NESTA EDIÇÃO:
Perdidos no Espaço no
Fórum Social Mundial, Porto Alegre HOJE
2080 e Projeto Parede no MAM, São Paulo HOJE
Lançamento da revista Global na UFRGS, Porto Alegre
TEXTOS:
O vale-tudo na estética contemporânea por Rubens Pileggi,
Londrina
Cultura precisa de projeto de medula e osso por Régis
Bonvicino, Folha de São Paulo
MAM abre exposição sobre a Geração 80 por Fernando Oliva,
Estado de São Paulo
Geração 80 - Um novo ponto de vista por Patricia Canetti
Intervenção Urbana em cartazes de Yiftah Peled
III Fórum Social Mundial: Mídia, Cultura e Contra-Hegemonia.
Perdidos no Espaço
Projeto de intervenções
artísticas no campus central da UFRGS, que ocorrerá juntamente com uma
oficina-seminário de duas tardes intitulada Intervenções Urbanas:
espaço crítico e dimensão poética das estratégias artísticas.
André Venzon, Andrei
Thomaz, Carlos Krauz, Cláudia Zanatta, Cristina Ribas, Daniele Marx,
Elaine Tedesco, Fabiana Wielewicki, Glaucis de Morais, Helio Fervenza,
Márcia Rosa, Marcos Sari, Mariana Silva, Neusa Eny Neves, Raquel Stolf,
Thiago Giora, Vera Lago
a partir de 23 de janeiro
de 2003
Campus Central da UFRGS
Porto Alegre RS
Na oficina-seminário buscaremos contemplar uma reflexão mais
ampla sobre experiências artísticas individuais e de grupos de artistas
no espaço urbano. O que nos move a promover estas duas tardes de
trabalho é podermos reunir diversas estratégias artísticas que escolhem
a cidade como um espaço de subjetivação e de resistência. Convidamos
professores e artistas para
nos trazerem suas respectivas contribuições sobre projetos de ocupação
artística no espaço universitário e no espaço urbano.
Pensando em fomentar um canal de reflexão, publicaremos um jornal
formato tablóide que sairá no 20 de janeiro de 2003. Atualizaremos
igualmente o
site Perdidos no espaço: http://www.ufrgs.br/artes/escultura,
onde podem ser encontradas informações mais detalhadas sobre nossas
atividades.
OFICINA-SEMINÁRIO
"Intervenções Urbanas: espaço crítico e dimensão poética das
estratégias artísticas".
Período de realização: 24 e 25 de janeiro, das 14 às 18 horas.
Local: Museu da UFRGS, Avenida Osvaldo Aranha, 277, Porto Alegre.
PROGRAMAÇÃO DA OFICINA SEMINÁRIO
24 de janeiro, sexta-feira
Espaço Público e Experimentação Artística na Universidade
14h às 15h30:
Cláudia Boetcher, Diretora do Museu da UFRGS (mediadora) Leandro
Selister / Projeto Coisas Essenciais da Vida – UFRGS, Profa. Elida
Tessler PPGAV-IA-UFRGS/ Olhares Essenciais, Prof. Geraldo Orthof,
Universidade de Brasília - O campus como Musa.
16h às 17h30:
Hélio Fervenza, PPGAV-IA-UFRGS (mediador), Profa. Maria Ivone dos
Santos – IA-UFRGS / Perdidos no Espaço, Prof. José Artur D’Aló Frota,
PROPAR-UFRGS, Novos espaços urbanos: arquitetura do lugar, arquitetura
do objeto. Profa. Blanca Brites - PPGAV-IA-UFRGS.
25 de janeiro, sábado
Intervenções Artísticas no Espaço Urbano (efêmeras e permanentes):
14h às 15h30:
(Mediadores: Geraldo Orthof, Maria Ivone dos Santos-DAV-IA) Julio
Castro - Prêmio Interferências Urbanas / Santa-Teresa – Rio de Janeiro;
Entorno
– Brasília - DF; Alexandre Moreira, Claudia Zanatta, Cristina Ribas –
Porto Alegre-RS.
