MOSTRAS:
Flávia Bertinato e Tatiana Blass na 10,20x3,60, São Paulo
Visitas orientadas no Paço Imperial, Rio de Janeiro
INSCRIÇÕES:
Bolsa Iberê Camargo, Porto Alegre
Colônia de férias no Museu da
República, Rio de
Janeiro
Oficinas
de Férias no Maria Antônia, São Paulo
TEXTOS:
Cultura da Mu-Dança de Rubens Pileggi, Londrina
Discurso de posse de Gilberto Gil como Ministro da Cultura, Brasília
Flávia Bertinato
Tatiana Blass
14 de janeiro,
terça-feira, a partir das 20h
Galeria 10,20x3,60
Rua Jaguaribe 262, Santa Cecília
01224-000 São Paulo SP
galeria@dezevinte.com.br
11 3362-0468
http://www.dezevinte.com.br
Segunda a sexta, das 12h às 18h; sábados
com hora marcada.
Exposição até 14 de fevereiro de 2003.
São cerca de 12 peças que
compõem o conjunto de esculturas em cerâmica intitulado “Leão
de chácara” que Flávia Bertinato apresenta. As peças são feitas com
argila e depois de secas são esmaltadas para serem queimadas. Ao
contrário
do desenho, também presente na exposição, o conjunto de esculturas tem
um caráter excessivo assegurado , mais do que o número, pela sua forma
volumosa. Apoiadas uma às outras para não caírem, as esculturas são
penduradas na parede e se desdobram em direção ao chão. A
instabilidade,
questão nos dois trabalhos é problematizada no desenho com a
intersecção
de linhas que pretendem formar espaços díspares.
Tatiana Blass expõe quatro pinturas em óleo sobre tela e papel. Suas pinturas possibilitam o acompanhamento do processo do pensamento pictórico evidenciando os resquícios das camadas ou gestos anteriores. Se uma cor não dá certo se coloca outra, e daí esta construção ganha uma densidade que, por vezes, é atribuída pela espessura da tinta que sai direto do tubo. A busca precisa de uma cor garante formas descontínuas que perambulam para garantir um lugar na superfície. A vontade está em estabelecer uma convivência em que mesmo a estranheza não traga discordância, obtida por uma passagem não brusca entre os campos de cor que
não é dada pelo tonalismo, mas pelo contorno incerto e pelo branco do
papel ou da tela.
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Visitas orientadas por
monitores
Oito individuais
Antonio Dias, Franz Weissmann, José Resende, Luiz Aquila, Lygia Pape, Waltercio Caldas, Fernanda Junqueira e Germana Monte-Mór.
quarta a sábado
a partir das 17h, para grupos espontâneos,
e a partir das 13h, para grupos agendados
Paço Imperial
Praça XV 48, Centro
Rio de Janeiro 21 2533-4407
Terça a domingo, das 12 às 18h. Entrada
Franca.
As oito exposições ficam em cartaz até 16
de março de 2003.
O ponto de encontro é na entrada lateral da Rua da Assembléia.
Inscrições
pelo telefone 2533-4407, ramais 250 e 251, setor educativo do Paço.
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Bolsa Iberê Camargo, destinada a
artistas brasileiros residentes no país, sendo priorizados aqueles em
processo
de formação, com pelo menos quatro anos de produção sistemática em
arte,
dará ao artista selecionado: hospedagem pelo período de 3 meses na
Cité Internationale des Arts em Paris, passagem aérea ida-e-volta,
e ajuda de custo no valor de R$6 mil para os 3 meses de permanência.
