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maio 2007
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Lançamento do segundo volume do documenta 12 magazines, Berlim
"A Existência Ferina - A Matéria e a Vida", work-in-progress de Dione Veiga Vieira "Bússola", de Renato Rezende "Chernobyl", um projeto de Alice Miceli "O que é a vida crua?", por Rachel Rosalen e Priscila Arantes "Tensões de um corpo comum: alguns apontamentos sobre subjetividade, o ordinário e a moda", de Carla Maria Camargos Mendonça "A arte da presença", de Katia Maciel "Dos dias e das noites", de Edith Derdyk "Entre o novo e o nada", de Márcio Almeida "Conte sua história", de Alevi Ferreira, Daniel Silva, Felipe Silva e Hugo Borges |
maio 8, 2007Lançamento do segundo volume do documenta 12 magazines, Berlim21 de maio, segunda-feira, 21h b_books O segundo volume impresso do projeto documenta 12 magazines poderá ser encontrado para venda em livrarias especializadas ou através dos sítios www.documenta.de e www.taschen.com.
Posted by Leandro de Paula at 10:38 AM
abril 11, 2007"A Existência Ferina - A Matéria e a Vida", work-in-progress de Dione Veiga Vieira
Posted by Leandro de Paula at 2:30 PM
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março 13, 2007"Bússola", de Renato RezendeDe vez em quando, é bom andar na corda bamba. Viver é passar por um intestino. As luzes douradas.
Tenho certeza que algo existe em mim. Só não sei se esse algo sou eu. Sou em essência alguém ou sou apenas um lugar, um ponto de confluência de palavras e corpos? Meu carro parado no acostamento da estrada movimentada me provoca uma angustiante sensação de movimento. Passo pelas coisas ou são as coisas que passam por mim, me atravessam? Atravesso? O que em mim é? Imagine a Mariana, por exemplo. Ela está lá, agora, sendo a Mariana. Para mim, ela só existe de vez em quando, quando por alguma razão me lembro dela. Para ela, ela existe o tempo todo. Para mim, eu existo o tempo todo. Mas e se eu conseguir existir para mim como a Mariana existe para mim, ou como eu existo para a Mariana: de vez em quando? Então, quando sair da sala, por exemplo, onde sou eu para os outros, e for ao banheiro, no banheiro serei apenas nada, um ser mijante. E se eu fizer desses intervalos minha vida? E se eu alternar sempre sendo e não-sendo? E se eu carregasse o rosto no bolso?
Lá onde menos temos controle O que em mim prefere
Sempre de olho no extraordinário, sempre caindo pelas brechas do calendário, sempre olhando para longe Eu pareço um balão que está sempre querendo se soltar do chão Pensei em ir à praia pensei seriamente em ir à praia capaz ainda de ir á praia no final da tarde (não por prazer, O mar eternamente batendo na praia isso sim é liberdade!:
uma carcaça O coração aberto como uma concha.
Posted by Leandro de Paula at 5:42 PM
março 12, 2007"Chernobyl", um projeto de Alice MiceliA Marca Invisível O objetivo deste projeto é criar uma série de imagens radiográficas da zona de exclusão de Chernobyl, na Bielo-Rússia. Imagens estas que serão geradas pela própria radiação invisível que assola o lugar. De uma certa maneira, o objetivo aqui é produzir imagens do "invisível": imagens impressas por um tipo de energia presente de forma extensiva em toda a área afetada e, ainda assim, completamente invisível, exceto pelos rastros de destruição que deixa para trás. Pretende-se lidar com diferentes níveis de visibilidade, tanto física quanto política - considerando que imagens serão produzidas através de uma energia invisível, dando a ver, por sua vez, uma "zona morta", esquecida, tornando-a visível através de um processo significante.
leia o post completo no blog do projeto. leia o post completo no blog do projeto. Leia post completo no blog do projeto. 28/11: A zona 05/12: A marca invisível Continuando em ...
Posted by Leandro de Paula at 2:56 PM
dezembro 15, 2006"O que é a vida crua?", por Rachel Rosalen e Priscila Arantes
Posted by Leandro de Paula at 8:41 AM
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dezembro 6, 2006"Tensões de um corpo comum: alguns apontamentos sobre subjetividade, o ordinário e a moda", de Carla Maria Camargos Mendonça"Tensões de um corpo comum: alguns apontamentos sobre subjetividade, o ordinário e a moda", de Carla Maria Camargos Mendonça1 Resumo Este artigo pretende refletir sobre a vida comum, o homem ordinário e a subjetividade contemporânea. Pensando na interlocução entre os três pontos, há de se pensar na imagem do corpo comum, nas dinâmicas da aparência e de que forma elas são capazes de carregar consigo uma potência libertadora e criativa. Por se tratar de uma discussão ou de apontamentos sobre a vida do um qualquer, não trataremos aqui de um discurso do artista ou prioritariamente da arte, mas mais do que isso, do que pode o corpo que circula pela cidade, que sofre as mazelas do dia a dia, mas que transforma essa vida em algo diferente através de seu corpo, na forma como articula as peças de roupa sobre si. As discussões sobre corpo e arte, mais precisamente sobre arte contemporânea, carregam para si autores de todas as ordens, pensamentos das mais variadas vertentes. No entanto, parece que antes de pensar as incursões desse corpo no campo das artes, há que discutir os movimentos de um corpo comum, ordinário, que habita todos os pontos do planeta, mas que não consegue chamar para si um olhar mais demorado. Não? Antes mesmo de responder a pergunta ou apontar os olhares sobre este corpo, há se apontar um fenômeno que toma de assalto a mídia em geral: o corpo anoréxico. Há alguns meses, vimos emergir um debate no Brasil e no mundo: a magreza excessiva das modelos. Iniciado na Espanha há alguns meses, até a realização da respectiva Fashion Week do país, o assunto não possuía grande notoriedade na comunicação de massa, a não ser por pequenas notas em uma ou outra revista européia. No entanto, na época da realização do evento, as falas e discursos oficiais do mundo fashion e da saúde pública se acaloraram, o debate chegou à França, os grandes estilistas se pronunciaram e o caminho foi aberto: não mais a anorexia é o padrão de beleza mundial. Para completar, duas mortes recentemente documentadas no Brasil, em uma mesma semana, alertam para os perigos dos distúrbios alimentares. Olhado nas coberturas de jornais, nos parece um debate, no mínimo, assustador. Sabemos de todos os problemas que o modelo doente de beleza pode causar, sabemos que o mundo da moda e seu gosto dominante são responsáveis pelos ditames das formas do corpo ordinário. No entanto, visto como discussão midiática, nos parece algo digno de ficção científica: daqui para frente uma nova forma de corpo. Certamente já passamos por várias dessas mudanças, mas nunca antes com um debate público tão amplo (há de se lembrar de discussões acaloradas na passagem do século XIX para o XX, em relação à indumentária, partiam de uma lógica parecida, mas obviamente o debate não se estendeu a nível mundial ou ganhou um caráter tão público. A anorexia ganhou uma certa notoriedade também na década de 90, em meio ao estilo heroína chique, mas o debate não ganhou maiores repercussões). O que nos chama atenção, então, sobre o debate contemporâneo se encontra no lugar do corpo anoréxico e na forma como outras tensões que não as da moda o afetam: é uma preocupação da ordem do cotidiano que levanta o debate, é a saúde, de forma mais específica, o discurso da saúde pública, que constrói uma tensão este corpo para uma mudança que o afeta no que tem de funcional - para além de ser belo, de se oferecer para o olhar e de receber as aprovações do outro, ele deve funcionar biologicamente, deve viver. Assistir a essa publicização que deriva de reivindicações de ordem da vida ordinária causa algumas inquietações por fazer aparecer tensões resultantes de algo da ordem do comum. Se nos desfiles, revistas e vitrines os corpos devem receber uma nova formatação, qual será a influência dessas novas decisões, se assim podemos chamá-las, na vida do homem comum? Na verdade, acredito que é o momento de redirecionar a pergunta: a quem interessa, em termos de imagem, a vida comum? Seria relativamente tranqüilo mapear esse interesse em campos como o do documentário e até mesmo do jornalismo, das ficções de reality shows, do anonimato que ganha notoriedade no star system, mesmo que por tempos curtos e muito bem delimitados, através de imagens que teimam em nos chamar atenção diariamente. E são esses os campos que respondem a pergunta do início do texto. Esse corpo é, sim, interessante, para várias mídias e torna-se objeto de vários discursos. E é exatamente esse o problema: raríssimas vezes os donos destes corpos são sujeitos dos seus próprios discursos, na maioria delas são narrados. Por esse motivo, há de se apontar o campo da moda como lugar privilegiado de aparecimento do corpo comum, principalmente levando em conta as questões suscitadas pelo debate da saúde. Pode parecer um tanto quanto ingênuo acreditar que o reino da aparência seria aquele da construção de uma narrativa particular, mas pensadas as subjetividades contemporâneas, o lugar da moda seria altamente libertador. Para entender este corpo que não ganha a arte ou a mídia como sujeito de seu próprio discurso, devem ser levantadas questões sobre a subjetividade contemporânea e de que forma ela redirecionas o pensamento sobre a idéia de sujeito, assim como cabe-se considerar a fabulação como potência dessa subjetividade. VIDA ORDINÁRIA: PRISÃO NA ROUPA, PRISÃO NO CORPO, PRISÃO NA MODA? Pelbart, tomando para si uma fala de Virilio, apresenta o paradoxo de não habitarmos um lugar, e sim uma velocidade, mas ao mesmo tempo nos a(man)termos presos às máquinas que proporcionam essa experiência. Um desses fenômenos é que somos reduzidos a uma espécie de egotismo tecnológico, já que a referência não é mais o território, ou os territórios existenciais, nem os eixos espaciais ou temporais do mundo ou da comunidade, mas nós mesmos nos concebemos como terminais, espécies de aleijados rodeados de próteses tecnológicas por todos os lados, paralíticos entubados em meio à velocidade generalizada2 Não só a tecnologia, mas todo o formato do social no contemporâneo concorre para a redefinição não somente do conceito de subjetividade, mas também de uma reestruturação da forma que olhamos (principalmente no campo dos próprios questionamentos que dirigimos) para ela. Recorremos, primeiramente, ao conceito de subjetividade a partir de Félix Guattari. Para o autor, ela é o conjunto de condições que torna possível que instâncias individuantes e/ou coletivas estejam em posição de emergir como território existencial auto-referencial em adjacência ou em relação com uma alteridade ela mesma subjetiva.3 Pelbart aponta, também a partir de Guattari, que a compreensão da formação das subjetividades contemporâneas passa, invariavelmente, pela compreensão de sua relação com o capitalismo. Esse capitalismo, que tomou de assalto a subjetividade, teria a pretensão de submeter essa subjetividade às suas lógicas, em um processo de submissão. No entanto, esse projeto, como também podemos ver na contemporaneidade, não obtém completamente o êxito desejado, mas nos ajuda a perceber o esfacelamento do mito de uma subjetividade dada, mas moldada e automodulável4. Por esse motivo, recorremos a Guattari para compreender a subjetividade a partir de sua formação: para o autor é polifônica e não obedece, necessariamente, a sistemas tradicionais de determinação do tipo infra-estrutura material - superestrutura ideológica5. A partir dessa consideração, o autor aponta os componentes heterogêneos que concorrem para a produção da subjetividade, levando em consideração as máquinas sociais e as tecnológicas de informação, que operam em seu núcleo. Eles são os 1. componentes semiológicos significantes que se manifestam através da família, da educação, do meio ambiente, da religião, da arte, do esporte; 2. elementos fabricados pela indústria dos mídia, do cinema, etc. 3. dimensões semiológicas a-significantes colocando em jogo máquinas informacionais de signos, funcionando paralelamente ou independentemente, pelo fato de produzirem e veicularem significações e denotações que escapam então às axiomáticas propriamente linguísticas6. É na percepção desses componentes que vislumbramos, a partir de Pelbart, que apesar do capitalismo requerer uma plasticidade subjetiva sem precedentes, essa mesma plasticidade reinventa suas dobras e resistências, muda suas estratégias, produz incessantemente suas linhas de fuga, refaz suas margens7. E, a partir dessa afirmação, somos impelidos a nos ater ao conceito de dobra (proposto por Deleuze) que, de acordo com Santaella, é a figuração-chave para pensarmos as novas formas de subjetividade. A autora explica que, para pensar esse conceito, deve-se abandonar as noções de identidade essencialista e interioridade absoluta e pensar que ambas possuem uma capacidade de transformação. Dessa forma, a subjetividade é uma dobra do exterior. A autora cita Domènech em outras palavras, a dobra nos permite pensar os processos pelos quais o ser humano transborda e vai além de sua pele, sem recorrer à imagem do Sujeito autônomo, independente, cerrado, agente... Agora, o problema já não seria tanto perguntar-se sobre que tipo de sujeito é produzido, mas que pode fazer o ser humano, que capacidade de afectar e ser afectado tem em um dispositivo concreto. Essa capacidade não é tampouco uma propriedade da carne, do corpo, da