16h às 18h: (Mediadores: Julio Castro, Hélio Fervenza, PPGAV-IA-UFRGS),
Juliana Angeli – Clube da Lata, Maria Helena Bernardes e André Severo /
Projeto AREAL - Porto Alegre-RS; Grupo Vaca-Amarela, Raquel Stolf,
Fernando Lindote, Yiftah Peled – Florianópolis.
Coordenadores
da Atividade: Profs: Maria Ivone dos Santos DAV-IA e Hélio Fervenza
PPGAV-IA (delegados pela ADUFRGS no III Fórum Social Mundial).
Participação na organização do evento: Arquiteto Fernando Falcão/
Mestrando PROPAR- UFRGS.
Realização conjunta: UFRGS - Programa de Pós Graduação em Artes
Visuais/Dep. de Artes Visuais/ INSTITUTO DE ARTES - Pró-Reitoria de
Extensão/Dep. de Difusão Cultural - Museu da UFRGS - Associação dos
Docentes da UFRGS.
Organização proponente no III Fórum Social Mundial: ADUFRGS
FÓRUM SOCIAL MUNDIAL: Um outro mundo é possível
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2080
retoma a pintura da geração 80 no mam de São Paulo
Adir Sodré, Alex Flemming,
Alex Vallauri, Ana Horta, Ana Maria Tavares, Beatriz Milhazes, Caetano
de Almeida, Carlito Carvalhosa, Ciro Cozzolino, Cláudio Fonseca, Daniel
Senise, Edgard de Souza, Eduardo Kac, Ester Grinspum, Fábio Miguez,
Felipe Andery, Fernando Barata, Florian Raiss, Hilton Berredo, Iran do
Espírito Santo, Jeanete Musatti, Jorge Barrão, Jorge Duarte, Jorge
Guinle, Leda Catunda, Leonilson, Luiz
Pizarro, Luiz Zerbini, Mônica Nador, Nelson Felix, Nuno Ramos, Paulo
Monteiro,
Paulo Pasta, Roberto Mícoli, Rodrigo Andrade, Sergio Niculitcheff e
Sérgio
Romagnolo.
Projeto Parede
Carlito Contini
23 de janeiro,
quinta-feira, às 19h30
Museu de Arte Moderna de São
Paulo
Parque Ibirapuera, portão 2 e
3
São Paulo SP
11-5549-9688/ 5085-1300
Terças, quartas e
sextas-feiras, das 12h às 18h; quintas-feiras, das 12h às 22h; e
sábados, domingos e feriados, das 10h às 18h. Ingressos: R$ 5,00
(estudantes pagam meia)
* sócios do mam, crianças até
10 anos e adultos com mais de 65 anos não pagam entrada
A entrada é franca às
terças-feiras, durante todo o dia, e às quintas-feiras, a partir das 17h
Exposição até 6 de abril de
2003.
A exposição “2080”, na Sala 1, com 49 trabalhos de 37 artistas.
A mostra trata do resgate da pintura no país nos anos 80 e do
surgimento
da figura do curador como organizador de exposições, e tem como
referências
quatro exibições históricas ocorridas entre 1983 e 1987.
Com curadoria de Felipe Chaimovich e do Setor Educativo do mam, o
espaço museográfico terá configuração inédita desenhada pelo arquiteto
Pedro Mendes da Rocha. Ele projetou paredes móveis (com rodas na base)
que vão possibilitar mudanças no espaço por quatro vezes a cada 15
dias, ao longo do período
da exposição.
Quatro segmentos, identificados com cores cítricas (verde, amarelo,
laranja e rosa), conduzem o público pela exibição na Sala 1. Cada
módulo corresponde a mostras históricas ocorridas entre 1983 e 1987:
(1) “Suporte da Pintura” - Faz reflexões sobre a exposição “Pintura
como Meio”, realizada em agosto de 1983 no Museu de Arte Contemporânea
de São
Paulo, com curadoria de Aracy Amaral. Aqui a técnica volta a permear o
processo
dos artistas, ao contrário das décadas passadas.
(2) “Anarquia e Prazer” – Faz referência à mostra “Como vai você,
Geração 80”, ocorrida no Parque Lage, no Rio de Janeiro em julho de
1984, assinada pelos curadores Marcos Lontra, Paulo Roberto Leal e
Sandra Mages. Neste
módulo é abordada a despolitização dos artistas, após anos de
engajamento.