Inscrições até 5 de
maio de 2003
Divulgação do resultado: 30
de maio de 2003
Período de residência em
Paris: 1 de julho a 30 de setembro de 2003
Maiores Informações:
Fundação Iberê Camargo
51-3028-4137 ou cultural@iberecamargo.org
http://iberecamargo.uol.com.br/content/hotsite2/default.htm
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Brincadeiras de Picadeiro
Colônia de férias no Museu da
República com os arte-educadores da Tear
6 a 31 de janeiro de 2003
Museu da República
Rua do Catete 153, Rio de Janeiro
Inscrições e informações: no
Museu 21-2558-6350,
ou Escola de Arte TEAR 2234-5590 / 2234-0559, tear@novanet.com.br
Segunda a sexta, das 13h às
17h, para crianças a partir de 4 anos, com turmas de 15 a 30. Valores
(incluindo taxa de material): R$ 110 (1 semana), R$ 140 (2 semanas),
R$ 170 (3 semanas), R$ 200 (4 semanas).
O Museu da República e a Escola de Arte TEAR oferecem às
crianças uma divertida colônia de férias com recreação dirigida cujo
tema é Brincadeiras de Picadeiro. Orientado por arte-educadores
especializados, o trabalho pretende levar a criança a viver momentos de
criação e descoberta através de atividades criativas como artes
plásticas, teatro, histórias, expressão corporal e da riqueza
paisagística do próprio Museu da República. Através de música, jogos e
brincadeiras, as crianças poderão conhecer um pouco
mais do mundo mágico do circo.
A colônia de férias do Museu da República já faz parte do verão da
criançada. Há oito anos, os jardins do Museu abrigam atividades
culturais que buscam desenvolver a expressão artística dos pimpolhos,
por meio
de música, literatura, jogos e brincadeiras. A programação, que inclui
noções de ecologia, cidadania e visitas ao Palácio do Catete e ao Museu
do Folclore, procura divertir e, ao mesmo tempo, desenvolver
habilidades
nas crianças e situá-las nos acontecimentos contemporâneos.
Há 22 anos, a Escola de Arte TEAR reúne educadores, terapeutas e
artistas para desenvolver em pessoas de todas as idades a capacidade
de criação e expressão. A escola apresenta atividades envolvendo
música,
literatura, artes plásticas e teatro, buscando o lazer e a troca de
experiências
entre os participantes.
Atividades da Colônia de Férias: pintura, desenho, modelagem, colagem,
construção de brinquedos populares; jogos rítmicos, cantigas populares,
rodas, folguedos e danças; leitura, criação e contação de histórias;
jogos dramáticos, criação e montagem de cenas e roteiro e gravação em
vídeo;
brincadeiras populares, jogos sensoriais, cooperativos e de tabuleiro;
visitas ao Palácio do Catete e ao Museu do Folclore.
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Oficinas de Férias
20 de janeiro a 10
de fevereiro de 2003
Centro Universitário Maria
Antônia - USP
Rua Maria Antônia 294
Vila Buarque – São Paulo – SP
11-3255-5538 / 3255-7182
mariantonia@edu.usp.br
As inscrições podem ser
feitas das 10h às 12h e das13h às 19h, até o dia 20 de janeiro ou o
total preenchimento das vagas. As oficinas não exigem pré-requisito.
Serão concedidos descontos: de 20% para professores e estudantes
ativos; de 30% para sócios da Associação de Amigos do Centro
Universitário Maria Antonia; de 40% para
aposentados e terceira idade.
IMAGEM
E PALAVRA, COM CONSTANÇA LUCAS*
Realização de trabalhos (desenhos, pinturas, poemas visuais) em que a
palavra esteja inserida de forma direta ou indireta. A oficina propõe
um trabalho experimental com a utilização de diversas técnicas
interligadas, como desenho a lápis, carvão, caneta, e técnicas mistas
incluindo colagens e outros recursos aliados ao uso do computador.
* http://www.constancalucas.dialdata.com.br
ou cons@dialdata.com.br
Segundas-feiras,
das 14h às 16h, Valor: R$100
PINTANDO O SETE, COM KÁTIA SALVANNY
Direcionada à faixa etária de 10 a 13 anos, tem por objetivo explorar a
criatividade por meio de atividades lúdicas que envolvem desenho,
pintura e escultura.