psique ou da alma. É, simplesmente, algo variável, produto ou propriedade de uma cadeia de conexões entre humanos, artefatos técnicos, dispositivos de ação e de pensamento8. Por esse motivo, escapamos do dualismo de uma exterioridade absoluta e de uma interioridade unificada, uma vez que, a partir desse conceito, percebemos a subjetivação enquanto processo que constrói um dentro que é a dobra do fora. Não é mais uma oposição entre interior e exterior: a subjetivação como dobra concebe a transformação do ser humano em várias (e variadas) formas de sujeito - sujeitos de suas próprias práticas - mas sem abandonar as dimensões dos coletivos sociotécnicos ou da historicidade. A partir daí surgem as singularidades, uma vez que a noção reconhece possibilidades de criação, assim como transformação. Dessa forma, percebe-se o sujeito como obra em construção, numa reflexão que não polariza nem as tecnologias, nem os próprios sujeitos. De acordo com Santaella, a partir da derrocada do conceito de sujeito na contemporaneidade, percebe-se uma emergência das questões que dizem respeito ao corpo. Esse sujeito, que a filosofia tanto tentou colocar no lugar de criaturas da razão, negando, na verdade, o que ele teria de "criatura", aparece hoje ofuscado por uma gama de inquietações, como apresentamos acima, que têm por prioridade pensar a subjetividade em seu detrimento e, invariavelmente, o corpo. Para a autora, que cita nessa formulação, existem três sentidos do corpo nós somos nosso corpo pelo modo como a fenomenologia compreende nosso ser no mundo emotivo, perceptível e móvel. Esse é o primeiro sentido. No segundo, somos corpos no sentido social e cultural, algo que experienciamos a partir de valores relativos ao corpo que são culturalmente construídos. Atravessando tanto o primeiro quanto o segundo sentido, há uma terceira dimensão: a das relações tecnológicas, das simbioses entre o corpo e as tecnologias9. A autora alerta para o fato de que apesar do corpo se mostrar como esse território de tantas possibilidades, não devemos pensar que ele "voltou" para ocupar o lugar deixado pelo sujeito, e sim aparece como um problema e deve ser olhado como tal. Ao apontar os processos que tiveram início na Revolução Industrial, principalmente através das próteses mecânicas que transformaram o corpo, Santaella aponta para o fato de que nos deparamos até mesmo com questionamentos sobre a humanidade de nossa subjetividade, uma vez que nas hibridações homem-máquina, questionamos a matéria de que somos feitos. O que pretendemos reafirmar aqui é que sabemos, parafraseando o título da obra-referência para os pesquisadores de moda, que existe um império do efêmero e que isso atinge as discussões que circundam o corpo. Já que entendemos império como aquele tipo de poder em rede que toma todo o espaço do mundo, nossas vidas, nossa inteligência, nossa aparência, genes e tudo mais que puder ser violado, entendemos também que a existência de mecanismos de modulação da existência, e a forma como, por nossos atos e vontades, optamos por caber nos modelos - da calça 38 ao rosto jovem - nos perdemos e nem mais conseguimos localizar onde está o poder e onde estamos nós. Mas, como citamos acima, na produção de linhas de fuga, é possível vislumbrar o que há de mais rico no mundo da vida: o homem comum. Sim, é da posse do ordinário a força da invenção. E Pelbart nos demonstra isso quando afirma que o capitalismo entende essa inventividade do comum quando manda olheiros para a rua para captar o estilo das pessoas que andam por ela. E isso é crucial para repensarmos os poderes de resistência: uma potência de vida, como nos afirma o autor, reside ali. É como se houvesse uma batalha entre o que invade e essa vitalidade, potência de vida indomável, chamada por Pelbart - e vários outros autores - de "biopotência". Tomando as palavras do autor: "o império é apenas um vampiro. Sem o sangue da multidão, ele não é nada". E por multidão, ele nos demonstra que devemos abandonar a idéia da falta de rosto ou de uma massa sem desejo, mas tomar a idéia de diversidade, de multiplicidade, é a construção do comum, no sentido de construir junto. O que pretendemos discutir aqui é que consome-se produtos imateriais oriundos de subjetividades e moldamos a nossa de acordo com tais produtos. Contudo, ainda assim, é possível a resistência. Desta relação proposta por Leibniz resulta um novo estatuto da narração. Ela se torna falsificante, deixa de aspirar à verdade. Não é uma pulverização da verdade na "verdade de cada um" e sim a percepção desses presentes incompossíveis simultâneos. Neste movimento, a noção do verdadeiro é substituída pela potência do falso. De acordo com Deleuze, o homem verídico morre, todo modelo de verdade se desmorona, em favor da nova narração (...) é Nietzsche, que substituiu, sob o nome de "vontade da potência", pela potência do falso a forma do verdadeiro, e resolve a crise da verdade, quer resolvê-la de uma vez por todas, mas em contraposição a Leibniz, em proveito do falso e de sua potência artística, criadora... 12 O passado não necessita ser necessariamente verdadeiro na confecção das imagens. A narração não mais se desencadeia nos princípios sensório-motores. A descrição se torna seu próprio objeto ao mesmo tempo em que se torna atemporal e falsificante. A narração falsificante quebra o sistema de julgamento, pelo fato de os elementos pararem de mudar e não exercerem uma conexão linear ou lógica. O autor escreve que há uma razão profunda para esta nova situação: contrariamente à forma do verdadeiro que é unificante e tende à identificação de uma personagem (sua descoberta ou simplesmente sua coerência) a potência do falso não é separável de uma irredutível multiplicidade. Eu é outro substitui Eu=Eu13. Essa potência do falso só pode existir no contraponto de outra potências. Tanto os "inocentes", quanto os investigadores e outros personagens participam desta mesma potência do falso, em diferentes graus e momentos. Outro ponto relevante sobre a potência do falso é que, diferente dos homens verídicos que pretendem julgar á luz de valores superiores, os falsários decidem julgar a vida pelos seus próprios valores, segundo eles mesmos. Segundo Deleuze, é preciso que a personagem seja primeiro real, para afirmar a ficção como potência e não como modelo: é preciso que ela comece a fabular para se afirmar ainda mais como real, e não como fictícia. A personagem está sempre se tornando outra, então é mais separável desse devir que se confunde com um povo.14 No entanto, mais do que pensar a idéia de fabulação nos regimes da imagem, há de se pensar a perspectiva na vida comum. Acreditamos que a fabulação na moda, e sua inevitável relação com a subjetividade criadora, residem em todos os sujeitos (a função fabuladora) que, de acordo com Guimarães, dispõem de algum meio expressivo para se atualizar. O autor explica que a fabulação criadora, entretanto, não é privilégio de gênios ou artistas; ela não se atualiza exclusivamente nesses sujeitos, mas em todos aqueles que são ultrapassados pelas forças que excedem o vivido e que passam a dispor de algum meio expressivo - escrita, voz, pedra, tinta, corpo, imagem - que permita "liberar a vida lá onde ela é prisioneira".15 Mas quem é esse ordinário que fabula e porque o interesse por ele? Sabemos que a promoção do anônimo, apesar de se manifestar na moda a partir da década de sessenta do século passado, é um processo que Michel de Certeau aponta como há muito anunciado. Para o autor, o anúncio dessa movimentação de derrocada do extraordinário e singular em detrimento do ordinário está presente, principalmente, na literatura, quando este aponta que é ao mesmo tempo o pesadelo ou o sonho filosófico da ironia humanista e a semelhança de referencial (uma história comum) que dá credibilidade a uma escrita contando "a todo mundo" a sua ridícula desventura. Mas quando a escrita elitista utiliza o locutor "vulgar" como o travesti de uma metalinguagem sobre si mesma, deixa igualmente transparecer aquilo que a desloca de seu privilégio e a aspira fora de si: um Outro que não é mais um deus ou a musa, mas o anônimo. O extravio da escrita fora do seu lugar próprio é traçado por esse homem ordinário, metáfora e deriva da dúvida que a habita, fantasma de sua "vaidade", figura enigmática da relação que ela mantém com todo o mundo, com a perda de sua isenção e com sua morte.16 desde há muito, a vida ordinária, comum a todos os homens, tem sofrido menosprezo - quando não o desprezo soberano - daqueles filósofos que nela enxergaram apenas o predomínio da opinião (doxa), guiados por um modelo de conhecimento que exige que a ascese e a ascensão do mundo enganoso das aparências sensíveis rumo ao universo imutável das idéias ou à abstração altaneira dos conceitos.17 Para Guimarães, a vida ordinária, por esse caráter inexperimentável, necessita de um deslocamento para que possamos tentar compreendê-la. Partindo do campo das ciências sociais e humanas, sugere que podemos fazer outra coisa, servindo-nos dos quadros conceituais e dos procedimentos metodológicos dessas mesmas ciências: procurar compreender como a experiência se apresenta no discurso das mídias - do jornalismo ao entretenimento - em sua ânsia de nos oferecer diariamente a crônica do atual, seja sob o modo de uma etnografia involuntária do insignificante (como em tantos programas dedicados ao seu comportamento e às preferências de qualquer um, eleito momentaneamente star do banal), seja sob o modo da exibição dos horrores e das crueldades de todas as ordens (das guerras aos crimes hediondos e comuns, dos atentados às catástrofes naturais...).18 Gostaríamos de pontuar, também, que a presença desse ordinário na mídia tem uma relação muito próxima com a estetização do cotidiano, que Lipovetsky (1989) relaciona com a moda. O autor diz que essa estetização afeta o comportamento do consumidor na medida que este não mais releva somente a funcionalidade do produto, mas também os símbolos que induzem à identificação e indicam o pertencimento a um grupo. Essa necessidade de pertencimento proporcionou (e também foi proporcionada por) uma novidade na moda, a partir, principalmente, dos anos 60: a rua, os movimentos juvenis, enfim, a efervescência do mundo da vida tornou-se a inspiração para a criação de tendências19. Já de acordo com Featherstone, é possível apontar três sentidos para a estetização da vida cotidiana. O primeiro está ligado às subculturas artísticas do início do século XX e ao apagamento das fronteiras que separam a vida da obra de arte. Neste momento, acreditamos que é necessário pontuar um artista específico e sua relação intrínseca com a moda: Gustav Klimt. O pintor das mulheres preocupa-se com a "tríplice unidade", união de arte, reforma e moda. E contribui mais ainda para a estetização do cotidiano: em 1906, quando fotografa Emilie Frogue ao ar livre, podendo ser considerado o primeiro fotógrafo de moda da história, antes mesmo de Adolphe de Meyer, que fotografa para Vogue e Vanity Fair somente em 1914. O segundo se encontra no projeto de transformar a vida em obra de arte através dessa estetização. De acordo com o autor, a procura de uma superioridade especial mediante a construção de um estilo de vida exemplar e sem concessões, no qual uma aristocracia de espírito se manifestava no desprezo às massas e na preocupação heróica com a realização da originalidade e superioridade no vestuário, na conduta, nos hábitos pessoais e até no mobiliário - o que chamamos agora de estilo de vida. O terceiro sentido encontra-se, principalmente, nos fenômenos da contemporaneidade e é definido por Featherstone como o fluxo veloz de signos e imagens que saturam a trama da vida cotidiana na sociedade contemporânea . Essa saturação tem por princípio a construção e manutenção de desejos, seja ele por bens materiais, seja por simbólicos. E é exatamente nessas imagens criadoras de desejo que se encontram tanto o fenômeno da moda quanto o videoclipe como lugar de aparecimento privilegiado dessa estetização. Para Featherstone, o ritmo acelerado da moda intensifica nossa consciência temporal, e nosso prazer simultâneo com o novo e com o antiquado nos dá uma forte noção do tempo presente. As modas em mutação e as exposições mundiais assinalam a perturbadora pluralidade de estilos na vida moderna O olhar que pretendemos dar à questão diz respeito às essas referências da rua, quando esse ordinário vira objeto de desejo da moda. Poderíamos pensar na fabulação do estilista, quando cria mundos particulares e, através de seus dispositivos, cria mundos possíveis, NÃO EM UMA ASPIRAÇÃO DE VERDADE, MAS DE POTENCIALIDADE. Ou mesmo do consumidor, quando este, ao vestir a roupa e articular o discurso dessas peças com os discursos de seu corpo e ainda com a sua subjetividade e, ADENTRA MUNDOS AOS QUAIS , ATÉ ENTÃO, NÃO TINHA PERMISSÃO PARA ENTRAR. No entanto, o que nos chama atenção de uma forma particular é a possibilidade de fabulação dos sujeitos narrados nas coleções. Sabemos que, boa parte das vezes, eles não são ao menos escutados, mas, impelidos pelo seguinte questionamento de Guimarães o que acontece, porém, quando a "fabulação dos pobres" traz consigo não uma lenda ou um animal mítico, mas a vida cotidiana, com seus pequenos enfrentamentos, suas ambições e desejos, sua cota de invenção (mínima mas imprescindível) sua reserva de resistência em meio apenas não ao banal, mas à violência e crueldade desumanizantes?