(3) “Neo-Expressionismo” – Trata de “A Grande Tela”, apresentada na 18ª
Bienal de São Paulo, entre 4 de outubro a 15 de dezembro de 1985, com
curadoria de Sheila Leirner. A retomada de valores expressionistas são
levados em
conta por um grupo de artistas dos anos 80 (e que foram avaliados na
bienal).
(4) “Citacionismo” – Aborda a exposição “Imagens de Segunda Geração”,
curada por Tadeu Chiarelli, entre 3 de setembro a 25 de outubro de
1987, no Museu de Arte Contemporânea de São Paulo. Aqui os artistas
faziam referência explícita a obras de outros artistas ou movimentos.
A exposição, observa Felipe Chaimovich, não é uma remontagem de tais
exposições. “Pego as idéias curatoriais da época, sem correr o risco de
anacronismo”, observa. Ele adverte ainda que nem todas as obras na
mostra são as mesmas que participaram das exposições originais. Os
acervos do mam de São Paulo, do Rio de Janeiro e coleções particulares
emprestam as obras. Em “2080”
são exibidas pinturas nunca expostas como telas de Caetano de Almeida e
de Edgard de Souza (leia lista completa abaixo).
Para aprofundar ainda mais nas discussões sobre a produção artística
dos anos 80, o mam publica um catálogo de valor documental. São
reproduzidos
os textos originais de Aracy Amaral, Marcus Lontra, Sheila Leirner e
Tadeu
Chiarelli. Os mesmos autores fazem reflexões atuais sobre as mostras
que
organizaram no período.
Pela primeira vez o mam apresenta uma exposição com participação
curatorial do setor Educativo. Com interferência do departamento, a
exposição “2080” funcionará como um tabuleiro de xadrez. Quinzenalmente
serão feitas interferências nos painéis móveis. A cada interferência a
montagem ganhará uma configuração.
Felipe Chaimovich afirma que “2080” lida com um passado político
intenso: o fim da ditadura, a necessidade de dominar os índices
inflacionários e
a sensação de uma década perdida no sentido econômico. Nas artes
plásticas, a figura do curador desponta e a produção artística jovem é
diversificada, com o interesse em recorrer sem preconceitos à pintura.
Gênero aliás que
é explorado com inovações: o abandono da moldura e do chassis,
pinceladas
sem capricho clássico, ironia e o desprezo em evitar a precariedade de
uma
obra de arte.
“Embora sejam acontecimentos recentes, senti a necessidade de refletir
sobre tudo isso”, diz o curador, membro do Conselho Consultivo de Artes
Plásticas do museu. O setor Educativo, além de interferir a cada 15
dias
na montagem (com a mobilização das paredes móveis), prevê atividades
paralelas
como um ciclo de filmes, show musical e palestras com artistas.
A quase totalidade dos trabalhos na exposição "2080" é de pintura. As
exceções são as obras de Eduardo Kac (outdoor), Florian Raiss
(escultura), Jorge
Barrão (objeto), Mônica Nador (desenho).
O Projeto Parede é retomado em 2003 com a intervenção do artista
Carlito Contini na parede que faz a ligação entre a Sala Paulo
Figueiredo e a Sala 1. A obra, que trata de oito derivações da cor
vermelha, também é aberta
a visitação pública a partir do dia 24 de janeiro.
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Oficina
no
Fórum Social Mundial
O movimento dos
movimentos: lançamento da REVISTA GLOB(AL)
Michael Hardt, Naomi Klein,
Luca Casarini, Giuseppe Cocco, Ivana Bentes, Ericson Pires, Tatiana
Roque,
Suely Rolnik e outros.
24 de janeiro,
sexta-feira, das 14h às 17h
UFRGS - Instituto de
Psicologia
Ramiro Barcelos, 2600 Sala 210
Porto Alegre RS
A falta (aparente) de alternativa é a (verdadeira) alternativa
[Editorial]
Esse número "0" de Global - América Latina a ser lançado no Fórum
Social Mundial de Porto Alegre de 2003 é, na realidade, o segundo
número experimental de um projeto de Revista (Global Magazine) lançado
pela primeira vez, em
versão italiana, no Fórum Social Europeu de Florença, em novembro de
2002.