Terças-feiras, das 9h30 às 11h30, Valor: R$100
GRAVURA*, COM NOELY POMERANZ, FRANCISCO MARINGELLI, PAULO PENNA
Os três orientadores oferecem uma introdução aos procedimentos da
gravura, com as técnicas de monotipia, xilogravura e gravura em metal.
Terças-feiras, das 16h às 18h ou das 19h às 21h, Valor: R$100
* De 28/01/03 a 25/02/03
DESENHO E OBSERVAÇÃO COM MODELO VIVO, COM PAULO BARRETO
Para além do treinamento em desenho da figura humana no sentido
tradicional, a oficina trabalha a questão expressiva, com base nas
linguagens da Arte Contemporânea.
Quartas-feiras, das 14h às 17h, Valor: R$120
COR, COM KÁTIA SALVANNY
Por meio de exercícios de percepção e observação, aliados às técnicas
de pintura e colagem, a oficina trabalha com as aplicações e os
significados diversos da cor.
Quintas-feiras, das 14h às 16h, Valor: R$100
FOTOGRAFIA, COM INAÊ COUTINHO
Com a utilização de equipamento manual, os participantes produzem fotos
da cidade de São Paulo, aprendendo a lidar com o equipamento
fotográfico e também os critérios de avaliação dos resultados do
trabalho.
Quintas-feiras, das 15h às 18h; Valor: R$150
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Cultura da Mu-Dança
RUBENS PILEGGI
O governo passado do presidente Fernando Henrique, Malan, Weffort
e cia, falava muito que era preciso modernizar o Brasil, modernizar a
economia, modernizar a cultura e a arte nacional. Pois bem, se pararmos
um pouco para pensar o que foram esses 8 anos de mandato baseados no
pressuposto da modernidade, então devemos nos reportar aos conceitos
pregados pela arte em nosso país, pelo menos desde a década de 20,
particularmente a Semana de 22, em busca de uma identidade nacional,
por um lado, e os pressupostos das vanguardas históricas, por outro,
ocorridas principalmente na França.
Era diretriz desse movimento modernista, pensar o objeto de arte dentro
dos códigos e da estética próprias deste meio, quer dizer, pregavam a
idéia da “arte pela arte”. Uma arte que deveria desenvolver uma
linguagem
onde composição, cor, harmonia, etc. se bastasse para resolver os
códigos
artísticos, onde obviamente havia (e há) um alfabeto desenvolvido por
iniciados
para iniciados. Como se dizia: uma pintura não representa, ela é.
Mas quando isso foi aplicado à área econômica, 70 anos depois, o que se
viu foi o debate entre especialistas discutindo uma nomenclatura
hermética, de acesso apenas a um pequeno número de pessoas capaz de
decifra-los.
Nós, os mortais comuns, sentíamos fora e impotentes diante de tantas
palavras novas que surgiam a cada momento. Por fim, nossa sensação era
a de ter
se tornado um incômodo para o Deus Mercado, por não conseguir
corresponder
àquilo que era esperado de nós. A premissa que propunha que o capital
financeiro deveria se sobrepor ao capital humano era indisfarçada.
Na área da cultura, nada foi mais emblemático do que o ex-ministro
Francisco Weffort dizendo que a pasta que administrava era um setor
“contingencial” da política governamental. Acendendo um charuto na hora
da posse do novo ministro Gilberto Gil, em uma sala fechada e cheia de
gente e depois querendo viajar de jatinho da FAB para São Paulo, nosso
antigo ministro, conhecedor profundo de Guimarães Rosa e Machado de
Assis, acreditava que a Cultura era uma modalidade a serviço dos
“clássicos” e voltada para as políticas das grandes empresas, como o
Itaú e a Petrobrás, que usavam dinheiro público para promover eventos
de grande porte.