Se olharmos para suas 20 coleções, podemos perceber que o ordinário ganha uma importância enorme. É claro que estamos falando de imagens estetizadas desse ordinário, mas que ganham uma estetização diferenciada daquela que estamos acostumados a consumir nas imagens da moda. Em primeiro lugar, podemos ressaltar o desafio proposto pelo estilista: dar alma a um produto. Sabemos, como pesquisadores e como consumidores, que boa parte das coleções, como dissemos anteriormente, são referenciadas em algum aspecto do cotidiano, mas que atingem um nível de estetização que quase impossibilita a compreensão daqueles elementos que se configuraram como inspiração (mas que, quando pensadas como fabulação do estilista, tornam-se o mundo possível criado por ele). Para o estilista, a moda seria um dos vetores responsáveis na criação de um suposto "tom do século". Como pudemos perceber ao longo da história, é, geralmente, nos primeiro vinte anos que ocorre uma tentativa desenfreada de propor uma nova cara para tudo, ao mesmo tempo em que não se sabe o que fazer com aquilo que passou. Nessa perspectiva, Fraga pensa em trazer de forma nova as velhas coisas. Esses dois pontos são férteis para pensarmos a moda: se ela pode refletir o zeigeist, na verdade, estetizá-lo, uma vez que ele não significa necessariamente, neste ponto do século XXI que nos encontramos, uma grande novidade e sim, e esse é o outro ponto, um amontoado de coisas ditas velhas. E que o seriam essas coisas velhas senão algo da nossa subjetividade, mas algo que compartilhamos com os outros, seja o lugar da família, seja a aflição em relação a tempos tão violentos? Pensemos em duas coleções específicas: Cordeiro de Deus (verão 2002/2003) e Costela de Adão (verão 2003/2004). Na primeira, a inspiração era a visita, no dia de domingo, nas penitenciárias. A coleção foi bordada por detentos da penitenciária Geraldo Alckmin, localizada em Belo Horizonte. Já a segunda utiliza como temática a cerâmica do vale do Jequitinhonha. Em ambas, percebemos a presença do homem comum, ordinário, como tema central de inspiração. No entanto, esse comum, que transita pelo nosso cotidiano, não diz respeito exatamente às coisas que gostaríamos de enxergar e sim àqueles sujeitos que, apesar do telejornal escancará-lo, na forma de imagem, na nossa sala de estar, preferimos ter contato ou consumir somente como parte de um cabedal de tudo aquilo que se propõe, diariamente, à nossa retina. Como afirma Bauman, "na tele-cidade, os outros aparecem somente como objetos de gozo, sem que nenhum laço os prenda (podem ser eliminados da tela - e assim lançados para fora do mundo - quando pararem de divertir)"20. No entanto, quando nos deparamos com coleções desse tipo, tanto no lugar da produção, quanto do consumo, esse Outro, que aparece estetizado, ganha aí sua capacidade de fabular sobre seus mundos e suas verdades e, quando ganha os corpos dos consumidores, dá a permissão para adentramos em seu mundo. De acordo com Deleuze, a fabulação não é um mito impessoal, mas também não é ficção pessoal: é uma palavra em ato, um ato de fala pelo qual a personagem nunca pára de atravessar a fronteira que separa seu assunto privado da política, e produz, ela própria, enunciados coletivos21. Essa possibilidade de fabular, de acordo com o estilista, é dada a esse Outro durante o processo de pesquisa e produção e da produção da coleção. No caso da Costela de Adão, por exemplo, a imagem que constitui do Jequitinhonha surgiu do abandono da relação das cores que, a priori, nos remetem à pobreza do solo, para a transformação dessa escala do pantone, na sua mistura com cores mais abertas, em uma referência ao um universo não somente do artesanato do local, mas nas possibilidades de transformar o árido em fértil (nesse caso, a fabulação do estilista). Esse tratamento foi um pedido dos moradores do local, que cansaram de se ver associados à pobreza do vale. Esse é o momento da fabulação desse sujeito, que deseja criar ali, não somente um universo falso, mas uma leitura do próprio mundo no qual ele deseja ser sujeito e não somente objeto. O que está em jogo não é apenas a verdade de Fraga e as articulações de sua subjetividade e sim, como nos aponta Deleuze ao comentar o lugar da fabulação no documentário, é a função de fabulação dos pobres, na medida que dá ao falso a potência que faz deste uma memória, uma lenda, um monstro22. O que deve ser apreendido é exatamente este devir da personagem em detrimento de uma identidade (no caso, a identidade da dura exclusão social). FINALMENTE, O CORPO DO CONSUMIDOR Além de abrir espaço para a fabulação (nas suas várias possibilidades), a moda, como já comentamos, pode ser pensada como possibilidade de materializar os vários vetores que constituem a subjetividade contemporânea. A afirmação pode soar simplista, ou até mesmo óbvia, mas gostaríamos de ressaltar que, nessa materialização, podemos adentrar mundos aos quais não teríamos, antes, possibilidade. Uma vez que a moda trabalha com jogos de aparência, e esses jogos têm como lugar o corpo, as potencialidades da subjetividade e os desejos referentes ao que se gostaria de ser encontram ali seu território privilegiado de aparecimento. É nas vaidades que ensaiamos o nosso lugar dentro daquilo que nos escorrega pelos dedos, na vastidão das imagens. É aparência de hoje, que diz respeito a um, a de amanhã, que carrega o outro, que, nas suas semelhanças e diferenças, nos dá uma pequena idéia de pertencimento, de possibilidade, de conhecedor, de quem vai, pelo duro e cinza da cidade, entornando o pouco de poesia que nos resta no chão. NOTAS 1 Mestre e doutoranda pelo Programa de Comunicação da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG volta ao texto
BAUMAN, Zygmunt. Ética pós-moderna. São Paulo: Paulus, 1997.