Global pretende ser interlocutor do "movimento dos movimentos" que, de
Seattle até Génova, de Porto Alegre até Florença, conseguiu abrir uma
brecha na chapa opressiva do neo-liberalismo e de uma globalização
profundamente marcada pela efetividade da lei da força: a lei dos mais
ricos e, depois do
onze de setembro de 2001, a lei dos mais fortes (a da guerra global
permanente).
Ao contrário dos rótulos "No Global" atribuídos ao movimento, Global
pretende enxergar, dentro do processo de globalização, brechas de
constituição democrática, para além a opressão estatal e nacionalista
(mãe de todos os tipos de racismo e xenofobia), mas também contra uma
soberania imperial esvaziada de todo
conteúdo democrático (mãe de todas as guerras); contra o
fundamentalismo
do mercado e sua imagem espelhada, o fundamentalismo religioso e/ou
nacionalista.
As situações argentina e brasileira são emblemáticas. Nelas, o império
se mostra como um quebra-cabeça sem desconexão possível. Elas desenham
um
desafio formidável: como estar no êxodo do horror neo-liberal para além
do terror nacional-desenvolvimentista?
Vista com os olhos do passado, as grandes mobilizações populares que
varreram toda forma de representação na Argentina ("que se vajan todos
!") parecem não encontrar a força de se tornar alternativa de governo,
ao passo que
o plebiscito para a mudança que colocou Lula no poder já parece estar
paralisado pelos constrangimentos macro-econômicos.
Entretanto, é esse quebra-cabeça que abre uma perspectiva
completamente diferente e, a nosso ver, particularmente inovadora. A
própria ausência
de um "modelo pronto para o uso" constitui uma situação aberta a uma
efetiva e inovadora construção democrática: entre o trabalho da
multidão argentina e o "evento Lula" no Brasil não emerge nenhuma
política que possa ser separada do processo de sua própria
constituição.
A falta (aparente) de alternativa é a (verdadeira) alternativa. O que
é, pois, a política da resistência, o direito de desobediência, se não
apreender a resistência (constituinte), para além de todo tipo de
separação instituída, como principal motor inovador e produtivo?
Driblando os modelos instituídos, a única política (da multidão)
possível é a que consegue (sem atalhos subjetivistas, nem concessões
pragmáticas)
juntar resistência e produção, ou seja constituir a não limitação da
democracia
como princípio de uma ilimitada inovação. Organizar a luta é hoje em
dia
organizar a produção.
Trata-se de uma proposta de revista de movimento para o movimento,
articulada nas dinâmicas de resistência em rede e produção de redes.
Global América
Latina constitui-se num desdobramento das redes constituintes das
grandes
mobilizações de Gênova (2001) e de Florença (2002) dentro de
experiências
e trajetórias singulares na América Latina.
Além dos aportes singulares de militantes e intelectuais, Global
América Latina é o fruto da mobilização da rede Universidade Nômade (no
Brasil)
e do Laboratório Argentina. O objetivo é que Global América Latina se
torne mensal, abranja o Atlântico do Sul (com a integração de editores
da África) e se torne assim o espaço de articulação de redes que
configuram possíveis processos constituintes e democráticos dentro do
Império: o de uma Europa dos direitos dos migrantes e do salário
universal; o de uma América Latina democrática mobilizada no combate ao
racismo e à desigualdade; o de uma
zona de integração social, cultural, política e econômica do Atlântico
do
Sul que afirme alternativas materiais aos curto - circuitos das zonas
de
livre comércio.