Esse foi o desafio que o governo que passou quis enfrentar. Agora
isso deve sofrer uma revisão. Se na política econômica ainda “se reza
a cartilha do FMI”, como diz o escritor Luiz Fernando Veríssimo em um
de seus recentes artigos na imprensa - cético com a via única adotada
pelo
governo Lula - ao menos escutamos aqui e ali seus ministros falarem de
“conceito
ampliado” em economia, colaborações mútuas em áreas diferentes,
preocupação
com a realidade social, contemporaneidade, enfim, incorporação de novos
conceitos que estão mais próximos da estética que a arte vem empregando
a partir, pelo menos, da década de 50, do que àquelas do modernismo.
Mesmo essa incorporação do modelo “neoliberal” do governo passado
não deixa de ser um sintoma de que, para a história, nada deve ser
simplesmente descartado, ainda que o choro da senadora Heloisa Helena
diante da posse do novo presidente do Banco Central – mais afinado com
a ideologia do
governo predecessor – continue alertando nossas consciências.
O que muda, de fato, é que a chegada de um homem como Lula no poder
parece apontar para um novo espírito de época, uma nova maneira de ver
o mundo, talvez menos complicado, talvez mais generoso com os filhos da
terra. E como diz a letra da canção de Gilberto Gil, “O eterno deus Mu
dança”:
“mesmo lá, no inconsciente, alguma coisa está clamando por mudança... a
gente quer mudança”. E fechar esse ciclo do modernismo e entrar logo
para
a contemporaneidade, onde arte e vida estejam irmanadas.
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Discurso do Ministro da Cultura, Gilberto Gil, na solenidade de transmissão do cargo
Brasília, 2 de janeiro de 2003
A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva foi a mais eloqüente
manifestação da nação brasileira pela necessidade e pela urgência da
mudança. Não por uma mudança superficial ou meramente tática no xadrez
de nossas possibilidades nacionais. Mas por uma mudança estratégica e
essencial, que mergulhe fundo no corpo e no espírito do país. O
ministro da Cultura entende assim o
recado enviado pelos brasileiros, através da consagração popular do
nome
de um trabalhador, do nome de um brasileiro profundo, simples e direto,
de um brasileiro identificado por cada um de nós como um seu igual,
como
um companheiro.
É também nesse horizonte que entendo o desejo do presidente Lula de que
eu assuma o Ministério da Cultura. Escolha prática, mas também
simbólica, de um homem do povo como ele. De um homem que se engajou num
sonho geracional de transformação do país, de um negromestiço empenhado
nas movimentações de sua gente, de um artista que nasceu dos solos mais
generosos de nossa cultura popular – e que, como o seu povo, jamais
abriu mão da aventura,
do fascínio e do desafio do novo. E é por isso mesmo que assumo, como
uma
das minhas tarefas centrais, aqui, tirar o Ministério da Cultura da
distância em que ele se encontra, hoje, do dia-a-dia dos brasileiros.
Que quero o Ministério presente em todos os cantos e recantos de nosso
País. Que quero que esta aqui seja a casa de todos os que pensam e
fazem o Brasil. Que seja, realmente, a casa da cultura brasileira.
E o que entendo por cultura vai muito além do âmbito restrito e
restritivo das concepções acadêmicas, ou dos ritos e da liturgia de uma
suposta “classe artística e intelectual”. Cultura, como alguém já
disse, não é apenas
“uma espécie de ignorância que distingue os estudiosos”. Nem somente o
que se produz no âmbito das formas canonizadas pelos códigos
ocidentais,
com as suas hierarquias suspeitas. Do mesmo modo, ninguém aqui vai me
ouvir
pronunciar a palavra “folclore”. Os vínculos entre o conceito erudito
de
“folclore” e a discriminação cultural são mais do que estreitos. São
íntimos.
“Folclore” é tudo aquilo que – não se enquadrando, por sua antigüidade,
no panorama da cultura de massa – é produzido por gente inculta, por
“primitivos
contemporâneos”, como uma espécie de enclave simbólico, historicamente
atrasado, no mundo atual. Os ensinamentos de Lina Bo Bardi me
preveniram
definitivamente contra essa armadilha. Não existe “folclore” – o que
existe
é cultura.