Posted by Leandro de Paula at 4:23 AM
"A arte da presença", de Katia Maciel"A arte da presença", de Katia Maciel Uma das contribuições mais importantes das novas tecnologias aos processos da arte contemporânea foi a reconfiguracão da idéia de presença. Para acessarmos um trabalho de web-arte, por exemplo, precisamos estar presentes nos circuitos da rede. Sim, a idéia da virtualidade nunca expulsou a presença, apenas transformou e potencializou seus efeitos por meio da ubiqüidade dos sistemas hídridos da comunicação. O próprio conceito de interface inclui de maneira diferencial o espectador de outrora. Diante desta nova superfície na qual se multiplicam telas, programações e relações, a presença se intensifica enquanto força propulsora de trabalhos que acontecem por meio do diálogo. Claro, o teatro, a pintura, a fotografia e depois o cinema surgiam diante da nossa observação. Abandonar um filme no meio da sessão produz a sensação de interrupção de um encontro, uma regra prevista pelo artista e seu dispositivo. Então, qual seria a diferença tão proclamada hoje pelos adeptos dos novos usos da tecnologia na arte? A presença é móvel. A mobilidade é apropriada pela arte de hoje a partir de duas lógicas: o fluxo dos circuitos comunicacionais e a inclusão dos deslocamentos motores e sensoriais do corpo. O que significa que por um lado, as alterações nos padrões de comunicação que se popularizaram nos anos 80, com a adoção do computador em rede, permitiram o fluxo de dados como nunca antes sonhado e, por outro lado, o corpo passa a ser pensado como um elemento que é parte do sistema. Ou seja, nos últimos anos vemos cada vez mais uma integração das duas lógicas na programação, por exemplo, de uma arte de vestir nas experiências do estilista Issey Miake ou nas Vestis (corpos afetivos) da artista Luisa Donati. O que vestimos, portanto, não apenas é produzido a partir de tecidos inventados por programas (Miake), mas, ainda, podemos vestir trajes sensoriais que respondem a proximidade de outros corpos (Donati). Estamos então dentro e fora destes trajes estimuláveis. Outro exemplo, é o da arte que usa os sistemas de telefonia como maneira de acesso e produção do trabalho como opera a obra da artista Gisele Beiguelman. O fenômeno de uma arte que se desloca no tempo e no espaço e que redefine a presença em sua relação com a obra se desdobra em muitas camadas de operações teóricas e experimentais. Neste texto, consideraremos algumas destas estratégias da obra de arte comtenporânea. Relacionar Jean-Louis Boissier em seu texto Imagem-Relação1 descreve um novo acontecimento no campo da arte. Boissier pensa a imagem numérica dos trabalhos contemporâneos como uma imagem operacional aberta ao jogo interativo, esta imagem-relação solicita uma intervenção direta do seu destinatário como forma constitutiva da articulação de elementos que definem o processo da obra. O autor se apropria do uso terminológico da palavra relação como relato e como ligação. Este duplo sentido potencializa o conceito de relação em seus aspectos de modelização de uma estrutura interativa. Ou seja, o autor estende o conceito de Gilles Deleuze de imagem-relação, constitutiva da imagem-tempo, como maneira de pensar a relação como forma, duração e processo, logo de uso teórico e experimental. O fato de que os "objetos" da arte hoje podem resultar de cálculos e programações tornam possível que aquele espectador tradicional de imagens se transforme em operador de um sistema aberto cujos resultados dependem da maneira pela qual o acesso se presentifica no trabalho proposto. Portanto, se em um trabalho que opere pelo sistema de telefonia, por exemplo, não damos o output da mensagem a obra não se realiza, na medida em que nesta proposição artística a relação entre o input e o output é a forma. A obra interativa ocorre então no tempo em que nosso corpo está presente no sistema, esta presença é a que modeliza os elementos que integram a obra. Como afirma Boissier "a imagem-relação seria a presentificação direta de uma interação"2. Acessar Mas de que maneira pode este operador acessar a obra? Depende da programação pensada na origem. As obras interativas programadas atualizam um mapa de relações pensado pelo artista. Por mais que o sistema pareça aberto ao participador3 na verdade muito é previsto pelo artista, este define inclusive as estruturas randômicas que serão utilizadas produzindo no visitante do sistema a impressão de acaso. As interfaces geradas por estes trabalhos produzem a qualidade deste acesso, neste caso a intensidade da presença é o suporte previsto pelos cálculos. A interface é uma programação que seduz o acesso. Cada movimento na tela,cada som emitido, cada cor, cada grafismo é uma pista para o desdobramento da obra. No metrô de Tóquio um jovem quase caiu nos trilhos enquanto acessava um game em seu celular. Não podemos mais considerar determinados tipos de interfaces apenas como mediação e portanto como uma superfície de acesso a uma outra realidade, cada vez mais o que experimentamos é a incorporação de uma realidade híbrida que amplifica nossa presença por meio dos sistemas telemáticos. Habitamos mundos de naturezas distintas ao mesmo tempo, logo o acesso não é apenas um meio, mas uma passagem, como um portal que nos indica uma outra situação. Multiplicar Uma vez perguntaram à artista Lygia Clark quantas posições tinha o Bicho2 ao que a artista respondeu: - Eu não sei, você não sabe, mas o bicho sabe. Esta anedota resume de maneira exemplar o que viria a ser a lógica da arte interativa. A arte além de ser processual, o que já estava colocado pelos movimentos da arte como o Expressionismo abstrato, a Arte Pop, o Minimalismo, o Neoconcretismo, entre outros, viria a ser nos desdobramentos da arte eletrônica, uma arte do múltiplo. Não se trata apenas de seriar ou multiplicar os objetos, como nos processos industriais sempre discutidos pela arte, mas de multiplicar os acessos e resultados. Ou seja, quando acessamos uma obra por meio da navegação em um DVD-ROM, por exemplo, podemos entrar no trabalho de maneiras diferentes e também chegar a lugares diferentes. Muitas vezes, não existe um resultado único do processo, este é sempre múltiplo. Mais do que isto, o acesso à obra pode ser realizado por muitos participadores ao mesmo tempo. No mundo virtual construído por Gilberto Prado, por exemplo, muitos usuários se encontram no mesmo Desertesejo5 e trocam sensações e percepções do espaço virtual gerado pelo artista. Parla, um trabalho do artista Guto Nóbrega multiplica corpos como vestes. Por meio de acesso sonoro a interface reage aos sons emitidos pelo participador, a cada ruído não apenas o corpo troca de roupa como também a roupa troca de corpo. A multiplicidade de usos de personagens e tecidos estrutura a obra multimídia como um fluxo que atende em tempo real a presença sonora do participador. Outro tipo de resposta multiplicadora são programações que respondem a cada novo acesso de uma forma diferente ou ainda que a cada caminho transfomam ou reordenam o percurso. O trabalho do artista argentino Iván Marino intitulada "In death's dream kingdom" opera com fragmentos de vídeo em variadas ordenações que sobrepõem a imagem em sua forma ampliada. Cada aspecto do corpo que se movimenta é focalizado e embaralhado pelo usuário. A possibilidade de multiplicar a forma das obras interativas acontece a partir da relação, ou seja, de um tempo e narração possível entre o artista, o participador e a obra como faces de um mesmo dispositivo. Deslocar A arte é sempre deslocamento. O famoso quadro As meninas, de Velásquez, (1656) mostra um pintor que se desloca da tela que pinta para olhar para nós espectadores. A pintura indica não só uma ação, mas uma interrupção em um processo em função da nossa presença. Não apenas o olhar do pintor, mas a troca de olhares entre os personagens da pintura nos colocam no centro da trama que se desenvolve. Hoje as instalações contemporâneas respondem diretamente a nossa presença por meio de lógicas interativas que integram o uso de computadores e sensores na busca de nossas sensações. Um dos trabalhos apresentados no Ars eletronica em 2003, intitulado Access de Marie Sester, consistia em um site que permitia o uso anônimo de um sistema de localização conectado a um refletor robótico. O foco de luz perseguia o espectador no espaço expositivo. Esta imagem apresenta a situação de uma presença aumentada em que a arte, por meio de diferentes dispositivos potencializa as relações de espaço-tempo do participador como agente da obra que se forma. Embora hoje a arte circule nos circuitos das redes ela nunca atua por meio de uma presença à distância, mas na presença que abole a distância. A poética desta obra reside em tornar o espectador em luz, ou seja, em energia que ilumina a própria arte.
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novembro 30, 2006"Dos dias e das noites", de Edith Derdyke dos dias e das noites e dos dias e das noites e dias e noites e dias e que dias e que noites serão estas? Edith Derdyk é artista visual, ilustradora, educadora e autora dos livros 'Linhas de Horizonte:por umja poética do ato crIador" (Ed.Escuta/2001); "Linha de costura" (Ed.Iluminuras/1997); "Formas de pensar o desenho" e "O desenho da Figura Humana" (Ed.Scipione/1989 e 1988) e Edições independentes: "Fresta" e "Fiação" (2004); "O que fica do que escapa" (2001); "Vão" (1999).
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"Entre o novo e o nada", de Márcio Almeida"Entre o novo e o nada", de Márcio Almeida Entre julho de 2005 e julho de 2006, visitei várias invasões na Região Metropolitana do Recife, a fim de encontrar uma família que quisesse trocar uma casa que comprei num bairro popular (com o dinheiro do prêmio bolsa-pesquisa do 46º Salão de Artes Plásticas de Pernambuco) por sua residência e seus pertences. Entre muitos nãos e porquês, em julho de 2006, por intermédio de César, recepcionista de um edifício no bairro da Madalena, finalmente encontrei dona Edineide, uma moça que morava com o marido e a filha numa invasão no bairro de Sapucaia de Dentro. Pelo aspecto extremamente afetivo do trabalho, procurei a todo instante deixar claro que se tratava de uma troca, e que eu não era de todo "bonzinho", pois tal troca envolvia mais que simplesmente uma casa, havia outras questões que estariam disfarçadas, talvez, e que viriam à tona apenas no decorrer do processo. Dias depois do primeiro encontro, fomos visitar a casa em questão, e começamos as negociações, marcando para na 1ª quinzena de outubro a mudança e o desmonte do barraco. No dia 22 de outubro, o barraco estava montado dentro do MAC - Museu de Arte Contemporânea, junto com um vídeo de 30 min, completando, assim, o projeto, com o qual fiquei bastante satisfeito. Márcio Almeida
Esta casa que ocupa praticamente toda a sala maior do térreo do MAC não se apresenta simplesmente como objeto de contemplação, mas é o troféu de Márcio Almeida. Interessado especialmente em questões da geopolítica e da ocupação do espaço urbano, o artista delineou um projeto de alta carga ética e afetiva: propor a um morador de habitação precária a troca de sua casa, com todos os objetos pessoais incluídos, por uma outra moradia em melhores condições e mais valiosa, escolhida por Márcio em uma comunidade que não tivesse, a princípio, vínculos afetivos com a família escolhida. Diferentemente do que se pode pensar, o artista recebeu muitos nãos até conseguir realizar plenamente seu projeto. Recaía, obviamente, uma desconfiança de suas intenções e da real finalidade de tal transação, assim como muitas pessoas não desejavam abandonar seu entorno, seus laços afetivos. Durante o processo, o artista estabelecia, portanto, uma delicada negociação de esferas, ao tentar utilizar códigos e princípios da arte para interferir no mundo real. Quando finalmente o pacto entre as duas partes foi firmado, casa e objetos foram inscritos no mundo da arte e seus valores passaram a ser cotados como obras de arte, valendo algumas vezes mais do que anteriormente. Esta mudança de valor e o trânsito de campos tangenciam a essência do capitalismo, mas também evidenciam a porosidade da esfera da arte legada pelo século XX. Márcio Almeida trabalha em Recife, cidade onde nasceu, em 1963. Atua nas artes plásticas desde 1988. Já realizou diversas exposições individuais e coletivas em várias capitais brasileiras e no Exterior. Fotos: Flávio Lamenha
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novembro 26, 2006"Conte sua história", de Alevi Ferreira, Daniel Silva, Felipe Silva e Hugo BorgesConte sua história, projeto de Alevi Ferreira, Daniel Silva, Felipe Silva e Hugo Borges
RESUMO O QUE É UM DISPOSITIVO? Duas famílias trocam de mães durante duas semanas. Catorze pessoas ficam trancadas em uma casa durante meses em busca de um prêmio milionário. Vários estilistas disputam semanalmente qual deles é o melhor. Nerds recorrem a especialistas para se tornarem jovens descolados. Casais trocam desaforos (ou confidências) ao vivo, em um programa de auditório. Gordinhas, sardentas e baixinhas estrelam campanhas publicitárias. Artistas e pessoas comuns têm o cotidiano acompanhado por câmeras atentas. Durante um mês, um sujeito testa, no próprio organismo, os resultados de refeições diárias no McDonald's. Estes são apenas alguns exemplos de produtos audiovisuais que habitam a televisão e o cinema e que têm o real como matéria-prima. Em todos os casos, foi utilizado algum tipo de dispositivo que, ao invés de permitir a criação fabuladora das pessoas comuns, as transformou em personagens de roteiros previamente concebidos. A criação de um dispositivo já presume controle. Seja na descrição feita por Michel Foucault do Panóptico de Bentham1 e das sociedades disciplinares, seja na descrição feita por Gilles Deleuze das sociedades de controle2, o que está em jogo são formas de se exercer o poder da forma mais natural possível. Giorgio Agamben generaliza essa concepção3 e afirma que "dir-se-ia que hoje não haveria um só instante na vida dos indivíduos que não seja modelado, contaminado ou controlado por algum dispositivo". (AGAMBEN, 2005, p.13). Demonstraremos, a seguir, como um dispositivo pode permitir a criação ao invés da coerção.
