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"Um ontologista observa", texto de Georg Schöllhammer sobre a obra de Nesa Paripovic, Springerin
"Hélio Oiticica: la invención del espacio", ensaio de Gonzalo Aguilar Lançamento do segundo volume do documenta 12 magazines, Berlim "Educação Radical: capacidade crítica para fazer escolhas e transformar a realidade", ensaio de Marta Gregorcic para a Chto delat? Coletiva de Imprensa com Roger Buergel e Tim Hupe "A Existência Ferina - A Matéria e a Vida", work-in-progress de Dione Veiga Vieira "Comunicación, Arte y Ciencia: el caso del arte transgénico", de Cecilia Vázquez, para o sítio Arte y Critica "Satélite", de Alejandro Mancera / Observatório Esfera Pública "(In)formação", por Marília Sales / 2 Pontos Arte Contemporânea em Pernambuco "Bússola", de Renato Rezende |
novembro 26, 2006"Não estamos imunes", texto de Carmen KrauspenharIndependentemente de nós, o mundo segue seu curso. Mas alimentamos a ilusão de que de alguma forma conseguiremos controlar o que nos é externo. O modo como esta intenção de controle se manifesta externamente não se mostra, na prática, tão importante para nós quanto nossas fantasias. Não percebemos a realidade de nossa influência, e neste ponto de cegueira se aloja nossa impotência. Nós desconfiamos destes pontos cegos, mas preferimos ignorar qualquer suspeita. Agimos como se o mundo fosse uma extensão de nós mesmos. Mas a vida crua é imune a idealizações, ela não tece julgamentos. Está além do bem ou do mal, do certo ou do errado, e estes não são parâmetros que a definem ou orientam, apesar de muitas vezes assim desejarmos. A vida crua não se baseia em separações, quem separa é a mente humana. Na vida crua as coisas estão interligadas, e a contradição é natural. Por isso a vida crua é rica, é cheia de possibilidades, de diferentes modos de ser, de sentir, de conviver. Se pudermos viver sua realidade, podemos jogar com estas possibilidades e descobrir o que é diferente, e por isto novo para nós. Isto não acontece na acomodação e na compulsiva busca de segurança, que é a tentação da mediocridade. A sangue frio e humildemente podemos compreender o que é a incerteza de nossa vida. A sangue frio significa ter paciência e visão de maior alcance. Humildemente, é saber que somos um grão de areia neste planeta, somos frágeis. Viver com a incerteza da dor ou do prazer é conviver com a ansiedade. A vida moderna é cheia de ansiedades porque temos de estar em contato sem trégua com muitas situações de prazer e/ou dor, ou possibilidades de prazer e dor, e não podemos controlar a maior parte desta demanda. Nós nos protegemos destas demandas criando verdades sem muito fundamento mas que nos acalmam. Nós também encontramos explicações para muitas coisas que, quando explicadas, morrem, e encontramos palavras quando deveríamos ficar em silêncio. Para a arte, o silêncio, este espaço para que se sinta o trabalho artístico, é crucial. A intelectualização é o entrave mais corriqueiro quando alguém quer entrar em contato com uma obra de arte. Racionalizar a desestabilização que a arte proporciona pode tornar superficial o contato, porque a razão e a sensibilidade funcionam melhor quando integradas. Nossa tendência é usar o intelecto para controlar o desconhecido, e nisso matamos as possibilidades da arte. Isto é válido para leigos e também para especialistas em arte. Para estes a intelectualidade pode ser extremamente prejudicial. Eles se tornam cegos quando sua visão é mais abstrata do que deveria, e menos referenciada com as condições do ambiente em que atua. Se o mundo é cheio de contradições e falta de respostas, a arte não quer qualquer tipo de amortecimento. Ela procura desviar disto, ela quer alternativas, anseia pela vida como ela é, crua. A arte não diz como tem de ser. Ela quer manter sua dimensão de crueza, mas devemos pensar nesta crueza atuando em um meio social, civil. Isto quer dizer, em um meio que espera comportamentos aceitáveis, adequados. Devemos pensar quais são os parâmetros desta adequação da arte na contemporaneidade. A arte obedece a regras sociais de conduta para que não seja proibida. Em outros tempos seria marginalizada se quebrasse estas regras, porém os limites