Cultura como tudo aquilo que, no uso de qualquer coisa, se manifesta
para além do mero valor de uso. Cultura como aquilo que, em cada objeto
que produzimos, transcende o meramente técnico. Cultura como usina de
símbolos de um povo. Cultura como conjunto de signos de cada comunidade
e de toda a nação. Cultura como o sentido de nossos atos, a soma de
nossos
gestos, o senso de nossos jeitos.
Desta perspectiva, as ações do Ministério da Cultura deverão ser
entendidas como exercícios de antropologia aplicada. O Ministério deve
ser como uma luz que revela, no passado e no presente, as coisas e os
signos que fizeram e fazem, do Brasil, o Brasil. Assim, o selo da
cultura, o foco da cultura, será colocado em todos os aspectos que a
revelem e expressem, para que
possamos tecer o fio que os unem.
Não cabe ao Estado fazer cultura, mas, sim, criar condições de acesso
universal aos bens simbólicos. Não cabe ao Estado fazer cultura, mas,
sim, proporcionar condições necessárias para a criação e a produção de
bens culturais, sejam eles artefatos ou mentefatos. Não cabe ao Estado
fazer cultura, mas, sim, promover o desenvolvimento cultural geral da
sociedade. Porque o acesso à cultura é um direito básico de cidadania,
assim como o direito à educação, à saúde, à vida num meio ambiente
saudável. Porque, ao investir nas condições de criação e produção,
estaremos tomando uma iniciativa de conseqüências imprevisíveis, mas
certamente brilhantes e profundas – já que a criatividade popular
brasileira, dos primeiros tempos coloniais aos dias de hoje, foi
sempre muito além do que permitiam as condiçõs educacionais, sociais e
econômicas de nossa existência. Na verdade, o Estado nunca esteve à
altura do fazer
de nosso povo, nos mais variados ramos da grande árvore da criação
simbólica brasileira.
É preciso ter humildade, portanto. Mas, ao mesmo tempo, o Estado não
deve deixar de agir. Não deve optar pela omissão. Não deve atirar fora
de seus ombros a responsabilidade pela formulação e execução de
políticas
públicas, apostando todas as suas fichas em mecanismos fiscais e assim
entregando a política cultural aos ventos, aos sabores e aos caprichos
do
deus-mercado. É claro que as leis e os mecanismos de incentivos fiscais
são da maior importância. Mas o mercado não é tudo. Não será nunca.
Sabemos
muito bem que em matéria de cultura, assim como em saúde e educação, é
preciso examinar e corrigir distorções inerentes à lógica do mercado –
que é sempre regida, em última análise, pela lei do mais forte. Sabemos
que é preciso, em muitos casos, ir além do imediatismo, da visão de
curto
alcance, da estreiteza, das insuficiências e mesmo da ignorância dos
agentes
mercadológicos. Sabemos que é preciso suprir as nossas grandes e
fundamentais
carências.
O Ministério não pode, portanto, ser apenas uma caixa de repasse de
verbas para uma clientela preferencial. Tenho, então, de fazer a
ressalva: não cabe ao Estado fazer cultura, a não ser num sentido muito
específico e inevitável. No sentido de que formular políticas públicas
para a cultura é, também, produzir cultura. No sentido de que toda
política cultural faz parte da cultura política de uma sociedade e de
um povo, num determinado momento de sua existência. No sentido de que
toda política cultural não pode
deixar nunca de expressar aspectos essenciais da cultura desse mesmo
povo.
Mas, também, no sentido de que é preciso intervir. Não segundo a
cartilha do velho modelo estatizante, mas para clarear caminhos, abrir
clareiras, estimular, abrigar. Para fazer uma espécie de “do-in”
antropológico, massageando pontos vitais, mas momentaneamente
desprezados ou adormecidos, do corpo cultural
do país. Enfim, para avivar o velho e atiçar o novo. Porque a cultura
brasileira
não pode ser pensada fora desse jogo, dessa dialética permanente entre
a
tradição e a invenção, numa encruzilhada de matrizes milenares e
informações
e tecnologias de ponta.