Como a produção audiovisual pode se valer, então, dessa noção, que presume o controle, a coerção; para produzir obras que, ao contrário, permitam a criação? "Ora, é uma sorte (para nós) que o mundo tomado na tela dos cálculos esperneia, permanece impalpável, além do perfeito e do imperfeito" (COMOLLI, 2001b, p.101). César Migliorin afirma que o dispositivo é a introdução de linhas ativadoras em um universo escolhido, onde o criador recorta um espaço, um tempo, um tipo e/ou uma quantidade de atores e a esse universo acrescenta uma camada que forçará movimentos e conexões entre atores (MIGLIORIN, 2005). "O dispositivo é uma ativação do real" (MIGLIORIN, 2005). Diferentemente dos dispositivos que habitam o cotidiano, a utilização do dispositivo, no caso do documentário, implica na ativação de uma realidade que só existe no instante que o dispositivo acontece, ao mesmo tempo em que permite ao diretor certo controle da situação, possibilita que o contato entre os atores cause eventuais acontecimentos que ao próprio diretor serão inesperados. Ao impor um controle "frouxo" aos personagens, o documentário clama pelo aparecimento do outro, fazendo com que a criação seja partilhada entre diretor e personagens: "filmar torna-se assim uma conjugação, uma relação, onde se deve enlaçar-se ao outro" (COMOLLI, 2001a, p.115). Para Migliorin, o dispositivo cria uma situação onde os personagens são colocados a agir e nessa ação são efetivadas todas as potencialidades do real ou, como acrescente Consuelo Lins, "não se trata de contar uma história já vivida, mas de viver uma história para contá-la" (LINS, 2005, p.12). Entretanto, a criação de um dispositivo não garante por si só a qualidade de uma obra, uma vez que os meios de comunicação e vários documentários utilizam dispositivos para oferecer narrativas fechadas sobre o mundo, fazendo nos acreditar que o real é aquele que nos é apresentado por eles. Utilizando essa abertura que um dispositivo de filmagem permite, o documentário deve procurar o real que surge desorganizado, que emerge por meio do homem ordinário e sua vida comum. "Filmar os homens reais no mundo real representa estar tomado pela desordem dos modos de vida, pelo indizível das vicissitudes do mundo, aquilo que do real se obstina a enganar as previsões" (COMOLLI, 2001b, p.105-106). Ao reconhecer a sua incapacidade de explicar e reduzir o mundo por meio das imagens, o documentário, em contato com o mundo, não deve resumir a obra ao dispositivo. "Melhor: ele não pode se impedir de desejar, para ir ao fim desta lógica de aprendizagem, ver seu dispositivo chacoalhado pela irrupção de dados inéditos" (COMOLLI, 2001b, p. 107). Assim como Comolli (2001b), acreditamos que os dispositivos podem permitir a exploração do que ainda não é de todo conhecido e, assim, abrir espaço para que o personagem seja o guia por esse novo mundo que se abre. "O enfoque da cultura começa quando o homem ordinário se torna o narrador, quando define o lugar (comum) do seu discurso e o espaço (anônimo) de seu desenvolvimento" (CERTEAU, 2002, p.63). Dessa forma, concordamos com o que aponta Deleuze (1990), ao sugerir a quebra de qualquer modelo de verdade e de julgamento. "O que se opõe à ficção não é o real, não é a verdade que é sempre a dos dominantes ou dos colonizadores, é a função fabuladora dos pobres, na medida em que dá ao falso a potência que faz deste uma memória, uma lenda, um monstro (DELEUZE, 1990, p.183). Para Deleuze, o cinema precisa apreender "o devir da personagem real quando ela própria se põe a 'ficcionar', quando entra em 'flagrante delito de criar lendas'" (DELEUZE, 1990, p.183). E o momento da fabulação é esse, quando a diferença entre aquilo que é real e aquilo que é imaginado se torna indiscernível, quando realidade e imaginário caminham juntos. Não é a pura e simples imaginação, que é facilmente repelida para o domínio do engano, como nos lembra Guimarães (2000). "A verdade não tem de ser alcançada, encontrada nem reproduzida, ela deve ser criada" (DELEUZE, 1990, p.178). Quando lembrança, realidade e imaginação vão se misturando durante a narração de uma história, "a personagem está sempre se tornando outra, e não é mais separável desse devir" (DELEUZE, 1990, p.185). Fabulando, ela se constitui como um sujeito da cena e não como um mero objeto que é observado. Cria um mundo, nele crê e se projeta. Reconstitui o seu lugar de fala. VOCÊ LIGOU PARA... Para a produção do documentário, estabelecemos a noção de dispositivo como uma maneira de se apreender o outro; além de permitir a manifestação da alteridade através da fabulação, pela qual o homem ordinário constitui o seu lugar de fala e oferece, ele próprio, maneiras de entendermos o local onde vive, sua história de vida ou de seu povo. Um dispositivo permite a formação de um mundo circunstancial, a partir do encontro entre realizador e personagens. O documentário-dispositivo capta o que acontece nesse encontro (ou seus vestígios), o momento em que a personagem se coloca a fabular e, assim, se torna também sujeito da obra. A partir dessas premissas, estruturamos um dispositivo para ser experimentado. A idéia era oferecer um "serviço", no qual as pessoas ligariam para um determinado número para contarem uma história, ou que falassem qualquer coisa para a secretária eletrônica. Para publicarmos o serviço, fizemos milhares de panfletos, que foram distribuídos a várias pessoas em diversos pontos da cidade. Fizemos, ainda, um spam, que foi enviado a mais de 5000 e-mails. Contamos, também, com a colaboração de amigos e familiares na divulgação do serviço. Caso alguém ligasse, as histórias narradas comporiam o filme com imagens feitas pelo grupo durante todo o processo de produção. Caso ninguém ligasse, o silêncio tomaria conta da experimentação, deixando claro o risco próprio a todo dispositivo. E onde estaria a fabulação? Ao oferecer um espaço onde as pessoas poderiam narrar qualquer fragmento de suas vidas, estaríamos oferecendo a elas a oportunidade de fabularem sobre elas mesmas. Os recados gravados na secretária abririam espaço para a fabulação do grupo. Inspirados pelas histórias contadas pelas pessoas que se dispuseram a ligar, criaríamos nossas próprias narrativas pessoais. Durante a produção do vídeo, pudemos comprovar que o real está sempre atento, à espera da primeira fissura para surgir com toda a sua potência. Também experimentamos a fragilidade do dispositivo, que só é capaz de se tornar um documentário em contato com o outro. Em nossa experimentação, a boa receptividade que o panfleto teve nas ruas não se transformou em enxurrada de ligações: precariedade do dispositivo? Apatia do outro? Insubmissão do real aos roteiros e expectativas? Poderíamos optar por uma pequena fraude: nós mesmos ligaríamos para o número ou ofereceríamos no panfleto algum possível prêmio, etc. Mas essa opção não seria justa com o dispositivo e nem com o real que resolvemos provocar. Optamos e recomendamos o risco que o real pode oferecer.
2 Segundo Deleuze, "são as sociedades de controle que estão substituindo as sociedades disciplinares. 'Controle' é o nome que Burroughs propõe para designar o novo monstro, e que Foucault reconhece como nosso futuro próximo. Paul Virillo também analisa sem parar as formas ultra-rápidas de controle ao ar livre, que substituem as antigas disciplinas que operavam na duração de um sistema fechado". (DELEUZE, 1992b, p.220) A passagem da disciplina para o controle "se trata menos de uma ruptura entre um e outro - da disciplina ao controle, categórica e abruptamente - e mais de passagem, uma mudança de qualidade a partir de uma intensificação" (BRASIL, 2005). volta ao texto 3 "Generalizando posteriormente a já amplíssima classe dos dispositivos foucaultianos, chamarei literalmente de dispositivo qualquer coisa que tenha de algum modo a capacidade de capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as opiniões e os discursos dos seres viventes. Não somente, portanto, as prisões, os manicômios, o panóptico, as escolas, as confissões, as fábricas [...] , cuja conexão com o poder é em certo modo evidente, mas também a caneta, a escritura, a literatura, a filosofia, a agricultura, o cigarro, a navegação, os computadores, os telefones celulares e - porque não - a linguagem mesma, que é talvez o mais antigo dos dispositivos". (AGAMBEN, 2005, p.13) volta ao texto
AGAMBEN, Giorgio. O que é um dispositivo? In: Outra travessia, nº 5. Florianópolis, 2005
Posted by Leandro de Paula at 10:06 PM
"Não estamos imunes", texto de Carmen KrauspenharIndependentemente de nós, o mundo segue seu curso. Mas alimentamos a ilusão de que de alguma forma conseguiremos controlar o que nos é externo. O modo como esta intenção de controle se manifesta externamente não se mostra, na prática, tão importante para nós quanto nossas fantasias. Não percebemos a realidade de nossa influência, e neste ponto de cegueira se aloja nossa impotência. Nós desconfiamos destes pontos cegos, mas preferimos ignorar qualquer suspeita. Agimos como se o mundo fosse uma extensão de nós mesmos. Mas a vida crua é imune a idealizações, ela não tece julgamentos. Está além do bem ou do mal, do certo ou do errado, e estes não são parâmetros que a definem ou orientam, apesar de muitas vezes assim desejarmos. A vida crua não se baseia em separações, quem separa é a mente humana. Na vida crua as coisas estão interligadas, e a contradição é natural. Por isso a vida crua é rica, é cheia de possibilidades, de diferentes modos de ser, de sentir, de conviver. Se pudermos viver sua realidade, podemos jogar com estas possibilidades e descobrir o que é diferente, e por isto novo para nós. Isto não acontece na acomodação e na compulsiva busca de segurança, que é a tentação da mediocridade. A sangue frio e humildemente podemos compreender o que é a incerteza de nossa vida. A sangue frio significa ter paciência e visão de maior alcance. Humildemente, é saber que somos um grão de areia neste planeta, somos frágeis. Viver com a incerteza da dor ou do prazer é conviver com a ansiedade. A vida moderna é cheia de ansiedades porque temos de estar em contato sem trégua com muitas situações de prazer e/ou dor, ou possibilidades de prazer e dor, e não podemos controlar a maior parte desta demanda. Nós nos protegemos destas demandas criando verdades sem muito fundamento mas que nos acalmam. Nós também encontramos explicações para muitas coisas que, quando explicadas, morrem, e encontramos palavras quando deveríamos ficar em silêncio. Para a arte, o silêncio, este espaço para que se sinta o trabalho artístico, é crucial. A intelectualização é o entrave mais corriqueiro quando alguém quer entrar em contato com uma obra de arte. Racionalizar a desestabilização que a arte proporciona pode tornar superficial o contato, porque a razão e a sensibilidade funcionam melhor quando integradas. Nossa tendência é usar o intelecto para controlar o desconhecido, e nisso matamos as possibilidades da arte. Isto é válido para leigos e também para especialistas em arte. Para estes a intelectualidade pode ser extremamente prejudicial. Eles se tornam cegos quando sua visão é mais abstrata do que deveria, e menos referenciada com as condições do ambiente em que atua. Se o mundo é cheio de contradições e falta de respostas, a arte não quer qualquer tipo de amortecimento. Ela procura desviar disto, ela quer alternativas, anseia pela vida como ela é, crua. A arte não diz como tem de ser. Ela quer manter sua dimensão de crueza, mas devemos pensar nesta crueza atuando em um meio social, civil. Isto quer dizer, em um meio que espera comportamentos aceitáveis, adequados. Devemos pensar quais são os parâmetros desta adequação da arte na contemporaneidade. A arte obedece a regras sociais de conduta para que não seja proibida. Em outros tempos seria marginalizada se quebrasse estas regras, porém os limites agora se resumem quase que exclusivamente aos da lei, com algumas exceções, de modo que "civilizada" aqui quer dizer "dentro da lei". Isto se torna uma via de mão dupla para a arte. Ela pode atuar mais livremente e portanto em maior contato com a vida como ela é (inclusive com a realidade de nossa civilidade), o que é positivo para a sua prática porque permite que se mexa no que antes eram pontos cegos mantidos por rígidos costumes sociais. Mas esta mesma liberdade pode tornar-se um liberalismo extremado e levar à insensibilidade, paradoxalmente, quando, ao invés de sermos ativos em relação à arte, somos passivos e pouco comprometidos com seus questionamentos. Um caso recente que fugiu desta