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O vale-tudo na estética contemporânea
RUBENS PILEGGI
Uma das maiores objeções da crítica sobre a arte contemporânea é a de
que ela se tornou uma espécie de “vale-tudo” em que as antigas regras e
conceitos já não são mais suficientes para entender o que os artistas
querem dizer
com seus trabalhos. Não é mais nem o fato de que se possa chegar a uma
abertura de exposição e nada encontrar dentro da galeria e a isso se
chamar o “museu do vazio”, como fez Yves Klein, há mais ou menos 40
anos atrás. Nem de embalar as próprias fezes em latinhas e dar a isso o
nome de “merda de artista”,
como fez Piero Manzoni, também nos idos da década de 60. Mas porque
todo
o conceito sobre o que vem a ser “obra de arte” e até mesmo “artista”
está
tomando um corpo em que todas as relações que formam o chamado
“circuito
artístico” acabam perdendo também seus referenciais. E o cargo de quem
está
no poder começa a ser ameaçado.
Artista faz, crítico pensa, curador elege, setor educativo explica.
Enquanto a fórmula vinha sendo repetida dentro dessa norma, os artistas
podiam fazer o que bem entendessem. Como em uma linha de montagem, cada
um tinha sua
funcionalidade dentro do sistema. Mas o artista começou a pensar, a
dizer,
a interferir e, desde então, cada vez mais, a regra tem sido
questionada.
De vez em quando surge uma temporada de críticos que dizem o que é
arte. Depois, de curadores. Criam-se certos modismos, coisas vistas,
requentadas para “acalmar” mercados, nichos, para mostrar a “evolução”
da arte. Mas,
pelo menos no Brasil, depois de Hélio Oiticica, não há nenhum tipo de
clima
que se possa dizer estável. Principalmente porque aqui estabilidade não
é
o forte, assim como o “circuito artístico” é quase – este sim – uma
abstração.
Em um texto intitulado “cérebro cremoso ao cair da tarde” (1998),
Ricardo Basbaum fala de uma experiência coletiva de artistas e um
crítico, que em 1987, deflagraram várias ações artísticas no Rio de
Janeiro, entre as quais, um desafio ao curador e galerista italiano
Achille Bonito Oliva - considerado na época como o porta voz da
renovação da pintura como proposta de saída
para a arte – que falava do movimento “Transvanguarda”, em uma palestra
naquela cidade. Pois bem, quase no final do texto, Basbaum constata:
“Estranho,
curioso, o processo do trabalho coletivo: pessoas de diferentes
percursos
encontram-se e realizam uma série de atividades para depois, aos
poucos,
seguirem seus caminhos – e o grupo se desfaz, nunca se percebe bem
como”.
É assim, diria o poeta Paulo Leminski, que pensava que a luta da
vanguarda artística se dava mais como uma guerrilha, onde cada um luta
como pode e
sabe, do que uma guerra organizada segundo uma hierarquia de posições e
comandos superiores.
Os agrupamentos se fazem em determinados momentos e depois se
dissolvem. Os guerrilheiros, os anjos de luz, os artistas, ou que nome
lá venham ter, percebem isso e, ao invés de ir contra esse fato,
começam a usar essa potência como experiência em seus trabalhos. O que
leva à desorientação do “público”, que não consegue mais acompanhar
(domesticar) o tipo de produção e conseqüente colocação da produção
artística.
No colóquio “Resistências”, realizado no final do ano passado, também
no Rio de Janeiro - a partir de um encontro intitulado “Com Amigo Não
Se Blefa” - foi colocado que, nessas questões da arte contemporânea,
vale-tudo, sim. Mas entre amigos, entre camaradas, entre cúmplices.
Inclusive a cópia, o
plágio, a indefinição autoral sobre quem fez ou faz o quê e como e até
o
roubo, desde que exista um acordo tácito e explícito entre os pares e
não
vise o lucro e a mais-valia sobre o trabalho alheio. Ou seja, as
relações
de autonomia e alteridade prevalecem. E também que é preciso abrir as
instituições
para torna-las mais flexíveis para abrigar os processos, fluxos e
experiências que hoje já não cabem mais no formato de exposição de
obras com temas curatorias, somente.
Sobre a questão da cópia, aliás, há um site do grupo italiano Wu Ming,
que em chinês quer dizer Sem Nome, discutindo justamente essa questão
sobre
direitos autorais e pirataria, cujo endereço na internet é: http://www.wumingfoundation.com/italiano/wmportugues.html
. E coloca que o “copyleft” – uma espécie de RAP, de Hip Hop da escrita
e do uso das imagens alheias - em contraposição ao “copyright” e à
pirataria é um modelo que pode ser adotado entre cúmplices do mundo
inteiro.Vale tudo sim, mas é preciso aprender fazer valer.
