Ensaio originalmente escrito em Inglês e Português pela autora.
Tropical MODERN: the Political Ambivalence of Cultural Remix
By Simone Osthoff
Presented at BRASA VIII—Brazilian Studies Association International Congress
Oct. 13-16 2006, Nashville, Tennessee
Abstract: This article probes the relationship between experimental art and politics, by addressing, as privileged themes, the concepts of utopia and cultural remix. The article explores the Hélio Oiticica-Marcola connection and the role of anti-heroic strategies employed by Brazilian avant-garde artists, which has involved both violent and negative aesthetics as well as ambivalent politics, and yet has yield new sensorial explorations and unforeseen spatial possibilities.
In Brazil, another example of aesthetics’ political ambivalence is Tropicalismo, as difficult to define today as it was in 1969, despite the constantly growing international interest in this movement exemplified by the current Tropicália exhibit curated by Carlos Basualdo for the Museum of Contemporary Art of Chicago in 2005 and the Bronx Museum in NY, 2006, and by the exhibition Hélio Oiticica: The Body of Color, at the Museum of Fine Arts, Houston, between December 2006 and April 2007.
It is often impossible to separate a negative aesthetics that privileges experimentation and absurd and violent forms from a romantic, idealist, or even functionalist and socially utopian aesthetics. As Oswald de Andrade already observed “at the heart of every utopia there is not only a dream but also a protest.” Hélio Oiticica’s box-bólide titled “Homage to Cara-de-Cavalo” from 1965, and his flag-poem “Be an Outcast, Be a Hero” from 1967, are both romantic and violent, and have since their creations, raised questions about the relationship between aesthetics and ethics, and they continue to generate polemics, now with an urgency prompted by gang-related urban violence and the 2006 Presidential elections.
“Estamos todos no inferno. Não há solução, pois não conhecemos nem o problema,” é o título dramático da entrevista com Marcola, o lider do PCC (Primeiro Commando da Capital) que o cineasta-cronista Arnaldo Jabor publicou no jornal O Globo (23/5/06). Nos meses que se seguiram, a suposta entrevista circulou em múltiplos emails e blogs por todo Brasil, tomada às vezes como verdadeira, às vezes como alegoria. O que mais impressiona nas palavras de Marcola é a combinação da sofisticação intellectual com a racionalização da violência. E entre clássicos da literatura e da filosofia citados pelo chefe do crime organizado, está a referência à Hélio Oiticica: “Voces intelectuais não falavam na luta de classes, em ‘seja marginal, seja héroi’? Pois é: chegamos, somos nós! Ha, ha… Vocês nunca esperavam esses guerreiros do pó, né?” Jabor, na tradição Rodrigueana de a vida como ela é, contribui com essa entrevista para mais algumas páginas ….. Um segundo evento esse ano explora a relação arte, mídia, miséria, e violência. Em setembro, a cidade de Recife apareceu coberta com o poster “Marcola pra presidente e Pedro Correa para vice,” uma intervenção urbana do artista Krishna Passos (Folha de Pernanbuco 20/09/06) que enfatiza a corrupção de políticos e a politização do crime organizado. Os dois eventos parecem perguntar se existe uma relação direta de causa e efeito entre arte e política? Podemos culpar artistas como Hélio Oiticica pelo aumento da violência nas metrópoles brasileiras, como fazem alguns intelectuais conservadores como Olavo de Carvalho?
In a decade that radically mixed art and life, Oiticica, among others in the 1960s, took the artistic experience beyond the pictorial space and outside the frame and the “neutral” zone of official art institutions. By interpreting Malevich’s White on White as the limit of painting, the artist translated pictorial questions into life, exploring color and space in time-based performances, which valued the creative potential of samba dance and marginalized urban spaces. Setting color free in space and pursuing a new structure for color, the artist created in 1964, his first Parangolé. In the process, Oiticica crossed many aesthetic and spatial boundaries, besides blurring multiple social, racial, and class borders. His redistribution of sensorial experience subverted the Modernist preference for the visual sense. E se Oiticica encurtou a distância entre o MAM e a Mangueira, ele redescobriu a abstração geométrica no movimento dos corpos no samba, explorando uma super-sensorialidade em estados de êxtase gerados pelos rituais da dança, do sexo, e da droga. Ele mergulhou na cultura popular entendendo a marginalidade e as transgressões sociais que ela involve, como espaço experimental, isto é como espaço radical—onde não se sabe de antemão as regras de comportamento. E para Oiticica, essa experiência de liberdade dizia respeito não só às formas estéticas mas também éticas, já que como artista e homosexual ele confrontou a moral católica, patriarchal, machista e racista da sociedade Brasileira. O desafio contido na frase “Seja Marginal, Seja Héroi” tem como contexto histórico e político específico a crise gerada pelo golpe militar de 1964 e a revolta de estudantes e intelectuais pela liberdade de expressão e pela redefinição do modelo de desenvolvimento nacional, expressos com a mesma urgência nas artes plásticas, no cinema, no teatro, na literatura, no jornalismo, e na música popular.