insensibilidade justamente por ser censurado sem razões legais foi o da polêmica instalação de Marcia X. A artista dispôs rosários no chão lembrando a forma de um pênis, o que causou revolta por parte da igreja. A obra foi censurada e a classe artística se manifestou a favor de Marcia X. Julgo esta polêmica positiva porque levanta questionamentos a respeito do assunto, o que significa que o trabalho não caiu na banalização a que muitos trabalhos artísticos estão sujeitos hoje, inclusive aqueles em que são mostradas as nossas realidades mais violentas. Os conflitos sociais, políticos, pessoais estão aí, disponíveis para serem trabalhados, a crise mundial nunca dá tréguas. A verdade crua é esta, e ninguém está imune a ela, estamos desprotegidos. Acabo de voltar da 27ª Bienal de São Paulo e julgo que ela teve o mérito de tratar da crueza das realidades sociais em muitas obras. Teve trabalhos menos intimistas e subjetivos do que crus ou agressivos e provocativos. Isto pode significar uma arte forte, uma arte que não somente trata da crueza, mas que também é crua. Mas por outro lado os limites são tênues e esta crueza no extremo pode levar à banalização. A arte pode virar um documento desta realidade social, ou ser um depositório de indícios desta realidade. Esta Bienal me deixou a impressão de que a arte contemporânea precisa digerir a problemática das fronteiras entre sensibilidade e violência. A nível psicológico a crueza está dentro de nós e com ela não temos muito contato, não conhecemos sua cara. Ela é o bicho, o animal, que é agressivo e puro. Este bicho que nós civilizamos na base da marretada, ao invés de fazê-lo entender que este é o mundo que temos e que não há outro, e que é melhor que ele faça algo, ou as coisas vão piorar. A nossa civilidade está impregnada deste animal, mas ele tem sido bem maltratado e vem mostrando sua pior parte, que aparece nas corrupções, nos jogos de poder, na violência, na negligência de assuntos de interesse público, na degradação das relações pessoais. Esta energia é humana, existe em sua crueza naturalmente e existe também na direção do crescimento e não somente da destruição. Ela pode ser elaborada e digerida com intensidade física e emocional nos esportes e no sexo, e na arte a nível intuitivo e intelectual e também físico e emocional muitas vezes. Aí está a força da arte a que me referi anteriormente, esta força que desestabiliza e procura ampliar visões. A força do comprometimento com a vida como ela é. Esta é a arte que assume as nossas negatividades, as negatividades que a história tem perpetrado, as que se disseminam globalmente em todos os lugares e que não conseguimos digerir, com as quais não conseguimos lidar, ignoramos, tentamos esconder e negar. Não estou aqui fazendo a apologia da negatividade, e sim da digestão de nossa negatividade, que se olhada mais de perto, não é o tabu que imaginamos, mas sim parte de nossa constituição humana. O artista se apodera da sua própria fragilidade no processo criativo da obra. Encontra seus fantasmas, não pode ignorar seus conflitos nem sua relação com o ambiente em que atua, este que muitas vezes lhe oprime e tira as possibilidades. O artista tem de conviver com seu coração em carne viva constantemente. Ele está desprotegido, e se vê obrigado a permanecer nesta situação. Ele encara seus medos, e suas fraquezas, quando visíveis, se tornam força. Não se pode fazer arte sem conflito.
Posted by Leandro de Paula at 9:25 PM
"Em exposição", de Jaime Lauriano
Posted by Leandro de Paula at 8:43 PM
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"Isso", vídeo de Helena Trindade e Luiz Cavalheiros"Isso", vídeo de Helena Trindade e Luiz Cavalheiros no grupo "A vida como ela é" do Youtube
Imagens de um verme que se arrasta por um labirinto de letras em ruínas. "Isso": significante apropriado da psicanálise (das Es), aqui referido à plasticidade das pulsões que atravessam o corpo e determinam o funcionamento do aparelho psíquico. No vídeo, o conceito de pulsão é relançado alegoricamente enquanto uma deriva pelo fluxo caótico dos signos (imagens e sons). Para nós, a "vida crua" se liga às pulsões sexual e de morte que agem sobre o sujeito a partir de objetos que, para ele, restam sempre como enigmáticos. Ela se relaciona à vertigem frente à desmedida do desejo. Acreditamos, também, que é da "vida crua" que advém a experiência estética do estranho (das Unheimliche), uma vez que nela está em jogo uma "outra cena". Neste sentido, a vida crua desvela para o sujeito desejante a angústia de sua própria divisão, operada pelo descentramento radical do inconsciente. Áudio: 'zumbido-música' composto a partir da sobreposição gradativa dos fonemas resultantes da combinação de cada letra do alfabeto com todas as outras (AA., AB, AC, AD, ) e a inversão digital da mesma.
Luiz Cavalheiros concluiu o curso de Aprofundamento em Pintura na Escola de Artes Visuais do Parque Lage em 1995. É também artista gráfico e diretor de arte para publicidade, com diversos prêmios nacionais e internacionais. Trabalha no Rio de Janeiro e expôs no Espaço Cultural Sérgio Porto, no Museu da República, no Paço das Artes e no Centro Cultural São Paulo.
Posted by Leandro de Paula at 8:08 PM
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"Interações", de Sami Hassan
Posted by Leandro de Paula at 7:06 PM
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novembro 21, 2006"Visão Pós-Traumática do Déjeuner Sur l´Herbe", de Lenir de MirandaVisão Pós-Traumática do Déjeuner sur l´herbe (après Manet) Na Visão Pós-Traumática do Déjeuner Sur l´Herbe, o clima bucólico e sensual da pintura de Manet, seu assunto mundano, sua época histórica são substituídos por algo que nos assusta, por estar contextualizado na vivência do homem atual. Surge uma iconografia crítica, situada no contemporâneo. Neste caso da citação da pintura de Manet, há um trauma no ar da cidade: uma reflexão político-social, através da arte, das circunstâncias agressivas em que vivemos. Há sobras de guerra, sejam elas psicológicas, ideológicas, políticas, sociais, bacteriológicas, ecológicas: a cidade queimada, sobre uma Terra Desolada, numa referência a The Waste Land, de T.S.Eliot: "Vou revelar-te o que é o medo num punhado de pó." (Waste Land-I) No entanto não é apenas uma visão pessimista a partir das circunstâncias ordinárias da sobrevivência, pois ao fim e ao cabo, após uma Terra Desolada, alguém ainda oferecerá chá aos amigos. "Estarei sentada aqui, servindo chá aos amigos " (Eliot -poem) Lenir de Miranda Artista plástica, Mestre em Poéticas Visuais pelo Instituto de Artes da UFRS, trabalha com pintura, desenho, imagens digitalizadas, vídeo, poemas, livros-de-artista, instalações.
Posted by Leandro de Paula at 12:31 AM
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novembro 20, 2006"Tropical Modern", por Simone OsthoffTROPICAL MODERN: The Political Ambivalence Of Cultural Remix SIMONE OSTHOFF Apresentado no VII BRASA - Brazilian Studies Association International Congress, Outubro de 2006, Nashville - Tennessee Este ensaio investiga a relação entre a política e a arte experimental, recorrendo, como temas privilegiados, aos conceitos de utopia e remixagem cultural. O artigo explora a conexão entre Hélio Oiticica e o líder do PCC, Marcola, abordando o papel das estratégias anti-heróicas empregadas pelos artistas de vanguarda no Brasil, assim como as estéticas violentas e negativas que se relacionam com a ambivalência política, fomentando a pesquisa sensória e as novas possibilidades de espacialidade.
In Brazil, another example of aesthetics' political ambivalence is Tropicalismo, as difficult to define today as it was in 1969, despite the constantly growing international interest in this movement exemplified by the current Tropicália exhibit curated by Carlos Basualdo for the Museum of Contemporary Art of Chicago in 2005 and the Bronx Museum in NY, 2006, and by the exhibition Hélio Oiticica: The Body of Color, at the Museum of Fine Arts, Houston, between December 2006 and April 2007. It is often impossible to separate a negative aesthetics that privileges experimentation and absurd and violent forms from a romantic, idealist, or even functionalist and socially utopian aesthetics. As Oswald de Andrade already observed "at the heart of every utopia there is not only a dream but also a protest." Hélio Oiticica's box-bólide titled "Homage to Cara-de-Cavalo" from 1965, and his flag-poem "Be an Outcast, Be a Hero" from 1967, are both romantic and violent, and have since their creations, raised questions about the relationship between aesthetics and ethics, and they continue to generate polemics, now with an urgency prompted by gang-related urban violence and the 2006 Presidential elections. "Estamos todos no inferno. Não há solução, pois não conhecemos nem o problema," é o título dramático da entrevista com Marcola, o lider do PCC (Primeiro Commando da Capital) que o cineasta-cronista Arnaldo Jabor publicou no jornal O Globo (23/5/06). Nos meses que se seguiram, a suposta entrevista circulou em múltiplos emails e blogs por todo Brasil, tomada às vezes como verdadeira, às vezes como alegoria. O que mais impressiona nas palavras de Marcola é a combinação da sofisticação intellectual com a racionalização da violência. E entre clássicos da literatura e da filosofia citados pelo chefe do crime organizado, está a referência à Hélio Oiticica: "Voces intelectuais não falavam na luta de classes, em 'seja marginal, seja héroi'? Pois é: chegamos, somos nós! Ha, ha Vocês nunca esperavam esses guerreiros do pó, né?" Jabor, na tradição rodrigueana de a vida como ela é, contribui com essa entrevista para mais algumas páginas Um segundo evento esse ano explora a relação arte, mídia, miséria, e violência. Em setembro, a cidade de Recife apareceu coberta com o poster "Marcola pra presidente e Pedro Correa para vice," uma intervenção urbana do artista Krishna Passos (Folha de Pernanbuco 20/09/06) que enfatiza a corrupção de políticos e a politização do crime organizado. Os dois eventos parecem perguntar se existe uma relação direta de causa e efeito entre arte e política? Podemos culpar artistas como Hélio Oiticica pelo aumento da violência nas metrópoles brasileiras, como fazem alguns intelectuais conservadores como Olavo de Carvalho? In a decade that radically mixed art and life, Oiticica, among others in the 1960s, took the artistic experience beyond the pictorial space and outside the frame and the "neutral" zone of official art institutions. By interpreting Malevich's White on White as the limit of painting, the artist translated pictorial questions into life, exploring color and space in time-based performances, which valued the creative potential of samba dance and marginalized urban spaces. Setting color free in space and pursuing a new structure for color, the artist created in 1964, his first Parangolé. In the process, Oiticica crossed many aesthetic and spatial boundaries, besides blurring multiple social, racial, and class borders. His redistribution of sensorial experience subverted the Modernist preference for the visual sense. E se Oiticica encurtou a distância entre o MAM e a Mangueira, ele redescobriu a abstração geométrica no movimento dos corpos no samba, explorando uma super-sensorialidade em estados de êxtase gerados pelos rituais da dança, do sexo, e da droga. Ele mergulhou na cultura popular entendendo a marginalidade e as transgressões sociais que ela involve, como espaço experimental, isto é como espaço radicalonde não se sabe de antemão as regras de comportamento. E para Oiticica, essa experiência de liberdade dizia respeito não só às formas estéticas mas também éticas, já que como artista e homosexual ele confrontou a moral católica, patriarchal, machista e racista da sociedade Brasileira. O desafio contido na frase "Seja Marginal, Seja Héroi" tem como contexto histórico e político específico a crise gerada pelo golpe militar de 1964 e a revolta de estudantes e intelectuais pela liberdade de expressão e pela redefinição do modelo de desenvolvimento nacional, expressos com a mesma urgência nas artes plásticas, no cinema, no teatro, na literatura, no jornalismo, e na música popular. A "Homenagem a Cara-de-cavalo" enfatiza o papel do anti-herói na modernização da cultura Brasileira, presente tanto no cerne de Macunaíma de Mario de Andrade quanto do cordel que romantiza Lampião e Corisco. A estética do anti-herói continua na figura do malandro carioca que com jogo de cintura tira proveito e energia criativa da pobreza e da opressão, cantado