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Cultura precisa de projeto de medula e osso
RÉGIS BONVICINO
Especial para a Folha
Baseio-me, aqui, em conceitos de Herbert Marcuse, que considero
atuais. A relação entre os fins culturais e os meios factuais são
raramente
harmônicos. Esta tensão se exprime na distinção histórica entre cultura
e civilização, segundo a qual "a cultura se relaciona com uma dimensão
superior
de autonomia e da realização humana", enquanto a civilização opera no
reino
da necessidade, dentro do qual o homem não é efetivamente ele mesmo,
mas
um outro, um heterônimo a serviço.
Neste sentido, o papel da arte e da cultura é o de explicitar esta
tensão e não o de reprimi-la. Há, cada vez mais, tendência de supressão
de tal
distinção, que implica, na prática, em "renúncia cultural". E a
sociedade,
assim, "tende a tornar-se totalitária", no dizer correto de Marcuse.
O apagamento das fronteiras entre cultura e civilização e a
instrumentalização daquela para o mercado e para outros fins é um dos
projetos da civilização tecnológica (às vezes sob inflexões "sociais",
como no caso do Brasil carente de hoje), que quer eliminar os objetivos
transcendentes da cultura; e creio que caberia, então, possivelmente ao
Estado (dinheiro público) resgatá-los.
São, por isso, preocupantes certas declarações da Secretária da Cultura
de São Paulo, Cláudia Costin. Ela afirmou, em seu discurso de posse,
que "a
possibilidade de tornar a política cultural um instrumento de inclusão
social
é o que mais me encanta". E depois complementou: "quero, com o apoio
dos
funcionários, ajudar a vencer a guerra contra o tráfico....".
Aqui, com todo o respeito, se tem um caso de, sob o amparo de uma
"causa nobre", consensual, distorcer-se a função do Estado na área da
cultura.
O narcotráfico deve ser combatido pela Justiça, por Secretários de
Segurança e pela polícia (especialistas que podem trazer tranquilidade
na ação). Não faz parte dos fins transcendentes da cultura o seu
combate, por mais doloroso que isto soe. E nem mesmo a "inclusão
social", tarefa de áreas operacionais de um governo. O que há, com este
traço de programa, é indicação de "exclusão cultural".
Espanta quando diz Costin que "pretende adotar uma concepção de
política cultural integrada, em que as diferentes áreas que a integram
associam-se para compor um todo orgânico, fugindo ao que Edgar Morin
chamou de fragmentação do saber e da vida". Aí está o ponto central: o
da eliminação de toda a
distinção entre cultura e civilização, da repressão desta tensão, desta
feita, em nome do Estado.
Outras assertivas da secretária (que há pouco discutia liquidação de
contratos de empresas estrangeiras de energia com o coordenador da
transição, e agora Ministro da Fazenda, Antonio Palocci) também
preocupam: como a de transformar o Estado de São Paulo em "centro de
produção de "boa" literatura". Não acredito que ela desconheça que SP é
o lugar onde se gestaram o modernismo, o concretismo e o tropicalismo.
O Estado dirá então, a partir de agora, o que é boa e
má literatura?
Causa apreensão igualmente quando Costin elogia, a propósito do
incremento do Museu do Imigrante e da riqueza da miscigenação paulista,
"a geléia geral de nossa cultura". A expressão foi cunhada por Décio
Pignatari e Torquato Neto para denunciar justamente a ausência de
projetos consistentes e a amorfia da sociedade... Segundo Pignatari, a
questão é que alguém deve fazer o "papel de medula e osso, na geléia
geral brasileira".
Creio,
modestamente, que cabe à secretária, uma boa economista, refletir sobre
o que lançou e se
abrir para a construção de um programa democrático e transcendente -de
medula
e osso e de longo prazo- para a cultura de São Paulo, sem o qual não
pode
fazer qualquer administração.