Logo, não se trata somente de expressar, refletir, espelhar. As
políticas públicas para a cultura devem ser encaradas, também, como
intervenções, como estradas reais e vicinais, como caminhos
necessários, como atalhos
urgentes. Em suma, como intervenções criativas no campo do real
histórico
e social. Daí que a política cultural deste Ministério, a política
cultural
do Governo Lula, a partir deste momento, deste instante, passa a ser
vista
como parte do projeto geral de construção de uma nova hegemonia em
nosso
País. Como parte do projeto geral de construção de uma nação realmente
democrática,
plural e tolerante. Como parte e essência de um projeto consistente e
criativo
de radicalidade social. Como parte e essência da construção de um
Brasil
de todos.
Penso, aliás, que o presidente Lula está certo quando diz que a onda
atual de violência, que ameaça destruir valores essenciais da formação
de nosso povo, não deve ser creditada automaticamente na conta da
pobreza. Sempre tivemos pobreza no Brasil, mas nunca a violência foi
tanta como
hoje. E esta violência vem das desigualdades sociais. Mesmo porque
sabemos
que o que aumentou no Brasil, nessas últimas décadas, não foi
exatamente
a pobreza ou a miséria. A pobreza até que diminuiu um pouco, como as
estatísticas mostram. Mas, ao mesmo tempo, o Brasil se tornou um dos
países mais desiguais do mundo. Um país que possui talvez a pior
distribuição de renda de todo o planeta. E é esse escândalo social que
explica, basicamente, o caráter
que a violência urbana assumiu recentemente entre nós, subvertendo,
inclusive, os antigos valores da bandidagem brasileira.
Ou o Brasil acaba com a violência, ou a violência acaba com o Brasil. O
Brasil não pode continuar sendo sinônimo de uma aventura generosa, mas
sempre interrompida. Ou de uma aventura só nominalmente solidária. Não
pode continuar sendo, como dizia Oswald de Andrade, um país de escravos
que
teimam em ser homens livres. Temos de completar a construção da nação.
De
incorporar os segmentos excluídos. De reduzir as desigualdades que nos
atormentam.
Ou não teremos como recuperar a nossa dignidade interna, nem como nos
afirmar plenamente no mundo. Como sustentar a mensagem que temos a dar
ao planeta, enquanto nação que se prometeu o ideal mais alto que uma
coletividade pode propor a si mesma: o ideal da convivência e da
tolerância, da coexistência de seres e linguagens múltiplos e diversos,
do convívio com a diferença
e mesmo com o contraditório. E o papel da cultura, nesse processo, não
é
apenas tático ou estratégico – é central: o papel de contribuir
objetivamente
para a superação dos desníveis sociais, mas apostando sempre na
realização
plena do humano.
A multiplicidade cultural brasileira é um fato. Paradoxalmente, a nossa
unidade de cultura – unidade básica, abrangente e profunda – também. Em
verdade, podemos mesmo dizer que a diversidade interna é, hoje, um dos
nossos traços identitários mais nítidos. É o que faz com que um
habitante da favela carioca, vinculado ao samba e à macumba, e um
caboclo amazônico, cultivando carimbós e encantados, sintam-se – e, de
fato, sejam – igualmente brasileiros. Como bem disse Agostinho da
Silva, o Brasil não é o país do isto ou aquilo, mas o país do isto e
aquilo. Somos um povo mestiço que vem criando, ao longo dos séculos,
uma cultura essencialmente sincrética. Uma cultura diversificada,
plural – mas que é como um verbo conjugado por pessoas diversas, em
tempos e modos distintos. Porque, ao mesmo tempo, essa cultura é una:
cultura
tropical sincrética tecida ao abrigo e à luz da língua portuguesa.