por entre outros, Moreira da Silva e Chico Buarque. O bandido-marginal está no centro do Cinema Novo de Deus e o Diabo de Glauber Rocha, assim como nos filmes paulistas da Boca do Lixo como O Bandido da Luz Vermelha de Sganzerla. O anti-herói é fundamental nas peças e crônicas de Nelson Rodriguez e não pode faltar nas novelas da televisão. As transgressões éticas do anti-herói, no centro da experimentação e da resistência das vanguardas históricas Modernistascomo a Antropofagiafrequentemente operam o rebaixamento dos ideais da forma e da beleza, gerando polêmicas não muito distantes daquelas criadas por Hélio Oiticica, ou mais recentemente pela obra "Desenhando Com Terços" de Marcia X, censurada na exposição Erótica do CCBB-Rio em abril de 2006. Mas mesmo quando a arte é abertamente política, sua contribuição (utópica?) está principalmente na abilidade de manter em permanente tensão a heterogeneidade e a diferença de todos os seus elementosda relação das palavras com as coisas, às relações entre formas, materiais, processos, linguagens, conceitos, sensorialidade, e sentidos. A conexão Oiticica-Marcola, recoloca a questão ética da responsabilidade social do artista e expõe o lado cru e cruel da vida que a obra de Oiticica expõe, e em visão retrospectiva, romantiza. A marginalidade como projeto libertador da arte nos anos 60 é resultado da busca de um espaço experimental não comprometido com os valores burgueses ou com os interesses de Mercado. Esse projeto deriva em parte da teoria do "não-objeto" articulada pelo crítico Ferreira Gullar em 1960, dando continuidade às idéias Neoconcretas que pensaram a arte para além da mimesis. Em outros contextos culturais, como entre as vanguardas Argentinas, esse impulso anti-representacional gerou a fusão arte e política das intervenções midiáticas e trabalhistas do grupo Tucumán Arde de 1968. E o mesmo impulso está também presente na literalidade do Minimalismo, teorizada por artistas como Donald Judd e Robert Morris em 1966, nos Estados Unidos (e radicalizada na completa desmaterialização do objeto de arte promovida pela Arte Conceitual e registrada por Lucy Lippard em seu livro clássico Six Year of Dematerialization publicado em 1973). The experience of ecstasy and violence present in some of Oiticica's works might be closer to the experience of the sublime, which includes the non-rational and the irrational, as an intrinsic part of the experience of beauty, as conceptualized by Edmund Burke in the eighteenth century. In the lyrical and ecstatic dimension of Oiticica's works there is the desire to dissolve the separation between subject and object through joyous liberation and the "experimental exercise of freedom." But contrary to Adorno's horror of the cultural industry, we today believe that contemporary art must indeed explore all cultural forms, including those taken from, and existing within the mass media. Context is content, and the blurry lines between representation and simulation inevitably reject the Modernist universal claim of aesthetic purity and autonomy. An example of this Modernist claim is the notion that Cubism was responsible for the radical invention of collage, propagated as an autonomous artistic development, rather than a pictorial appropriation of methods already employed in the advertising industry since the second half of the 1850s. In Brazil, the subversive body-centered metaphors of cannibalism, carnival, and hunger, which have been at the core of many 20th century revolutionary aesthetics, can further dislocate high and low sensibilities by subverting the optical and aural senses with digestive and sexual metaphors, thus promoting a cannibalization and a carnavalization not far from the aesthetics of cultural remix. Sampling and remix, born from collage, film montage, jazz and hip hop -radicalized and facilitated by the widespread access to digital technologies -continues to build upon the political ambivalence of many twentieth-century avant-garde practices. With dizzying speed - from Oswald's emphasis upon the "contribuição milionária de todos os erros" to Fernando and Humberto Campana's street based furniture designs, such as their Favela Chair -the logic of cultural remix tends to leave the material, metaphorical, and political fault-lines of collage and sampling exposed. No fracasso dos ideais utópicos de conteúdo social revolucionário Modernista podemos incluir as tentativas de anti-comodificação das vanguardas dos anos 60. Embora documentos de performances e de outras experiências imateriais tenham sido, no final de contas, reintegrados ao mercado de arte, a ampliação da experiência artística, assim como as relações entre arte, comércio e a mídia, são hoje bem mais estreitas e menos inocentes. A arte e o artista não estão acima do bem e do mau em um mundo autoreferente, mas a a lógica e ética próprias da arte permitem a renovação crítica da cultura, incluindo o questionamento da natureza e da função da própria arte, assim como dos limites das instituições e circuitos artísticos e midiáticos. Contrasting with Modernity's utopias, and yet building upon some of their political ambivalence, contemporary artists today are both critical of the values of global corporate capitalism, and yet thriving within the international media celebrity system. Such is the case of sound artist Paul Miller, a.k.a. DJ Spooky, an important innovator and theorist of the remix (Rhythm Science, 2004). Spooky's form of resistance, which openly embraces new technologies to challenge racism and collapse disciplinary and social hierarchies, is both aware of technology's military and corporate origins and ties, and further contributes to blur the lines between representation and simulation. The new meanings produced by his performances merge experimental and functional art, avant-garde and kitsch spectacle, sampling and copyright, open source and capitalist-for-profit. Whether practiced by twentieth or twenty-first century artists, in the tropics or elsewhere, the political ambivalence inherent in the aesthetics of cultural remix does not lead to utopian nor dystopian experiences, but usually to a critical and "experimental exercise of freedom."
Posted by Leandro de Paula at 6:46 PM
novembro 13, 2006"Entre o excesso e a exceção: a profanação do jornal", de Vera Lins, sobre trabalho de Leila Danziger"Entre o excesso e a exceção: a profanação do jornal", de Vera Lins, sobre trabalho de Leila Danziger Publicado originalmente em "Outra Travessia", Revista de Literatura (número dedicado a Giorgio Agamben e Georges Bataille), Ilha de Santa Catarina, 2o. semestre de 2005.
O jornal propicia o esquecimento. Ao mesmo tempo que oferece a experiência de choque com o terror da catástrofe a que nos expõe diariamente, sua linguagem induz ao esquecimento, a uma passagem rápida sobre o que nos é apresentado como fait-divers. Mas aqui o processo é outro. A artista transforma, com seus gestos, esses papéis numa topologia, um lugar em que algo acontece.
Os jornais passam por um processo lento, que dura meses, em que são descascados, expostos ao sol, dobrados e carimbados. Uma operação delicada é, no entanto, uma intervenção que expõe certas questões urgentes como feridas abertas. O que lembrar e o que esquecer? E ainda, obriga os jornais a durarem, a sofrerem a ação do tempo e a se conservarem, transformados. A linguagem da comunicação é raspada, neutralizada e a linguagem da poesia toma lugar. Renasce de um não. Uma utopia? No entanto, esse verso é vermelho, também ferida.
Fica visível com essas imagens amareladas pela luz natural, à qual a folha do jornal é exposta por meses, o estado de exceção que se tornou a regra. Como numa decantação, vem à tona o real. O campo, não só como história, mas como condição inumana atual se torna presente na cidade, em que os cidadãos se transformaram em puros corpos biológicos, abandonados a uma violência mais eficaz porque anônima e quotidiana. É dessa perspectiva do campo, como a entende Agamben1, que se trata nessas imagens de vida nua, em que público e privado se confundem. Os corpos negros marginalizados trazem à memória a escravidão não resolvida com a abolição, que continua de uma outra forma pela fabricação massiva da miséria, com a industrialização do país. Progresso e destruição caminham juntos. O estado de exceção, que "atingiu hoje seu máximo desdobramento planetário" é o resultado de um crescimento ilimitado da atividade industrial. A acumulação desenfreada gera um excedente que tem de ser despendido ou explode em guerra. É portanto do lado da produção exuberante que vem o conflito armado em que se volatilizam riquezas fabulosas. Bataille2 afirma que é necessário dar ao crescimento de energia produtora outro fim que não o guerreiro e criar uma paz dinâmica. Com isso defendeu o Plano Marshall por promover uma repartição menos desigual dos recursos e uma circulação de riquezas. Todo sistema que dispõe de uma certa quantidade de energia deve despendê-la. Aqui o jornal, que é lido como oração matinal do homem moderno, é profanado, enquanto produto do Estado espetacular integrado (Debord), lhe é dado um uso que não é o comum. A mercadoria do mundo do espetáculo, do qual faz parte, é violentada., se transforma em ruína e outros sentidos têm lugar, são como que liberados.
A linguagem reportagem fica na sombra, seu barulho é parcialmente silenciado e sobre ela cintilam outras palavras que aparecem nas dobras, compondo um ritmo como pautas musicais, ora vazias, ora com uma ou outra palavra que sobrou, resíduos. Em outra série, o campo é relembrado pelas frases de Marguerite Duras, em Hiroshima meu amor (Fig.4), escritas em francês, num vermelho gritante. Trazem também a questão do nome, pensada por Benjamin. Guerra, amor e linguagem convivem e tensionam: são carimbadas frases em francês como, "Je n'ai plus qu'une seule mémoire, ton nom". As páginas dobradas agora transbordam de sentidos nesse suporte que, se nas vanguardas como colagem se sobrepunha à tela, agora virou a própria tela onde algo tem lugar, numa nova aliança entre pensamento e poesia. O coração, que sobrara meio apagado na primeira imagem fala do excesso, tumulto, energia matriz de tudo. Outra série tem mais cor, os diários de Ana Cristina César são convocados num verso que fala da memória: Eu era menina e já escrevia memórias, envelhecida. (Fig.5) E outra poeta, Orides Fontela volta a falar do nome: A escolha do nome, eis tudo. (Fig.6). A questão da nomeação entra em cena, é pensada. Como dar nome, que nome dar ao que se vê e ao que se sente. Uma reflexão sobre a linguagem e os nomes a partir de Benjamin se encena. A linguagem da comunicação através da qual se informa é substituída pela linguagem poética em que se fala com a linguagem, em que ela se abisma e não comunica nenhum conteúdo, mas ela mesma em movimento. Para Benjamin, o homem ao nomear não diz alguma coisa , mas se diz com a linguagem, se fala. A fala de coisas é burguesa, como a linguagem do jornal. Mas no nome a linguagem se comunica. O nome é aquilo pelo qual nada se comunica mais, mas pelo qual a linguagem se comunica ela mesma e de modo absoluto. Depois da queda, a palavra perdeu sua ligação com o conhecimento, agora deve comunicar qualquer coisa: o nome virou meio, a linguagem, tagarelice. O nome pode recuperar sua força, na linguagem da poesia, da arte, quando não é mais apenas comunicação do comunicável, mas ao mesmo tempo símbolo do não comunicável. Todo o trabalho da artista com o jornal vai no sentido de silenciar a tagarelice e dar forma a esse não comunicável. E citando Schiller com Benjamin3, ela atualiza o que dizia o filósofo alemão nas Cartas sobre a educação estética: o verdadeiro segredo do artista consiste em destruir a matéria pela forma. Aqui se trata de uma destruição da matéria jornal, que vai se descamando e se transformando pelas dobras numa pauta musical. E destruição da linguagem reportagem, a que se referia Mallarmé, numa tentativa de recuperar a faculdade de nomeação. Várias línguas estão presentes, o português, o francês de Duras e o espanhol de Borges. A tensão entre memória e esquecimento se dá nas frases de Funes, o memorioso, dispersas nessas pautas de um dos trabalhos: Mi sueños son como la vigilia de ustedes. Em outro, é a palavra esquecer carimbada entre vazios. E a idéia do carimbo, que substitui o manuscrito, mantém criticamente a mecanização da escrita, a contenção do gesto. O carimbo em nossa recente história da arte foi usada num momento de repressão política por Carmela Gross, que carimbava a pincelada.
