Estou em busca do poema
Daniela Name
Uma conversa com Lygia Pape
tem o impacto de um terremoto. A dama do movimento neoconcreto poderia, aos
72 anos, acomodar-se ao status de referência para a arte contemporânea brasileira
mas, irrequieta, preferiu mostrar obras inéditas a fazer uma retrospectiva
na exposição que abre hoje, no Centro de Arte Hélio Oiticica. Uma das instalações,
“Carandiru”, é uma cachoeira vermelha, em sala da mesma cor, capaz de atrair
a atenção dos olhos mais cansados. Com corpo de passarinho e alma de vulcão,
Lygia não mede palavras para comentar a guerra do narcotráfico, o Guggenheim
e as críticas de Nuno Ramos ao tratamento dado à obra de Hélio Oiticica.
Por que uma exposição de
peças inéditas e não uma retrospectiva?
LYGIA PAPE: Sempre faço exposições
com peças inéditas. Acho um tédio pegar um trabalho e apresentar uma releitura.
Cada trabalho para mim é muito claro como conceito, então por que eu vou
falar duas vezes sobre a mesma coisa?
Dentre as quatro obras que
a senhora apresenta no Hélio Oiticica, “Carandiru”, a instalação que ocupa
o térreo, é a mais sensorial, não?
LYGIA: O som é de cachoeira
e na sala anterior à instalação vou projetar imagens dos tupinambás. Não
é um discurso político, não é um discurso demagógico, mas é uma referência
visual que vai ser criada. O sangue escorrendo na sala vermelha lembra tudo
o que se sabe sobre o martírio dos 111 presos. Os relatos dizem que o sangue
escorria pelas escadas, é uma imagem muito forte. O Carandiru destrói jovens,
porque 65% dos presos no Brasil têm entre 18 e 25 anos. A vitalidade do preso
tem muito a ver com a vitalidade dos tupinambás, que queriam fazer a devoração
espiritual através da antropofagia. O preso tem o mesmo impulso em relação
à sociedade. Mas quem faz esta devoração acaba destruído. Toda a população
tupinambá que vivia na costa do Brasil foi dizimada. Os colonizadores chegavam
ao requinte de espalhar roupas com varíola nas praias, o índio vestia e contaminava
aldeias inteiras. O que o Carandiru faz? Prepara as pessoas para a morte.
Como é que o Brasil, que está se tornando um país de velhos, dá-se ao luxo
de destruir esta juventude? Não é só uma questão política, é também uma questão
de espírito e de conceito. Não se abre mão da vitalidade.
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O Globo,
Segundo Caderno, quinta-feira, 13 de dezembro de 2001