E não por acaso me referi, antes, ao plano internacional. Tenho para
mim que a política cultural deve permear todo o Governo, como uma
espécie de argamassa de nosso novo projeto nacional. Desse modo,
teremos de atuar transversalmente, em sintonia e em sincronia com os
demais ministérios. Alguns dessas parcerias se desenham de forma quase
automática, imediata, em casos como os dos ministérios da Educação, do
Turismo, do Meio Ambiente, do Trabalho, dos Esportes, da Integração
Nacional. Mas nem todos se lembram logo de uma parceria lógica e
natural, no contexto que estamos vivendo
e em função do projeto que temos em mãos: a parceria com o Ministério
das
Relações Exteriores. Se há duas coisas que hoje atraem
irresistivelmente
a atenção, a inteligência e a sensibilidade internacionais para o
Brasil,
uma é a Amazônia, com a sua biodiversidade – e a outra é a cultura
brasileira,
com a sua semiodiversidade. O Brasil aparece aqui, com as suas
diásporas
e as suas misturas, como um emissor de mensagens novas, no contexto da
globalização.
Juntamente com o Ministério das Relações Exteriores, temos de pensar,
modelar e inserir a imagem do Brasil no mundo. Temos de nos posicionar
estrategicamente no campo magnético do Governo Lula, com a sua ênfase
na afirmação soberana do Brasil no cenário internacional. E sobretudo
temos de saber que recado o Brasil – enquanto exemplo de convivência de
opostos e de paciência com o diferente – deve dar ao mundo, num momento
em que discursos ferozes e
estandartes bélicos se ouriçam planetariamente. Sabemos que as guerras
são movidas, quase sempre, por interesses econômicos. Mas não só. Elas
se
desenham, também, nas esferas da intolerância e do fanatismo. E, aqui,
o
Brasil tem lições a dar – apesar do que querem dizer certos
representantes de instituições internacionais e seus porta-vozes
internos que, a fim de
tentar expiar suas culpas raciais, esforçam-se para nos enquadrar numa
moldura
de hipocrisia e discórdia, compondo de nossa gente um retrato
interessado
e interesseiro, capaz de convencer apenas a eles mesmos. Sim: o Brasil
tem
lições a dar, no campo da paz e em outros, com as suas disposições
permanentemente sincréticas e transculturativas. E não vamos abrir mão
disso.
Em resumo, é com esta compreensão de nossas necessidades internas
e da procura de uma nova inserção do Brasil no mundo que o Ministério
da
Cultura vai atuar, dentro dos princípios, dos roteiros e das balizas do
projeto de mudança de que o presidente Lula é, hoje, a encarnação mais
verdadeira e mais profunda. Aqui será o espaço da experimentação de
rumos novos. O espaço da abertura para a criatividade popular e para as
novas linguagens. O espaço da disponibilidade para a aventura e a
ousadia. O espaço da memória e da invenção.
Muito obrigado.
E no dia 8 de janeiro de 2003, em Brasília, foram anunciados alguns dos nomes da nova
equipe de
dirigentes do Ministério da Cultura:
secretário-executivo, Juca Ferreira;
o secretário do Livro e Leitura, Waly Salomão;
o secretário do Patrimônio, Museus e Artes Plásticas, Márcio Meira;
secretário da Música e Artes Cênicas, ator Sérgio Mamberti;
secretário do Audiovisual, cineasta Orlando Senna
presidente da Funarte, Antonio Grassi;
presidente do Iphan, arquiteta Maria Elisa Costa;
presidente da Biblioteca Nacional, bibliófilo Pedro Corrêa do Lago;
presidente da Casa de Rui Barbosa, escritor José Almino Arraes.
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2003, ano 3 do Canal Contemporâneo!
Bom, e já que chegamos até aqui, acho que podemos ir adiante, e fazer cada vez mais: começar a montar uma equipe, passar umas posições já
conhecidas para poder alçar outras novas; estruturar melhor o que temos
para dar novos filhotes. Temos muito o que construir neste ano de 2003,
e conto com a
contribuição de todos vocês, pessoas e instituições, renovando e
fazendo novas assinaturas para continuarmos inventando este canal.
http://www.canalcontemporaneo.art.br/projetos.htm#0