agora se resumem quase que exclusivamente aos da lei, com algumas exceções, de modo que "civilizada" aqui quer dizer "dentro da lei". Isto se torna uma via de mão dupla para a arte. Ela pode atuar mais livremente e portanto em maior contato com a vida como ela é (inclusive com a realidade de nossa civilidade), o que é positivo para a sua prática porque permite que se mexa no que antes eram pontos cegos mantidos por rígidos costumes sociais. Mas esta mesma liberdade pode tornar-se um liberalismo extremado e levar à insensibilidade, paradoxalmente, quando, ao invés de sermos ativos em relação à arte, somos passivos e pouco comprometidos com seus questionamentos. Um caso recente que fugiu desta insensibilidade justamente por ser censurado sem razões legais foi o da polêmica instalação de Marcia X. A artista dispôs rosários no chão lembrando a forma de um pênis, o que causou revolta por parte da igreja. A obra foi censurada e a classe artística se manifestou a favor de Marcia X. Julgo esta polêmica positiva porque levanta questionamentos a respeito do assunto, o que significa que o trabalho não caiu na banalização a que muitos trabalhos artísticos estão sujeitos hoje, inclusive aqueles em que são mostradas as nossas realidades mais violentas. Os conflitos sociais, políticos, pessoais estão aí, disponíveis para serem trabalhados, a crise mundial nunca dá tréguas. A verdade crua é esta, e ninguém está imune a ela, estamos desprotegidos. Acabo de voltar da 27ª Bienal de São Paulo e julgo que ela teve o mérito de tratar da crueza das realidades sociais em muitas obras. Teve trabalhos menos intimistas e subjetivos do que crus ou agressivos e provocativos. Isto pode significar uma arte forte, uma arte que não somente trata da crueza, mas que também é crua. Mas por outro lado os limites são tênues e esta crueza no extremo pode levar à banalização. A arte pode virar um documento desta realidade social, ou ser um depositório de indícios desta realidade. Esta Bienal me deixou a impressão de que a arte contemporânea precisa digerir a problemática das fronteiras entre sensibilidade e violência. A nível psicológico a crueza está dentro de nós e com ela não temos muito contato, não conhecemos sua cara. Ela é o bicho, o animal, que é agressivo e puro. Este bicho que nós civilizamos na base da marretada, ao invés de fazê-lo entender que este é o mundo que temos e que não há outro, e que é melhor que ele faça algo, ou as coisas vão piorar. A nossa civilidade está impregnada deste animal, mas ele tem sido bem maltratado e vem mostrando sua pior parte, que aparece nas corrupções, nos jogos de poder, na violência, na negligência de assuntos de interesse público, na degradação das relações pessoais. Esta energia é humana, existe em sua crueza naturalmente e existe também na direção do crescimento e não somente da destruição. Ela pode ser elaborada e digerida com intensidade física e emocional nos esportes e no sexo, e na arte a nível intuitivo e intelectual e também físico e emocional muitas vezes. Aí está a força da arte a que me referi anteriormente, esta força que desestabiliza e procura ampliar visões. A força do comprometimento com a vida como ela é. Esta é a arte que assume as nossas negatividades, as negatividades que a história tem perpetrado, as que se disseminam globalmente em todos os lugares e que não conseguimos digerir, com as quais não conseguimos lidar, ignoramos, tentamos esconder e negar. Não estou aqui fazendo a apologia da negatividade, e sim da digestão de nossa negatividade, que se olhada mais de perto, não é o tabu que imaginamos, mas sim parte de nossa constituição humana. O artista se apodera da sua própria fragilidade no processo criativo da obra. Encontra seus fantasmas, não pode ignorar seus conflitos nem sua relação com o ambiente em que atua, este que muitas vezes lhe oprime e tira as possibilidades. O artista tem de conviver com seu coração em carne viva constantemente. Ele está desprotegido, e se vê obrigado a permanecer nesta situação. Ele encara seus medos, e suas fraquezas, quando visíveis, se tornam força. Não se pode fazer arte sem conflito.
Posted by Leandro de Paula at 9:25 PM
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