Régis Bonvicino é poeta, autor, entre outros, de "Hilo de Piedra"
(Espanha, 2002), "Lindero Nuevo Vedado" (Edições Quasi, Portugal, 2002)
e co-editor da revista "Sibila" .
Texto publicado na Folha de São Paulo, na Ilustrada, em 18 de janeiro
de 2003, sábado.
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MAM abre exposição sobre a Geração 80
A coletiva '2080', em cartaz a partir de hoje, será remontada de acordo
com desejo do público
FERNANDO OLIVA
Especial para o Estado
Poderia haver momento mais propício para celebrar os anos 80 nas
artes plásticas nacionais? Se estamos prestes a alcançar a marca de 20
anos desde a mais emblemática das exposições da época (Como Vai Você,
Geração 80?,
em julho de 1984) ao mesmo tempo nos aproximamos da distância exata de
duas
décadas de outro evento-ícone daquele período, as Diretas Já. Para
completar,
estamos em janeiro, mês intimamente ligado ao movimento que exigia o
direito
de voto - dia 25 de janeiro de 84 ocorreu o histórico comício que
reuniu
cerca de 300 mil pessoas na Praça da Sé.
Atento ao atual momento de reivindicação de participação popular por
que passa o País, o Museu de Arte Moderna de São Paulo resolveu
franquear ao
público a decisão sobre os rumos do mais importante evento da
instituição
neste primeiro semestre. A exposição 2080, que será inaugurada hoje,
teve
sua curadoria compartilhada entre Felipe Chaimovich e o setor Educativo
do
museu, coordenado por Vera Barros e Carlos Barmak. Eles se basearam nos
conceitos
levantados por quatro exposições que marcaram a década: Pintura como
Meio
(83), Como Vai Você, Geração 80 (84), Grande Tela (na 18.ª Bienal, 85)
e
Imagens de Segunda Geração (87). 2080 não é uma remontagem e suas obras
não
coincidem com as das mostras originárias.
LEIA A CONTINUAÇÃO no Estado de São Paulo, Caderno 2, de 23 de janeiro
de 2003, quinta-feira:
http://www.estado.com.br/editorias/2003/01/23/cad035.html
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André Costa na performance Otelo e as Telas nos anos 80, fotografado por Patricia Canetti.
Geração
80 - Um novo ponto de vista
Ainda não foi
desta vez que os anos 80 ganharam um novo olhar. Mesmo 20 anos depois,
ainda não temos distanciamento histórico suficiente para construir uma
visão crítica daquela década. A produção dos anos 80 trazia a mesma
diversidade que encontrávamos na exposição de 123 artistas realizada no
Parque Lage; e seus processos e objetivos foram se modificando com
extrema velocidade, impregnados da abertura política vivenciada no
país, mas também da essência mutante da contemporaneidade.
Qual seria a
relação da produção artística daquela época com a atual? Que vertentes
da arte contemporânea já se desenhavam em linhas menos fortes (do que a
da pintura) prenunciando a produção de hoje? Se pegarmos uma
interseção entre a edição do ano passado da Bienal de São Paulo, e a
"Como Vai Você,
Geração 80?", encontraremos os artistas Ana Miguel, Chelpa Ferro
(Barrão e Luiz Zerbini), Karin Lambrecht, Maurício Dias e Ricardo
Basbaum, formando um conjunto bastante significativo das relações
históricas encontradas entre a época atual e os anos 80. Este é um
caminho ainda não trilhado pelos historiadores, críticos, curadores,
arte-educadores, que poderia servir para inúmeros paralelos e
confrontos no
entendimento da arte contemporânea brasileira.
E para
finalizar, aproveito para matar um pouco da curiosidade de vocês a meu
respeito. (De onde surgiu esta artista?) Fiz parte da Geração 80 com um
trabalho que misturava imagens fotográficas, poesia e grafite de
1,20x2m, em parceria com Hélio de
la Peña, fundador do jornal Casseta Popular e poeta. O vale-tudo, que o
Rubens
cita acima no seu texto, já rolava, e a fotografia ainda não era
considerada
arte.
Patricia
Canetti
Artista plástica e criadora do Canal Contemporâneo