do jornal O Estado de S. Paulo em 19 de agosto de 2010.
Numa comparação que já se desenha inevitável, depois da ‘Bienal do Vazio’, de 2008, a 29.ª Bienal de São Paulo, que será inaugurada para convidados no dia 21 de setembro e dia 25 para o público, vai ser bem cheia. Convidada pelos curadores Moacir dos Anjos e Agnaldo Farias para trabalhar a expografia desta edição, a arquiteta Marta Bogéa se lançou ao desafio de enfrentar o emblemático edifício projetado por Oscar Niemeyer: desta vez, o visitante da mostra vai se deparar com um labirinto fluido e de paredes com tonalidades e temperaturas diferentes do branco tradicional. Pensando em atrair o público para experiências diversas no espaço, ela batizou seu projeto de "arquipélago".
Para acomodar as obras de 148 artistas participantes no grande pavilhão do Parque do Ibirapuera e, ao mesmo tempo, promover um percurso instigante pela exposição, Marta propôs um trajeto pelos quatro pavimentos do prédio. No andar térreo, com entradas pelas laterais - uma delas, de frente para a marquise que acomoda o MAM - , o passeio começará mais aberto e feito apenas por algumas linhas. Depois, ele se adensa completamente, tendo o segundo andar como auge dessa experiência de agrupamento.
Neste segundo piso - que na 28.ª Bienal estava completamente vazio, estimulando o apelido que a mostra ganhou - o público vai se sentir como numa "cidadela medieval", diz Marta se referindo a um feliz comentário que escutou. "Na surpresa do percurso, encontraremos um ou outro núcleo - e isso nasceu nas primeiras conversas com os curadores, quando eles deram algumas chaves importantes do projeto da 29.ª Bienal: o espaço é contínuo, mas não precisa ser hierarquizado", conta a arquiteta, que optou pela concepção de "uma geometria a partir de uma malha de diagonais".
Referência. "Você pode se perder como em todo bom labirinto", ela brinca, mas vale ressaltar que, de maneira alguma, a experiência no espaço será claustrofóbica apesar da criação de núcleos com quinas e de uma quantidade grande de salas (vídeos e filmes são presença forte nessa mostra) e da determinação dos seis "terreiros" (espaços especiais da mostra) de 120 m² que se espalham por todo o edifício. Já é uma marca da arquiteta, em seu segundo trabalho em Bienal de São Paulo, criar projetos expográficos nos quais sempre o pavilhão de Niemeyer (com pilares e paredes envidraçadas) e o Ibirapuera são a referência para o visitante. "Quem quiser escapar do labirinto tende a ir em direção aos vidros, os caixilhos, para encontrar o eixo do edifício em sua dimensão completa."
"O Agnaldo (Farias) fez uma metáfora: é como no Rio de Janeiro, em que você vai para a linha do mar para encontrar a paisagem", diz ela ainda, completando que num tipo de exposição tão extensa, essa é uma maneira de "o público ter direito de escape". Outro artifício usado pela arquiteta foi o de criar paredes com alturas diferentes (de 3,10 m e de 4,10 m) e que nunca chegam ao teto dos pavimentos, fechando o que seria uma visada geral.
Em 2006, ela assinou o projeto expográfico da 27.ª Bienal, a convite da curadora-geral daquela edição, Lisette Lagnado, criando, na ocasião, uma das colaborações mais precisas e inteligentes daquela exposição (leia ao lado). "A diferença, como arquiteta, é que naquela vez o pavilhão era uma novidade para mim. É uma das grandes obras de Niemeyer, difícil de trabalhar na medida em que é um prédio encantador", diz Marta, que desde 1997, no Arte/Cidade 3, está se dedicando diretamente à arquitetura de exposições.
"Talvez a arquitetura mais difícil de se colocar uma presença é aquela que já traz em si uma potência. E, nesse caso, a de Niemeyer é linda, se resolve, constrói espaço atípico e variado. E seu vão é dos grandes espaços de verticalidade. Ele próprio já encaminha para visuais inesperadas quando você bordeja o vão", ela analisa.
Artes em campo expandido por Ana Cecília Soares, Diário do Nordeste
Matéria de Ana Cecília Soares originalmente publicada no Caderno 3 do jornal Diário do Nordeste em 19 de agosto de 2010.
Reunindo grandes nomes das artes visuais no Brasil, o CCBNB realiza hoje e amanhã seminário sobre as relações entre arte, cultura, natureza e tecnologia
Muito mais que um meio imutável a ser representado, a natureza passa a ser substância real com a qual alguns artistas contemporâneos realizam suas poéticas. Há algumas décadas, eles vêm migrando dos espaços convencionais da arte como ateliês, galerias e museus para se afrontarem com a imensidão dos espaços e tempos infinitos do território natural.
Vários exemplos podem ser encontrados pelos artistas ligados à "Land Art", tendência na qual o meio ambiente se torna o próprio campo de experimentação artística; como os trabalhos desenvolvidos pelos norte-americanos Robert Smithson (1938-1973) e Walter de Maria (1935).
Confrontando-se com a limitação criativa determinada pelas galerias, Smithson elegeu regiões remotas como suporte para um trabalho eminentemente artesanal, utilizando materiais naturais e ampliando a dimensão dos objetos para a escala da paisagem.
Já Walter de Maria considerava a extensão da arte ao contexto e à exploração das relações entre a obra e o lugar em que se insere. Desde o final da década de 60, o caráter efêmero e a forma de degradação da obra são elementos fundamentais de sua criação artística.
Seminário
Essa excursão dos artistas para fora dos meios e espaços artísticos convencionais, e as complexas relações entre arte, paisagem, cultura, natureza e tecnologia, norteiam as discussões do Seminário Avançado de Arte, que acontece hoje e amanhã, a partir das 18h, no Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB). O evento reúne nomes de peso das artes visuais brasileiras como as professoras e curadoras Glória Ferreira e Marisa Flórido, e os artistas Jailton Moreira, Nelson Félix e o Grupo Nuvem.
Segundo Chang Chi Chai, que junto aos artistas Lin Lima e Begué constitui o grupo Nuvem, o seminário é uma oportunidade de mostrar ao público de Fortaleza alguns dos principais trabalhos que vem realizando a partir da imersão no ambiente em seu sentido mais amplo.
"Buscamos atuar em lugares que nos são desconhecidos. O grupo é ainda recente. Ficamos cerca de dois meses de imersão na Chapada dos Veadeiros, no interior de Goiás, a região é repleta de erosões... A erosão é uma ferida da Terra. Num esforço humano, inquebrantável e poético, fizemos uma costura dessas ´feridas´. Tentamos suturar a cicatriz da Terra".
MAIS INFORMAÇÕES:
SEMINÁRIO avançado de arte debate as complexas relações entre Arte, Paisagem, Cultura, Natureza e Tecnologia. Hoje e amanhã, às 18h, no CCBNB Fortaleza. Inscrições gratuitas na recepção do espaço até hoje. Contatos: (85) 3464.3108