O jornal não é mais coisa com finalidade utilitária, mas se tornou objeto poético, finalidade sem fim. Tornou-se de novo o excesso de onde tudo provém, anunciado na primeira imagem pelo coração esmaecido que diz do tumulto, da energia que somos, que se prodigaliza sem razão nesses gestos movidos pelo desejo que se tem de interferir, de fazer arte. Segundo Bataille, a energia solar que somos é uma energia que se perde, se prodigaliza sem razão. A arte é esse dispêndio sem outra razão que um desejo que se tem e com isso desfaz limites impostos pela regra do estado de exceção. Como o pensamento, é uma via negativa, que vai desfazendo o estabelecido - aqui, a ideologia, que conforma o jornal, sua informação. Tanto Debord como Agamben pensam o Estado; o espetacular e aquele em que a exceção se tornou a regra se sobrepõem. Como fica a arte em relação à possibilidade de mudança? Schiller, também, contemporâneo da Revolução Francesa, pensa o Estado e a liberdade. E coloca como "carência nas almas refinadas", o Estado estético, que produziria uma cultura que tornaria impossível qualquer abuso, que daria liberdade através da liberdade. Nele também o excesso, como imaginação e abundância, profusão de forças, levaria ao jogo estético, à busca de uma forma livre, à construção de uma verdadeira liberdade política. Mas o que se vive, a partir do momento em que Bataille escreve, é a ferida aberta e o dilaceramento. Para Bataille, viver o excesso é viver a superabundância jamais controlável, é querer o impossível, sem tarefa a completar, sem função a exercer. A arte, tarefa cega, é a finalidade sem fim kantiana, que está também em Schiller, que foge ao mundo utilitário, pelo desinteresse. O conhecimento é acesso ao desconhecido. Mas esse movimento desemboca numa recusa a toda solução - o pensamento radical pós Segunda Guerra, desemboca no silêncio e na ferida, se dilacera., como o que se vê num poeta como Paul Celan, trazido pelos diários da artista. Como nestes trabalhos vermelhos de mercúrio cromo, o que se usava para curar feridas - referência num texto da artista que acompanha os jornais, a ferida não se fecha. Schiller, nas suas Cartas sobre a educação estética4 , critica o espírito de negócio, pergunta onde reside a causa de ainda sermos bárbaros e afirma que o Estado continua estranho aos seus cidadãos. Para ele, deve ser suprimida a cisão entre sensibilidade e razão, para que o Estado seja modificado, e o caminho para o intelecto precisa ser aberto pelo coração - portanto a formação da sensibilidade é a necessidade mais premente da época. Embora afirme o belo como equilíbrio, diz que é apenas uma idéia que jamais pode ser alcançada pela realidade. A imaginação dá o salto em direção ao jogo estético, à busca de uma forma livre. No impulso lúdico que unifica impulso sensível e impulso formal teríamos a forma viva.
Essa forma viva alcançada pela arte pode ser a imagem dialética de Benjamin, carregada de tempo até explodir, uma representação dilacerada, o que vemos nos vazios, nos silêncios, nas fotos amareladas que tensionam com as palavras nos "Diários públicos". O que Bataille vê, quando diz que o que procuramos é esta sombra que não saberemos apreender - a poesia, a profundidade ou a intimidade da paixão, mas que nos enganamos porque queremos prender esta sombra. Agamben afirma em Moyens sans fins 5que para ele é inutilizável o pensamento de Bataille com seus conceitos de soberania e sagrado: ter considerado esta vida nua separada de sua forma, na sua objeção, como um princípio superior - a soberania ou o sagrado, constitui os limites do pensamento de Bataille, que o tornam para nós , inutilizável. Agamben nega a separação vida nua /vida política. Como Schiller, a vida, matéria, só se torna livre quando adquire forma, e, então, se torna vida orgânica . É necessária a passagem da vida cega para a forma, i.e., da sensação ao pensamento, o que se dá no estado estético: no estado físico o homem apenas sofre o poder da natureza, liberta-se desse poder no estado estético e o domina no estado moral. Para Agamben, o pensamento é forma de vida, vida indissociável de sua forma. Schiller coloca o estético como o caminho necessário para resolver o problema político - a maior de todas as obras de arte seria a constituição de uma verdadeira liberdade política. Embora iluminador, Schiller liga arte e pensamento, há uma certa pureza estetizante na sua filosofia, talvez marca do momento histórico. Agamben, a partir de uma nova situação européia e global, em que o campo se tornou a matriz secreta do espaço político, propõe repensar a idéias de estado, nação e território, para o que traz a figura do refugiado, e o conceito de povo. Diz que é necessário desconectar a linguagem da gramática e o povo do Estado. O conceito de soberania e poder constituinte devem ser abandonados ou totalmente repensados. A realidade que se vive é a de um estado policial supranacional.. O estado de exceção é hoje planetário: o aspecto normativo do direito pode ser eliminado e contestado por uma violência governamental que ignora o direito internacional e promove o estado de exceção permanente, ainda, no entanto, pretendendo aplicar o direito6. É a partir dessa zona opaca onde público e privado se confundem que devemos partir. O que o trabalho da artista faz, interferindo no jornal, nesse produto do estado de exceção, que é também o estado espetacular integrado, denunciado por Debord. No próprio título as palavras se juntam e se embaralham intimidade e espaço público.- diários públicos, e a experiência que seus gestos tornam presente é a da linguagem. A imaginação aqui dá o salto em direção ao jogo estético, como diria Schiller, em busca de uma forma livre. Mas essa forma se retorce num dilaceramento, é crítica. Nisso encontra a noção de excesso de Bataille. Mas, se, para Bataille, a filosofia é silêncio, recusa de toda solução; para Agamben, ela é linguagem, em que pensamento e poesia se articulam. E o pensamento que advém, como gesto em que se encontram vida e arte, tem uma potência política.
1 Agamben, G.Moyens sans fins. Notes sur la politique. Paris: Rivages, 1995.volta ao texto 2 Bataille, G..La part maudite. Oeuvres complètes, VII. Paris: Gallimard, 1976.volta ao texto 3 Benjamin, W.Über Sprache überhaupt und über die Sprach des Menschen in Angelus NovusFrankfurt: Suhrkamp, 1988.volta ao texto 4 Schiller, F.A educação estética do homem, numa série de cartas. Trad. Roberto Schwarz e Márcio Suzuki. São Paulo: Iluminuras, 1990.volta ao texto 5 Op.cit. p. 17. (Avoir consideré cette vie nue separé de sa forme, dans son abjection, comme um principe supérieur - la souveraineté ou le sacré - constitue les limites de la pensée de Bataille, qui la rendent pour nous inutilisable.) volta ao texto 6 Agamben. G.Estado de exceção. Trad. Iraci Poletti. São Paulo: Boitempo. 2004.volta ao texto
Leila Danziger
Posted by Leandro de Paula at 8:25 AM
novembro 6, 2006"Miséria invisível", de José Eduardo BarrosJosé Eduardo Barros
Posted by Leandro de Paula at 12:26 AM
novembro 4, 2006Prazo para o segundo tópico até 20 de novembroPrazo para o segundo tópico até 20 de novembro Depois de "É a Modernidade nossa Antigüidade?", o documenta 12 magazines recebe trabalhos para o segundo tema do projeto até o próximo dia 20. As contribuições enviadas até esse prazo poderão vir a fazer parte da edição impressa de "O que é a vida crua?", questão lançada por Roger Buergel como mote para que os diferentes contextos que integram o projeto possam apresentar suas reflexões. São encorajadas contribuições em vários formatos: textos teóricos e artísticos, ensaios, resenhas, registros de intervenções, documentos em áudio ou vídeo, imagens etc. A vida crua põe em xeque a noção de sujeito, abordando a exposição de sua natureza, sua impotência e vulnerabilidade. Saiba mais sobre "O que é a vida crua?"
Posted by Leandro de Paula at 2:59 PM
outubro 16, 2006"Um segundo banho para Heráclito", de Mario GrisolliPasse o cursor de seu mouse, e clique o botão esquerdo para ativar o flash Mario Grisolli Fotógrafo carioca. Faz arte para viver e trabalhos comerciais para sobreviver. É fundador e atua no coletivo cinematográfico Cactos Intactos. Sítio: www.grisolli.net
Posted by Patricia Canetti at 4:15 PM
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outubro 4, 2006Grupo do Canal Contemporâneo no Youtube em matéria de "O Globo"Fragmento de "Os melhores do Youtube", matéria publicada originalmente na Revista do Globo, do jornal O Globo, em 3 de setembro de 2006. Patrícia Canetti, criadora do Canal Contemporâneo (um dos maiores portais brasileiros sobre as artes visuais), está empolgada com um grupo do Youtube que faz diferentes leituras do leitmotif "O que é a vida crua? (What´s bare life?)", proposto pela 12ª. documenta de Kassel, a maior mostra de vanguarda contemporânea. Inspirado em Nelson Rodrigues, o Canal Contemporâneo integra este grupo e abre espaço para a interpretação do que significa "A vida como ela é": "Mais do que sugerir às pessoas o que ver no Youtube, gostaria de reforçar o mais importante que a rede nos traz: seja você mesmo na mídia e saia inventando formas de comunicação e socialização". Conheça o grupo "A vida como ela é" no sítio Youtube.
Posted by Leandro de Paula at 5:22 PM
agosto 28, 2006A vida como ela é: Canal Contemporâneo lança grupo no Youtube'A vida como ela é' é a tradução do Canal Contemporâneo para o segundo tema do projeto documenta 12 magazines. Através de um grupo criado no sítio Youtube, estaremos abrigando e desenvolvendo diferentes leituras sobre o leitmotiv "O que é a vida crua (What´s bare life)?" proposto pela documenta 12. Roger Buergel, diretor artístico da mostra, salienta no tema os aspectos que se referem à vulnerabilidade inerente à condição humana, os limites físicos e subjetivos daquilo que convencionamos enquanto "sujeito". Inspirado na célebre coluna de Nelson Rodrigues, o grupo busca refletir, a partir de apropriações do cotidiano e novas criações audiovisuais da comunidade, as características desta questão na realidade brasileira.
Posted by Leandro de Paula at 7:19 AM
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