A “Homenagem a Cara-de-cavalo” enfatiza o papel do anti-herói na modernização da cultura Brasileira, presente tanto no cerne de Macunaíma de Mario de Andrade quanto do cordel que romantiza Lampião e Corisco. A estética do anti-herói continua na figura do malandro carioca que com jogo de cintura tira proveito e energia criativa da pobreza e da opressão, cantado por entre outros, Moreira da Silva e Chico Buarque. O bandido-marginal está no centro do Cinema Novo de Deus e o Diabo de Glauber Rocha, assim como nos filmes paulistas da Boca do Lixo como O Bandido da Luz Vermelha de Sganzerla. O anti-herói é fundamental nas peças e crônicas de Nelson Rodriguez e não pode faltar nas novelas da televisão. As transgressões éticas do anti-herói, no centro da experimentação e da resistência das vanguardas históricas Modernistas—como a Antropofagia—frequentemente operam o rebaixamento dos ideais da forma e da beleza, gerando polêmicas não muito distantes daquelas criadas por Hélio Oiticica, ou mais recentemente pela obra “Desenhando Com Terços” de Marcia X, censurada na exposição Erótica do CCBB-Rio em abril de 2006.
The experience of ecstasy and violence present in some of Oiticica’s works might be closer to the experience of the sublime, which includes the non-rational and the irrational, as an intrinsic part of the experience of beauty, as conceptualized by Edmund Burke in the eighteenth century. In the lyrical and ecstatic dimension of Oiticica’s works there is the desire to dissolve the separation between subject and object through joyous liberation and the “experimental exercise of freedom.”
But contrary to Adorno’s horror of the cultural industry, we today believe that contemporary art must indeed explore all cultural forms, including those taken from, and existing within the mass media. Context is content, and the blurry lines between representation and simulation inevitably reject the Modernist universal claim of aesthetic purity and autonomy. An example of this Modernist claim is the notion that Cubism was responsible for the radical invention of collage, propagated as an autonomous artistic development, rather than a pictorial appropriation of methods already employed in the advertising industry since the second half of the 1850s. In Brazil, the subversive body-centered metaphors of cannibalism, carnival, and hunger, which have been at the core of many 20th century revolutionary aesthetics, can further dislocate high and low sensibilities by subverting the optical and aural senses with digestive and sexual metaphors, thus promoting a cannibalization and a carnavalization not far from the aesthetics of cultural remix.
Sampling and remix, born from collage, film montage, jazz and hip hop—radicalized and facilitated by the widespread access to digital technologies—continues to build upon the political ambivalence of many twentieth-century avant-garde practices. With dizzying speed—from Oswald’s emphasis upon the “contribuição milionária de todos os erros” to Fernando and Humberto Campana’s street based furniture designs, such as their Favela Chair—the logic of cultural remix tends to leave the material, metaphorical, and political fault-lines of collage and sampling exposed.
Contrasting with Modernity’s utopias, and yet building upon some of their political ambivalence, contemporary artists today are both critical of the values of global corporate capitalism, and yet thriving within the international media celebrity system. Such is the case of sound artist Paul Miller, a.k.a. DJ Spooky, an important innovator and theorist of the remix (Rhythm Science, 2004). Spooky’s form of resistance, which openly embraces new technologies to challenge racism and collapse disciplinary and social hierarchies, is both aware of technology’s military and corporate origins and ties, and further contributes to blur the lines between representation and simulation. The new meanings produced by his performances merge experimental and functional art, avant-garde and kitsch spectacle, sampling and copyright, open source and capitalist-for-profit. Whether practiced by twentieth or twenty-first century artists, in the tropics or elsewhere, the political ambivalence inherent in the aesthetics of cultural remix does not lead to utopian nor dystopian experiences, but usually to a critical and “experimental exercise of freedom.”
Simone Osthoff
É professora de estudos críticos na School of Visual Arts, Pennsylvania State University. Seus ensaios sobre práticas experimentais e institucionalização das vanguardas, principalmente brasileiras, fazem parte de várias publicações internacionais, incluindo livros do MIT Press. Osthoff participa do painel de críticos da Leonardo Reviews e, no momento, dedica-se a uma pesquisa sobre o Suplemento Dominical do Jornal do Brasil publicado no Rio de Janeiro nos anos utópicos entre 1956 e 1961.